'Fragile future', escultura feita com dentes-de-leão e LED

'Fragile future' (2005): dentes-de-leão e LED comprovam que natureza e tecnologia não são inimigas

Drift/divulgação


Para o senso comum, a Holanda é o país das tulipas. Mas pode ser também dos dentes-de-leão, erva encontrada facilmente nas margens de estradas e cursos de água. É quase banal. Porém, não há nada de banal no que os holandeses Lonneke Gordijn e Ralph Nauta, a dupla fundadora do Studio Drift, fazem com ela.
 
“Fragile future” é uma escultura criada com sementes de dentes-de-leão, circuitos elétricos de bronze e luzinhas de LED. Cada peça é única e pode ter uma forma diferente, dependendo do espaço que ocupa. A construção é manual. As sementes são retiradas do ambiente natural e colocadas, uma a uma, em torno de uma luz de LED.
 
Explicar é uma coisa, ver o impacto que esta obra causa é outra. A escultura “Fragile future” é uma das atrações da exposição “Studio Drift – Vida em coisas”, que será aberta neste domingo no Centro Cultural Banco do Brasil, na Praça da Liberdade. A data não foi escolhida ao acaso. Hoje, 27 de agosto, o CCBB-BH completa 10 anos.
 
Instalação Shylight, do estúdio holandês Drift

"Shylight" (2006-2014): luz dialoga com flores em "balé" que conquistou o público no Rio e São Paulo

Ossip van Duivenbode/divulgação
 
 
A mostra, que já percorreu as unidades da instituição no Rio de Janeiro e São Paulo, vai ainda para Brasília. É a carta de apresentações do Drift no Brasil.
 
“O sentido da curadoria foi buscar a leitura da vida em coisas, mostrando que objetos criados pelo homem podem carregar uma pulsão de vida”, afirma Marcello Dantas, que divide a curadoria com Alfons Hug.
 
Com sede em Amsterdã, o estúdio, fundado em 2007 por Lonneke e Ralph, atualmente conta com cerca de 45 profissionais. O coletivo trabalha a arte como relação direta do ser humano com a tecnologia e a natureza.
 

Conexão mágica entre dentes-de-leão e LED

“Fragile future” nasceu ainda em 2005, antes da criação do Studio Drift. Fascinada por dentes-de-leão desde a infância, Lonneke utilizou, para o modelo de teste, as luzinhas que tinha em sua mesa de trabalho e a erva do jardim de casa.
 
“Vi que a base em que as sementes estavam conectadas tinha o mesmo tamanho da minha luzinha de LED. O que aconteceria se eu colasse as sementes naquilo? Aí, algo mágico aconteceu e mudou toda a minha perspectiva. Até então, achava que a tecnologia era o inimigo, oposta à natureza. Ou seja, elas não poderiam andar juntas. Mas não: elas poderiam também ter o casamento perfeito, pois fortaleceriam uma à outra”, relembra Lonneke.
 
Desde o experimento inicial, já se passaram 18 anos – “Fragile future” ganhou inúmeras versões. Para cada peça são utilizadas milhares de sementes. As plantas dependem do vento, e geralmente a temporada de dentes-de-leão na Holanda começa no fim de março. Porém, a natureza pode pregar peças. Um lugar com milhares de plantas em um ano pode não ter nenhuma no ano seguinte.
 
“Na verdade, não estamos no controle disso. Então, todos os anos aprendemos coisas novas sobre os dentes-de-leão”, conta a artista.
 
Sala no CCBB reúne o processo criativo do Drift, com projetos e maquetes

Sala no CCBB reúne o processo criativo do Drift, com projetos e maquetes

Túlio Santos/EM/D.APress

O impacto do movimento

Outra obra que marcou o primeiro momento do Drift leva o nome de “Shylight”. Foi, de longe, a atração de maior repercussão das exposições no Rio e em São Paulo. Aqui, ela será apresentada no pátio do centro cultural. A escultura em movimento mostra flores, criadas a partir da seda, se abrindo e fechando. Todos os circuitos exigidos para fazer com que as peças se movimentem e ganhem luz estão à vista do espectador.
 
