Nada mais natural, ao levar personagens com nomes de expoentes do renascimento italiano às telas, que se dedique energia considerável ao aspecto visual do filme. E é com muita cor e capricho que Leonardo, Raphael, Donatello e Michelangelo voltam aos cinemas nesta semana, em "As Tartarugas Ninja: Caos Mutante".

 

Numa animação que, assim como os mestres renascentistas, segue um estilo bastante autoral, num respiro artesanal diante do mar de imagens genericamente computadorizadas que domina o gênero. Não que o filme promova um retorno ao desenho 2D, feito à mão, mas ele usa a tecnologia para emular o estilo mais rudimentar.

 

Por vezes, "As Tartarugas Ninja: Caos Mutante" lembra um stop-motion, técnica cinematográfica em que bonecos, como os de massinha de modelar, têm fotos suas postas uma ao lado da outra para dar a sensação de movimento.

 

 

Definir a estética da animação era uma prioridade quando Jeff Rowe embarcou no projeto. As tartarugas, afinal, já haviam se aventurado nas telas diversas vezes, em live-action, em computação gráfica e, claro, na forma de desenho chapado que as popularizou na televisão entre os anos 1980 e 1990.

 

"Nós tivemos a ideia de fazer com que o filme, visualmente, parecesse imperfeito, como se tivesse sido desenhado por adolescentes, porque essas tartarugas adolescentes são o centro dele", diz Jeff Rowe em conversa por vídeo.

 

"E se nós optássemos por um estilo de arte mais desconstruído? Foi isso que nos questionamos e, então, eu decidi incentivar os desenhistas a tornar sua arte mais estranha, a serem menos preciosistas. Não gaste muito tempo nisso, o caminho mais rápido pode acabar sendo a resposta, eu dizia."

 

Tartarugas Ninja

O longa começa com o clássico prelúdio de filme de super-herói em que o espectador entende as origens dos poderes que, mais tarde, serão usados para combater o mau

Divulgação
 

 

Assim, "As Tartarugas Ninja: Caos Mutante" ganhou cores que extrapolam o contorno dos personagens e objetos em cena, riscos fortes e desuniformes que parecem obra de uma criança com giz de cera e folha de papel à mão e luzes, fumaça e outros efeitos especiais que são propositalmente superficiais.

 

Tudo para refletir o espírito anárquico, rebelde e jovial do quarteto protagonista, que no novo filme recupera o tom descontraído e divertido que esteve ausente, por exemplo, no longa com atores de 2014, que ao se levar muito a sério e fazer de Leonardo, Raphael, Donatello e Michelangelo monstrengos bombados com cara de mau acabou por desagradar aos fãs e à crítica.

 

 

Aqui, a leveza dá o tom. Como se Rowe e os roteiristas, entre eles o comediante Seth Rogen, quisessem recuperar a sensação da infância de assistir ao desenho das diante da televisão –comendo um pedaço de pizza, quem sabe, como as tartarugas fazem à exaustão em suas histórias. É na nostalgia, afinal, que o projeto se escora, com uma equipe repleta de gente que cresceu com os personagens.

 

O longa começa com o clássico prelúdio de filme de super-herói em que o espectador entende as origens dos poderes que, mais tarde, serão usados para combater o mau. As tartarugas, moradoras dos esgotos de Nova York, são acidentalmente atingidas por frascos de um experimento científico paralisado por uma ação policial.

 

Assim, crescem de forma desproporcional e ganham fala, força e inteligência incomuns à sua espécie. Criadas por Splinter, rato que também bebe a poção mágica, são educadas sob uma rigorosa dieta de aulas de kung fu e, de novo, pizza. Elas são proibidas de sair pelos bueiros e, quando chega a adolescência, a ânsia de rebeldia bate forte –elas, claro, desobedecem o pai roedor e encontram um clã de animais mutantes que quer destruir os seres humanos.

 

"Elas se diferenciam de outros super-heróis porque parecem seus amigos. Elas não respeitam os adultos, quebram regras e não entendem o que estão fazendo. Você só quer sair com elas e criar amizade. É fácil amá-las", diz Rowe.

 

Aos 37 anos, o diretor está em seu segundo longa-metragem. O antecessor, tão elogiado pela crítica quanto "Caos Mutante" está sendo nos países onde já estreou, foi "A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas", da Netflix. Indicado ao Oscar de animação, o filme também chamou a atenção por sua estética diferente, quase desleixada.

 

Bastante apropriado para os temas sobre os quais se debruçou até aqui. Se "Mitchell" falava de uma família disfuncional num apocalipse robótico, "Tartarugas Ninja" usa o inconformismo adolescente para dar frescor não apenas ao gênero de animação, mas também ao de super-herói.

 

As Tartarugas Ninja: Caos Mutante

Quando estreia: nesta quinta (31/8), nos cinemas

Classificação: 10 anos

Produção EUA, Japão, Canadá, 2023

Direção Jeff Rowe e Kyler Spears