A banda Del Rey

A banda Del Rey é um projeto paralelo nas carreiras de China (ao centro) e dos integrantes do Mombojó: Vicente Machado, Chiquitito Corazón, Felipe S e O Príncipe

Luiz da Fonte/Divulgação

O aniversário de uma amiga em um bar e muita cerveja. Dezenove anos atrás, no Recife, o cantor e compositor China e a banda Mombojó se uniram para uma noite de diversão. Se era uma festa que ia ter tanto amigos quanto família, por que não tocar Roberto Carlos? A noitada foi ótima e a dona do bar os convidou para continuar na semana seguinte. Não havia dinheiro envolvido. "Naquela altura, cerveja era um ótimo cachê", conta China.

Este foi o ponto de partida do Del Rey, banda que uniu os músicos pernambucanos em um projeto comum: fazer uma leitura pessoal não só de Roberto e Erasmo, mas de boa parte do repertório da Jovem Guarda. Na terceira semana naquele bar do Recife, não havia mais como caber tanta gente. Os músicos logo entenderam que a curtição poderia ser alguma coisa maior. Quase duas décadas se passaram desde então – e centenas de apresentações, de casamentos a casas de show.

Gravar, no entanto, nunca esteve nos planos. "O Del Rey sempre foi uma banda de diversão, de quando a gente não está nos trabalhos autorais", comenta China. Mas houve a pandemia, a ausência dos palcos e as muitas conversas a distância. Resolveram gravar, "para marcar um tempo na história". Disponível nas plataformas digitais, "O disco" reúne 10 faixas.

Surpresas, mesmo se tratando do Rei

A gente logo reconhece o repertório. É Roberto, claro. Mas tem uma pegadinha: em vez de gravar canções célebres da dupla dele com Erasmo, o Del Rey registrou composições de outros cantadas por ele na fase inicial da carreira.

Estão lá clássicos como "Negro gato" (Getúlio Côrtes), "Não vou ficar" (Tim Maia), "Não há dinheiro que pague" (Renato Barros). Também foram gravadas canções menos óbvias deste período, como "Seu eu pudesse voltar no tempo" (Luis Ismail e Pedro Paulo) e "Nada vai me convencer" (Paulo Cesar Barros). A única faixa de Roberto e Erasmo é a de abertura, a impagável "Ilegal, imoral ou engorda". 

China explica a ideia que norteou a seleção do repertório. "Todo mundo acha que grandes clássicos são do Roberto. A gente queria dar luz a compositores importantíssimos para a Jovem Guarda. Se você acompanhar a história da música brasileira, vai ver que existem vários discos-tributos. Por que não um do Del Rey?", diz. 

Como o grupo tem hoje um repertório de mais de 50 canções, o complicado mesmo foi escolher o que gravar. "Facilitou muito o ponto de corte de fazer só música de outros compositores. Mas como somos cinco na banda, houve alguma dor de cabeça", acrescenta China. O disco foi gravado por ele, Vicente Machado (bateria), Chiquitito Corazón (teclado), Felipe S e O Príncipe (guitarras) e o convidado Estevan Sinkovitz Neto (baixo).

A intenção não era inventar a roda nem tampouco fugir do que o público conhece do Del Rey. No meio de 2022, a banda foi para o sítio de China, no interior de São Paulo, e passou ali uma semana. As gravações, ao vivo, foram no estúdio caseiro que ele mantém no local. "É um disco que não tem retoque, pois a ideia era dar uma cara de ao vivo mesmo."

A referência que temos das gravações originais, de época, se fazem presentes. Mas o Del Rey deixa sua assinatura: "Nada vai me convencer" tem muito peso nas guitarras, "Negro gato" tem um andamento bem rápido, "Do outro lado da cidade" cria imagens sonoras a partir do órgão.
 
O registro das músicas é algo pontual na carreira do grupo. "Apesar de não ter vivido na época (da Jovem Guarda) são todas canções que batem muito forte no coração", afirma China, hoje com 43 anos.  

Fazer alguma coisa autoral como Del Rey não está nem nunca esteve nos planos. "Mombojó e eu temos uma história grande de composições, são mais de 30 músicas juntos, que foram para discos meus ou deles. Com o Del Rey não faria sentido, já que seria quase como competir conosco mesmo." 

Se nos primeiros anos o Del Rey era uma coisa para fazer no tempo livre, o crescimento da demanda de shows fez com que os músicos resolvessem arrumar a casa. "Hoje temos empresária cuidando da carreira, assessoria de imprensa. Levaram o Del Rey muito mais a sério do que a gente." Há shows para todo tipo de gosto: casamento, festa de 15 anos, lugares alternativos.

Em casamentos, China diz, os shows são mais longos. "Teoricamente, o jogo está ganho, pois ninguém está triste. A gente gosta de colocar familiares no palco, os padrinhos falam, quando percebo, são quase três horas de show."
 
Já nos shows com venda de ingressos é pelo menos uma hora e meia no palco. "Sempre nos divertimos muito, quando está perto de acabar sempre olho para o produtor para ver se a gente consegue tocar mais três ou quatro."

Agora, para os shows de lançamento do disco (China afirma que já há negociações para a banda vir a Belo Horizonte neste ano), as dores de cabeça já começaram. "Estava discutindo com o Chiquinho, que é o nosso maestro, o repertório. Estamos em 28 músicas, e o show tem que ter 20."

Conexão Recife-São Paulo

Quando o Del Rey começou, quase duas décadas atrás, todos moravam no Recife. Atualmente, metade está na capital pernambucana e a outra parte em São Paulo, como é o caso de China.
 
"A logística parece complicada, mas funciona. (A distância) Não é um motivo para a gente fazer menos shows. Aliás, é como se fosse um banco: a gente pega o cachê para pagar a nossa carreira autoral."

No início de 2022, ele lançou o EP "Carnaval da vingança", dedicado ao frevo. No final de 2023, pretende lançar uma continuação deste projeto, um novo EP, também de frevo, mas com formato de orquestra, com metais e percussão. Já o Mombojó lançou em maio "What will you grow now?", EP gravado com a francesa Laetitia Sadier, da banda Stereolab. 

Colecionador de vinis – são pelo menos mil exemplares em casa –, China sonha em ter uma edição de "O disco" em formato de LP. "Tenho muita vontade, mas estamos fazendo tudo por etapas. Primeiro, o disco; depois, os shows. Daí, quem sabe, o LP." Há um outro sonho, este mais difícil de ser concretizado.
 
Dos ídolos da Jovem Guarda, o Del Rey já se apresentou com Erasmo (1941-2022), Wanderléa, Rosemary, Vanusa (1947-2020). "Só falta o Roberto", finaliza China.

“O DISCO”

• Banda Del Rey
• Pedra Onze (10 faixas) 
• Disponível nas plataformas digitais