Rio de Janeiro – O ano de 2019 foi o último que contou com edição “normal” da Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Em 2021, o evento foi adaptado à pandemia de COVID-19, recebendo metade do público habitual. Aquela edição ficou marcada pela tentativa de censura do então prefeito carioca, Marcelo Crivella, à HQ “Os Vingadores, a cruzada das crianças”, do britânico Jim Cheung, cuja capa trazia dois garotos adolescentes se beijando.
“Livros assim precisam estar em plástico preto lacrado, avisando o conteúdo”, escreveu o então prefeito em suas redes sociais. “Pessoal, precisamos proteger as nossas crianças. Por isso, determinamos que os organizadores da Bienal recolhessem os livros com conteúdos impróprios para menores”, continuou.
A decisão arbitrária de Crivella não foi em frente. A organização da Bienal não acatou a censura, avisando que o evento é “festival plural, onde todos são bem-vindos e estão representados”.
Este ano, o evento foi declarado patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro durante a abertura de sua 40ª edição, na sexta-feira (1/9), no Riocentro, onde ficará em cartaz até o próximo dia 10.
De olho na inovação
“A gente está sempre inovando e isso tem trazido resultados. Afinal, foram 20 mil pessoas à nossa primeira edição, há 40 anos, realizada no Copacabana Palace. Hoje, ocupamos todo o Riocentro, esperando receber pelo menos 600 mil pessoas”, afirma Tatiana.
Para atender tanta gente, foram mobilizados cerca de 500 expositores (entre editoras e plataformas digitais, como Amazon Kindle e Tik Tok), além de 380 autores e personalidades que participarão de debates.
A diversidade se refletiu na solenidade de abertura. Subiram ao palco a escritora Thalita Rebouças, Pétala e Isa Souza – a Afrofuturas, dupla de influenciadoras literárias e apresentadoras –, o criador de conteúdo digital Fabão, o violoncelista Federico Puppi e a bateria da escola de samba Portela.
O Prêmio José Olympio foi entregue ao Programa Nacional do Livro Didático. A escritora mineira Ana Maria Gonçalves, autora do clássico “Um defeito de cor” (2006), ganhou homenagem. Este romance será tema do desfile da Portela no carnaval de 2024.
Quadrinhos e literatura
A mesa mais esperada recebeu o quadrinista Mauricio de Sousa, que recebeu pequena homenagem devido aos 60 anos da estreia da personagem Mônica, comemorados este mês.
A réplica em grandes dimensões do Sansão, o famoso coelhinho de pelúcia da dentuça mais querida do Brasil, recepciona o público na entrada do Riocentro. Crianças ganharam chapéu com orelhinhas de coelho.
Mauricio de Sousa defendeu que histórias em quadrinhos são, sim, literatura, e contou como Mônica surgiu. Falou sobre seu processo criativo e as características da HQ.
O primeiro dia da Bienal destacou também o “botequim literário” do escritor Luiz Antonio Simas, historiador, especialista em cultura afro-brasileira e compositor. Ele conversou, entre um copo e outro de chope, com os autores Marcelo Moutinho, Alberto Mussa e Bruna Beber.
Prêmio Amazon
Outro destaque foi o lançamento do Prêmio Amazon de Literatura Jovem. Realizado pela plataforma em parceria com a editora HarperCollins, contemplará jovens escritores que publicarem obras no Kindle.
O prazo de inscrições vai até 31 de dezembro, no site da Amazon. O vencedor receberá R$ 35 mil – desse total, R$ 10 mil em adiantamento de royalties da HarperCollins.
Os autores Ruy Castro, Thalita Rebouças, Mauricio de Sousa, Ana Maria Machado e Clara Alves lembraram episódios do evento marcantes para eles, na mesa “40 anos de Bienal: Uma celebração”.
“Nossa ideia foi pensar no agora, mas de olho no futuro”, diz Mateus Baldi, que divide a curadoria da Bienal com Clara Alves e Stephanie Borges. “Por isso, nos preocupamos em trazer autores consagrados, mas também novas apostas, pessoas que a gente queria que tivessem contato com o público”, emenda.
A lista de nomes que não chegam a ser associados diretamente à literatura reúne os artistas Vera Holtz, Claudia Abreu, Klara Castanho, Alice Braga, Daniel Rezende e Ingrid Guimarães.
No grupo dos escritores consagrados estão Carla Madeira, Valter Hugo Mãe, Conceição Evaristo, Lázaro Ramos, Mauricio de Sousa, Aílton Krenak, Ana Maria Machado, Eliane Brum e Itamar Vieira Jr, entre outros.
“Isca” pop
A estratégia parece clara: usar personalidades pop – do universo literário ou fora dele – para atrair público. No entanto, Tatiana Zaccaro garante que não é assim.
“Não vejo isso como estratégia. Muitas personalidades têm relação muito forte com o livro. Aí, elas acabam estando com a gente invariavelmente. Algumas dessas pessoas escreveram livros, outras são muito fãs desse universo e fazem questão de estar aqui”, afirma a diretora da GL Events Exhibitions, realizadora da Bienal.
“A gente trabalha com um grupo bem-selecionado de curadores, nossos superparceiros, para montarmos programação diversa, inclusiva, que aborde temas para todas as faixas etárias. Então, aqui tem coisa para quem gosta de poesia, de romance policial, de literatura young adult… Tem para todos os gostos”, destaca.
O curador Mateus Baldi observa que tudo foi pensado para que estejam representadas todas as faces do mercado editorial e da sociedade.
“Basta você andar no Riocentro para ver que as editoras estão contemplando o máximo de gostos e interesses. Vejo isso de maneira muito positiva. É uma alegria, realmente. Serão 10 dias de celebração do livro e de tudo em que a gente acredita”, conclui Baldi.
40ª BIENAL DO LIVRO DO RIO DE JANEIRO
Até 10 de setembro, no Riocentro (Avenida Salvador Allende, Barra da Tijuca), na capital fluminense. De segunda a sexta, das 9h às 21h; sábados e domingos, das 10h às 22h. No feriado de 7 de setembro, funcionará das 9h às 22h. A entrada custa R$ 39 (inteira) e R$ 19,50 (meia). Informações no site.
* O repórter viajou a convite da Amazon