Aos 52 anos, Julian Assange, o mais célebre australiano quando o tema é aprisionamento político, enfrenta pressão emocional capaz de engatilhar assumidos e públicos impulsos suicidas.

Dramas do fundador do WikiLeaks vêm a público no documentário “Ithaka: A luta de Assange”. O pai de Julian, o especialista em construção civil John Shipton, de 78 anos, viaja para divulgar o filme dirigido por Ben Lawrence, produzido por parentes de Assange comprometidos com o ativismo a favor dos direitos humanos.





O longa estreia nesta quinta-feira (31/8), com sessão no Cine UNA Belas Artes, em BH. Shipton incluiu o Brasil em seu roteiro. No Rio de Janeiro, foi recebido pelo cantor e compositor Chico Buarque e a mulher, a advogada Carol Proner, e concedeu entrevista coletiva na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Também visitou Porto Alegre, Recife e Brasília.

Julian Assange é acusado pela Justiça dos Estados Unidos de 18 crimes – entre eles, espionagem, por publicar, em 2010, documentos secretos relacionados às guerras no Iraque e no Afeganistão. Desde 2019, está preso em Belmarsh, na Inglaterra, depois de passar sete anos como refugiado na Embaixada do Equador no Reino Unido.

O australiano segue sob holofotes mundiais, enquanto sua mulher, a advogada sul-africana Stella Moris, luta para impedir a extradição do marido para os Estados Unidos, onde pode ser condenado a 175 anos de prisão. O casal tem dois filhos pequenos.





Devido à ação de Assange e do WikiLeaks, o mundo conheceu detalhes da prisão militar de Guantánamo, em Cuba, crimes relacionados ao Exército norte-americano e detalhes de ataques a civis durante a ocupação do Iraque pelos EUA. “É impossível para qualquer ser humano, de toda e qualquer parte do mundo, progredir dentro do espírito da ignorância”, adverte John Shipton na entrevista a seguir.
 

A advogada Stella Moris, mulher de Assange, defende o propósito do marido de revelar informações que governos escondem da população

(foto: Pandora Filmes/divulgação)
 

De certo modo, a tecnologia arruinou parte da vida de seu filho, Julian Assange. Mas, sob outro prisma, ela trouxe algum auxílio para a atual situação dele?
É uma boa pergunta. Sem a tecnologia contemporânea, sem as redes sociais, nós não chegaríamos a lugar nenhum. Os grupos que cercam Julian, especialmente no Facebook, totalizam às vezes 8 milhões de visualizações. A tecnologia possibilita a reação imediata. De pronto, os conteúdos ficam acessíveis e as pessoas podem se envolver nas mais variadas questões, opinar acerca de tópicos, entre eles os relacionados à liberdade reservada para Julian.

Julian contou com apoio religioso ou espiritual? Em que circunstância?
No primeiro momento em que Julian foi para a prisão, em 2019, depois de ser arrastado de dentro da embaixada (do Equador, em Londres), ele ficou extremamente deprimido. Foi quando um padre católico, na prisão, serviu como grande ajuda e trouxe até sustentação para ele, em termos de assistência espiritual.




 

 

É sabido que Julian esteve à frente de produtos audiovisuais como entrevistado ou mesmo como produtor. Vocês levaram em conta a investida na ficção para popularizar a causa?
Esta pergunta gera uma situação que leva a uma faca de dois gumes. O Departamento de Estado norte-americano tem ficcionalizado a vida de Julian, e segue fazendo isso com grande regularidade. Em todos os âmbitos, nós (familiares) nos atemos ao que é verdadeiro. Depois que Julian for libertado, acho que poderá ser uma ideia interessante escrever algo, algum livro, algo assim. Por ora, os fatos que cercam o encarceramento e a perseguição de Julian já se mostram suficientes (para o terreno da ficção).

O senhor tem expectativa de encontros com autoridades no Brasil?
Me encontrei com o presidente Lula duas vezes. Eu o encontrei em Genebra, ele foi muito cortês e empático. Lula emana muita autoridade e poder. Nos encontramos novamente em Paris e, de novo, ele foi generoso e prestativo. Isso é o suficiente, qualquer tipo de declaração que ele faça em apoio à liberdade do Julian. Minha extrema preocupação está em agradecer tudo o que Lula já fez. Realmente, não posso pedir mais do que isso.
 