“Shylight” nasceu em 2006, conta Lonneke. “Foi o nosso primeiro projeto mecânico. Só que não somos engenheiros mecânicos, havia falhas, você não reconheceria hoje a versão inicial. Naquela primeira exposição, todas as outras obras da mostra eram apenas objetos. E o nosso trabalho se movia. O público mudava seu comportamento porque não sabia quando aquelas coisas iriam aparecer. O movimento causou impacto tão grande que decidimos explorar isso a fundo.”
 
São vários os movimentos na exposição. “Amplitude” (2015) ocupa uma sala inteira do terceiro andar do CCBB-BH. O material utilizado é vidro, latão e aço. A maneira como esse material se movimenta (por meio de robótica) pode levar o espectador a imaginar uma onda, ou um esqueleto.
 
“Ego” (2020), exposta pela primeira vez, nasceu para o cenário de uma montagem da ópera “Orfeu”. Basicamente, a escultura apresenta fios de nylon que dançam no ar. Mas nada é simples como parece.
 
Para que a mágica aconteça, oito motores (à vista do público) são necessários – o “balé” é fruto do algoritmo criado para a própria obra. Há uma sala dedicada aos bastidores, que destaca as obras em maquetes e projetos, mostrando como se dá a construção de cada peça.
 
Cadeira Banquete, dos Irmãos Campana, ao lado de obra criada a partir dela para a série 'Materialism'

Cadeira Banquete, dos Irmãos Campana, ao lado de obra criada a partir dela para a série 'Materialism'

Túlio Santos/EM/D.APress
 
 
Ainda que boa parte dos trabalhos tenham como base o movimento, uma série em curso do Drift, “Materialism” (2018), apresenta objetos fixos. A ideia aqui foi ver do que as coisas que utilizamos no cotidiano são feitas: um game boy, um Fusca, um lápis e até mesmo uma havaiana, além de um pandeiro e uma cadeira dos Irmãos Campana (os três últimos foram produzidos para a exposição no Brasil).
 
Cada objeto foi desmontado e o Drift recriou a versão escultórica a partir de vários blocos. Cada um corresponde à proporção do tal material utilizado para a fabricação daquele objeto. O pandeiro, por exemplo, vai ter uma parte maior de madeira e menor de metais. A parte de espuma que compõe um Fusca é muito maior do que as outras partes do automóvel.

Terra, o planeta fábrica

Ao desmembrar cada objeto, diz Lonneke, percebe-se “que isso tudo não apenas saiu de uma fábrica. Tudo, na verdade, veio do planeta. E nosso objeto é ligar e conectar as pessoas com o planeta. Isso faz parte da compreensão do nosso trabalho.”

Ainda que as obras do Drift sejam um convite para que as pessoas, munidas de celulares, façam fotos e vídeos (“Shylight” tem milhares de produções no Instagram), Lonneke espera que o trabalho atinja o público de outra maneira.
 
“Nós realmente queremos devolver o tempo às pessoas. Alguns trabalhos são lentos e delicados, como se você estivesse em um ambiente da natureza. Se você passar um tempinho se adaptando a esse ambiente, seu corpo vai entender. De forma inconsciente, sua respiração, seus batimentos cardíacos, vão se adaptar ao ritmo do que está ao redor. De maneira geral, as pessoas chegam à exposição, pegam o telefone e começam a gravar. Adoro a hora em que elas resolvem guardá-lo, e estar ali somente pelo momento”, finaliza Lonneke.
 
Detalhe da obra 'Amplitude'

Detalhe da obra 'Amplitude'

Túlio Santos/EM/D.APress
 

Performance das flores

Obra mais conhecida do Drift, “Shylight” fica no pátio do CCBB. Neste domingo, a performance “Desabrocha” será realizada ali, em quatro horários (15h, 16h, 17h e 18h).
 
Acompanhados de trilha de Philip Glass, bailarinos vão se apresentar usando saias que recriam o movimento das flores que compõem o trabalho. 
 

'STUDIO DRIFT – VIDA EM COISAS'

A exposição será aberta neste domingo (27/8), às 10h, no Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Visitação de quarta a segunda-feira, das 10h às 22h. Entrada franca. Ingressos devem ser retirados na bilheteria e no site bb.com.br/cultura. Até 6 de novembro.