Olhar com atenção para a arte produzida em vários estados do Brasil. Com esta proposta, a feira SP-Arte Rotas Brasileiras chega agora à segunda edição, num contexto em que os colecionadores, as galerias e os museus abraçaram a diversidade de artistas que compram, representam ou expõem. Se há alguns anos era constrangedor exibir um elenco formado só por artistas brancos, agora é definitivamente proibido, motivo de cancelamento.





 

Os números dão a dimensão da perda de prestígio da arte eurocentrada. Na feira, que ocupa o pavilhão da Arca, em São Paulo, a partir desta quarta (30/8), cerca de 40% dos artistas expostos nas 70 galerias participantes são não brancos, de acordo com dados do evento.

 

Na semana seguinte, a Bienal de São Paulo, a principal mostra de arte do país, abre sua 35ª edição com uma seleção numerosa de artistas indígenas e negros, muitos deles do Sul Global, compondo o que é provavelmente a bienal menos branca desde que o evento começou a ocorrer.

 

"A gente não está buscando bater recordes de artistas não brancos, mas a própria temática da feira conduz as galerias a este caminho. Nos últimos anos ficou clara também a qualidade da produção desses artistas", afirma Fernanda Feitosa, a diretora e fundadora da SP-Arte.





 

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Para Feitosa, a virulência dos governos de Jair Bolsonaro no Brasil e de Donald Trump nos Estados Unidos, assim como o movimento Black Lives Matter, aceleraram a entrada de artistas não brancos no circuito.

 

"Tem algumas horas em que você precisa se posicionar. Deste mesmo não teremos mais, em relação a Bolsonaro e acho que no mundo todo. Tem uma minoria ruidosa que esperneia, e ela é violenta e agressiva e verborrágica. Parece que ela domina a narrativa, mas ela não domina", ela diz, em relação aos apoiadores do ex-presidente.

Aglomerado de BH

Quem for à feira na Arca deve ver o discurso inclusivo materializado em obras. A galeria Verve, por exemplo, apresenta três artistas negros, Ana Beatriz Almeida, Shai Andrade e Moisés Patrício, com fotografias e pinturas que giram em torno do tema da família. A GDA, Galeria de Artistas, traz à capital paulista uma seleção de retratos do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, feitos por Afonso Pimenta e João Mendes.





 

Em nova participação na feira, o estande dos Bancos Indígenas do Brasil mostra mobiliário produzido por povos do Xingu, como os banquinhos em forma de tamanduá, anta e onça – e que vendem muito bem, segundo Feitosa.

 

Cerca de 35% dos expositores da Rotas Brasileiras são de fora de São Paulo, como é o caso do estande do Sertão Negro, escola e residência artística comandada por Dalton Paula nos arredores de Goiânia que almeja se tornar celeiro de novos artistas. 

 

Ao todo, há 11 estados representados no evento, que se orgulha de ser menor e menos internacional em relação à sua feira-mãe, a SP-Arte, que ocorre todos os anos em março ou abril e é focada em artistas estrelados.





 

O ajuste no foco expositivo do global para o local se traduz também no tíquete médio dos colecionadores, entre R$ 150 mil e R$ 250 mil em compras, valor abaixo do gasto na SP-Arte principal, de acordo com Feitosa.

 

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Lina Bardi, Heitor dos Prazeres e Andujar

É claro, a Rotas Brasileiras ganha força com a participação de algumas das casas mais ricas do mercado, como a Almeida & Dale, com um solo de Heitor dos Prazeres, e a Gomide & Co, que apresenta uma edição inédita de duas peças de mobiliário de Lina Bo Bardi, a “Poltrona sertaneja”, projetada em 1960 para o Museu de Arte Moderna da Bahia, e a "Cadeira Sesc", desenvolvida em 1982 para o Sesc Pompeia, em São Paulo.

 

Outra das poderosas, a galeria Vermelho trará fotos de Eustáquio Neves e uma série de imagens menos vista da fotógrafa Claudia Andujar. 

 

Detalhe do quadro pintado por Heitor dos Prazeres, exposto na SP-Arte pela galeria Almeida & Dale

(foto: Sergio Guerini/ Almeida & Dale)

 

Já a Fortes D'Aloia & Gabriel preparou um estande inteiro de obras inéditas de Erika Verzutti, certamente um dos nomes mais internacionais da feira. São peças coloridas de cerâmica produzidas em colaboração com a Ceramica Suro, de Guadalajara, no México, exibidas num museu na capital desse país.

 

"São trabalhos muito influenciados pela fábrica onde foram feitos. As torres incorporaram a superfície lisa e gostosa de louças de cozinha, de uma pia, ou de um elemento vazado de arquitetura, o cobogó. Já os azulejos são crespos, amassados por várias mãos, aprendendo e quebrando as regras da produção de uma fábrica de artesania", conta a artista.





 

Esta edição da feira acontece poucos dias antes do início da Bienal de São Paulo, mostra que ouriça o mundo da arte e estimula a abertura de exposições em boa parte das galerias e das instituições da cidade. Para o marchand Alexandre Gabriel, um dos sócios da Fortes D'Aloia & Gabriel, a Rotas Brasileiras deve ter um punhado de convidados internacionais da bienal circulando pelos corredores, o que vai dar às galerias mais visibilidade para curadores, colecionadores e profissionais de museus de fora do país.

Acabou a 'guerra' 

O engarrafamento de eventos de arte em São Paulo no segundo semestre ocorre num contexto em que a cultura deixou de ser uma arma na guerra cultural, como foi durante os quatro anos da presidência de Bolsonaro, e volta a ser valorizada pelo Estado, graças à refundação do Ministério da Cultura e à reativação da Lei Rouanet pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

 

Em paralelo, a imagem do país no exterior está positiva. "O Brasil passou por um período de desmonte nas políticas públicas de fomento à cultura, e 2023 representa um renascimento para o setor", afirma Ian Duarte, um dos sócios da galeria Verve. "O mundo volta a olhar para nós e celebra este novo momento de país." 

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