 

O quão próximo e distante o senhor ficou de seu filho?
Passei a me familiarizar e compreender mais a natureza do Julian, na comparação com antigamente. Nessas circunstâncias, que mudaram bastante nos últimos 10 anos, ele se modificou diante das questões da perseguição e dos impulsos maliciosos de muitos. Sob alguns aspectos, percebo melhora em pontos (da convivência), a partir do restabelecimento de nossa intimidade. A depender do esforço feito, em face à defesa dele (ou não), Julian tem comportamentos (e tendência) de se acobertar, de tentar se encobrir.




 

Julian Assange trouxe a público documentos confidenciais sobre a ofensiva dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão

(foto: Pandora Filmes/divulgação)
 

Em termos de educação, princípios e ética, foi efetivo o comportamento de Julian? Ele traz consigo alguma função social no mundo globalizado?
As circunstâncias em que Julian está sendo processado são um problema de alcance global. O resultado estará em pessoas comuns terem acesso (ou não) a todos os tipos de informação e poderem construir seu juízo a partir disso: o conhecimento. Estender esse conhecimento a suas famílias e comunidades incide numa capacidade singular, numa problematização global. Então, é impossível para qualquer ser humano, de toda e qualquer parte do mundo, progredir dentro do espírito da ignorância. O grande mérito do WikiLeaks é fornecer informações verídicas, e é nisso que está a contribuição para a formulação de políticas. O golpe de mestre e mesmo os pecados de qualquer país derivam das pessoas, não é algo que caia do céu. Está tudo formulado no coração de cada homem e mulher, das pessoas que constituem cada uma das nações. Isso é uma coisa bem simples, mas é algo vital: algo a ser compartilhado e ser petrificado, substancialmente, na mente de cada um.

Em que medida Julian Assange tem sido revolucionário? O senhor crê que, com seus atos, ele reescreveu ou revigorou a liberdade de expressão no jornalismo?
Meu entendimento é muito claro. O sentimento e a capacidade de reunir e integrar à tecnologia domínios reais e verdadeiros nortearam Julian. Cada blog que tenha sessão de comentários se transforma em fórum de conversação. Nisso, se consegue estabelecer o que é verdadeiro e há segurança nesta verdade. O que fazem as pessoas saudáveis, no estabelecimento do que é melhor para todos, é se nortearem por este eixo.
 
 

A democracia entrou em colapso, diante de governos que tentam sufocar aspectos positivos que dela emanariam?
Nos tempos modernos, a democracia tem se transformado a partir das pessoas. Elas outorgam o potencial da democracia. Acredito que (no caso de Julian) tanto o Reino Unido quanto os Estados Unidos têm dado exemplos pobres de democracia para o resto do mundo. A maioria dos povos segue tendo seus representantes – o que é apenas uma forma de democracia, algo que nunca poderá ser generalizado. É importante diferenciar os governos, em se tratando do sistema republicano (vigente nos Estados Unidos). A Austrália é uma federação, trazendo à tona meios muito diferenciados de democracia. Há participação de pessoas no processo. Não consigo visualizar como um país pode avançar sem o entendimento de que a democracia descende e é ativada por pessoas, numa constante. Existem formas diferentes de democracia, mas não se pode ir ao shopping comprar o que emana do povo. Corações, pecados e temperamentos de pessoas moldam a democracia, por fim, muitas vezes encenada por cada governo.





Com tantos temas duros que o trouxeram ao Brasil, foi possível o senhor, um arquiteto, contemplar a obra de Oscar Niemeyer em Brasília?
Assim como estudei Roberto Burle Marx, estudei Niemeyer: eles são personalidades importantes na história da arquitetura moderna. Sempre foram citados como exemplos na construção de uma cidade moderna. Quanto ao Brasil, e acredito que isso se estenda à América Latina, vejo que é um país que consegue emanar o princípio de uma nova civilização. Produz-se (no país) um novo jeito de viver, de fato. A gente consegue presenciar o crescimento de uma grande árvore, em que as flores estão despontando, tudo sob circunstâncias muito magníficas. Realmente, estou torcendo e esperançoso de que a América Latina venha a ser representada pelo Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Acho bastante vergonhoso que, em meio a cerca de 600 milhões de habitantes latinos, não haja representação. Trata-se de um déficit a ser sanado.
 
 

'ITHAKA: A LUTA DE ASSANGE'

Austrália/Reino Unido, 2021. Direção de Ben Lawrence. Documentário sobre a jornada pela liberdade de Julian Assange empreendida por seu pai, o australiano John Shipton, e a família Assange, empenhados em defender os princípios do criador do WikiLeaks, que pode ser condenado a 175 anos de prisão nos EUA. Estreia nesta quinta-feira (31/8), às 18h40, na Sala 3 do Cine UNA Belas Artes.



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