O Festival de Veneza é o mais antigo do mundo e por isso mesmo é um dos que mais transbordam história. O evento é marcado pelo glamour, construído em cima de cenas clássicas, como a da atriz Brigitte Bardot, na edição de 1958, cercada pelos paparazzi e encolhida em um gramado.
Essa reputação se mantém até os dias de hoje, a exemplo da chegada de Lady Gaga à cidade em 2018, sentada na beirada de um dos famosos táxis aquáticos dos canais, com as pernas quase tocando as águas.
Este ano, porém, a expectativa é de calmaria nas gôndolas. O festival, que começa nesta quarta (30/8), acontece em meio à greve dos atores em Hollywood, que se juntaram aos roteiristas em julho para protestar por melhores condições de trabalho na indústria. Em meio à paralisação, membros dos respectivos sindicatos estão proibidos de promover seus trabalhos, o que inclui aparições em mostras como a da cidade italiana.
Com isso, Veneza é o primeiro grande evento da temporada de fim de ano a sofrer baixas no tapete vermelho ocasionadas pela paralisação – uma situação inédita para a ilha de Lido, em tempos de globalização. O festival perdeu até mesmo o filme de abertura. "Rivais", com Zendaya, foi removido da programação depois que a MGM, dona da distribuição, adiou o lançamento para 2024. Em seu lugar, entrou o italiano "Comandante", de Edoardo De Angelis, incluído na seleção oficial.
Na prática, ninguém sabe quem pode aparecer na cidade para promover os filmes em exibição, por conta da preocupação com a causa dos artistas. Bradley Cooper, por exemplo, já confirmou que não estará no festival para promover "Maestro", filme que dirige e protagoniza.
Mas há grandes nomes confirmados, incluindo os elencos dos americanos "Ferrari", de Michael Mann, e "Priscilla", de Sofia Coppola. Ambos foram liberados pelos sindicatos depois que os distribuidores envolvidos – a Neon e a A24, respectivamente – aceitaram os termos pedidos.
Cinebiografias
Assim, as duas cinebiografias lideram o contingente pequeno de astros que passam pela Lido este ano. Gente do porte de Adam Driver, que vive o criador da marca de carros italiana no filme de Mann, e Priscilla Presley, que não é atriz, mas é a biografada no longa de Coppola – que ainda tem Jacob Elordi como Elvis Presley.A notícia é boa também para os brasileiros, que podem torcer pela aparição de Gabriel Leone no evento para promover "Ferrari". Um alívio, se considerar a ausência inevitável de Sophie Charlotte, parte do elenco de "The killer". O filme dirigido por David Fincher é da Netflix, um dos estúdios que ainda não chegaram a um acordo com o sindicato.
Nesse vai e vem, Veneza deve concentrar as atenções nos diretores, a única categoria de destaque que está mais ou menos livre das tensões em Hollywood. Para o júri deste ano, liderado pelo cineasta Damien Chazelle, de "La La Land: Cantando estações", é uma ótima oportunidade de se concentrar nos filmes.
A seleção de nomes que brigam pelo prêmio é chamativa. Ao lado de "Ferrari" e "Priscilla", o festival destaca novos trabalhos de Yorgos Lanthimos, que traz em "Pobres criaturas" uma releitura de "Frankenstein" com Emma Stone; Ava DuVernay, de volta ao cinema depois de cinco anos com a cinebiografia "Origin"; e Ryusuke Hamaguchi, que com "Evil does not exist" busca repetir o sucesso de "Drive my car".
A Netflix é outra que irá forte para o Lido, com cinco longas programados. Só na briga pelo Leão, o serviço aposta em "Maestro", cinebiografia de Leonard Bernstein, "The killer", suspense com Michael Fassbender, e "O conde", sátira de Pablo Larraín que faz do ditador chileno Augusto Pinochet um vampiro.
Fora da competição, a plataforma apresenta o média "A maravilhosa história de Henry Sugar", de Wes Anderson, e "A sociedade da neve", suspense histórico do espanhol J.A. Bayona que encerra o festival, em 9 de setembro.
A competição também garantiu bom espaço aos italianos, que ocupam um quarto do programa. A atenção recai sobre os veteranos Matteo Garrone e Stefano Sollima, que estreiam na corrida pelo Leão com "Io capitano" e "Adagio". Há também "Finalmente l’alba", de Saverio Costanzo, e "Lubo", de Giorgio Diritti, que carregam elenco internacional - o primeiro com Willem Dafoe, o segundo tem Franz Rogowski.
Veneza completa a seleção oficial com os franceses "La bête", de Bertrand Bonello, e "Hors-saison", de Stéphane Brizé; os poloneses "Green border", de Agnieszka Holland, e "Woman of", da dupla Malgorzata Szumowska e Michal Englert; o belga "Holly", de Fien Troch; o alemão "The theory of everything", de Timm Kröger; o dinamarquês "The promised land", de Nikolaj Arcel; e "Memory", do mexicano Michel Franco.
O grupo é forte e mais pop que nos últimos dois anos do evento, o que deve suprir o vazio de artistas na cidade. Isso fora a programação paralela, com eventos como a estreia de "Hit man", de Richard Linklater, e "The caine mutiny court-martial", último filme dirigido por William Friedkin.
Para os brasileiros, os olhares recaem sobre a mostra Horizonte, que apresenta o nacional "Sem coração". O filme, produção do Alagoas dirigida por Nara Normande e Tião, briga por prêmios no programa mais experimental e o segundo mais concorrido do festival.
A concorrência que o diga. "Sem coração" será apresentado junto de nomes conhecidos do circuito, como o israelense Guy Nattiv, vencedor do Oscar pelo curta "Skin" e diretor de "Golda", que apresenta no evento o longa "Tatami".
Presenças polêmicas
O 80º Festival de Veneza alimenta as próprias polêmicas, como a inclusão dos novos trabalhos de Woody Allen, Roman Polanski e Luc Besson na programação. O trio de diretores continua à margem na indústria pelas denúncias - e condenações, no caso de Polanski - por estupro. No Lido, Allen e Polanski estão nas exibições especiais com "Coup de chance" e "The palace", respectivamente, e Besson compete pelo Leão de Ouro com "DogMan". A produção em si é inofensiva, pelo menos, acompanhando um jovem que encontra no cuidado dos cachorros um alento à vida dura.
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