O trapper cearense Matuê

Matuê abriu o domingo do festival The Town, no último fim de semana, como uma das atrações nacionais do megaevento realizado em São Paulo

Photopremium/Folhapress

'Não é aquela coisa de inclusão do nordestino, a gente não quer mais isso. A gente quer ser o protagonista da nossa história, da nossa arte, de tudo'

Matuê, músico


Matuê está entre os artistas mais ouvidos do Brasil. Primeiro rapper brasileiro a atingir 3 bilhões de reproduções no Spotify, ele ocupou o primeiro lugar nos rankings da plataforma por quatro anos seguidos. Expoente do trap, Matuê fez um dos melhores shows do The Town, no último domingo (3/9), apesar dos 40 minutos de atraso e de cantar sob o sol escaldante da tarde, que provocou desmaios na plateia no Autódromo de Interlagos.

A valorização do Nordeste e o pioneirismo no trap nacional, subgênero do rap, são marcas registradas deste artista de 29 anos, que iniciou sua carreira em 2015. De acordo com ele, seu objetivo no The Town não se limitou a representar a região onde nasceu e mora. Matheus Brasileiro Aguiar quer fazer do nordestino a linha de frente da música do Brasil. “Algo que, de fato, tenha respeito artisticamente”, explica.

“Não é aquela coisa de inclusão do nordestino, a gente não quer mais isso. A gente quer ser o protagonista da nossa história, da nossa arte, de tudo”, avisa.

O pioneiro solitário

Nascido em Fortaleza, Matuê se dedicou ao trap quando o derivado do rap era pouco conhecido no país. Devido à forma como trabalhou e à necessidade do público de ouvir algo novo, o cearense caiu nas graças do público brasileiro.

“É interessante a forma como a gente trouxe essa valorização, falando de marketing, falando de lançamento, falando de videoclipes, falando até de mixagem e masterização”, comenta, orgulhoso de seu pioneirismo. “Hoje, ele (o trap) é supervalorizado, mas antigamente era um valor que eu tinha na minha cabeça”, diz

A estratégia de Matuê foi acreditar em si próprio, sem esperar que as pessoas reconhecessem de imediato o valor de seu trabalho. “Na época em que comecei a desenvolver a ideia de fazer este som, de trabalhar minha carreira como Matuê, mostrava o que queria fazer e a galera dava risada, porque realmente era uma caminhada muito distante, um lance meio inimaginável”, relembra.
 
 

O trap não foi mera aposta, mas uma espécie de “visão”, explica o cearense. “Engraçado, hoje em dia muitas pessoas com quem converso falam que sabiam que eu ia 'virar', que ia dar certo. Mas naquela época a minha ideia assustava as pessoas”, conta. “Sempre acreditei 100%, sempre tive certeza de que ia dar certo, porque confiava muito no meu trabalho e na visão do que eu queria fazer dentro do mercado.”

Resultado: Matuê “virou” – e continua “virando”. Em abril deste ano, lançou “Conexões de máfia”. A parceria com o americano Rich the Kid foi a quarta maior estreia do mundo no “Top song debut global” do Spotify. Na época, a novidade também chegou ao top 1 da plataforma no Brasil e em Portugal. 
 
Matuê fez show elogiado no Palco Sunset do Rock in Rio, em 2022

Matuê fez show elogiado no Palco Sunset do Rock in Rio, em 2022

Mauro Pimentel/AE/4/9/22
 

Novo álbum é quase 'segredo'

Participação celebrada em megaeventos que vão do Lollapalooza ao Rock in Rio, passando pelo The Town, Matuê diz que o momento, agora, é de pensar os próximos passos. O novo álbum já está no forno. Ele prefere não anunciar ainda quando “333 – Salve todos” será lançado.

O primeiro e único disco dele, “Máquina do tempo”, saiu em 2020, depois do sucesso do single “Anos luz” (2017). Os hits “Kenny G”, “Quer voar”, “Vampiro” e “M4”, entre outros, vieram na sequência. 

O selo 30praum, fundado por ele, já tem o próprio festival.

Matuê diz viver uma nova fase em 2023. “Minha meta mudou um pouco, ela se tornou meta criativa em vez de ser numérica. Tem mais a ver com o que vou entregar criativamente para as pessoas, musicalmente, conceitualmente. Tenho trabalhado o disco novo muito focado nisso”, afirma.

O trapper não pretende ser só mais um na cenal. “Queria abrir a mente das pessoas, musicalmente falando. Entregar algo que dê abertura para meus fãs, para outros artistas que me acompanham. Quero trazer algo que seja rico em texturas, cores, sons. Em tudo.”

O trapper planeja conquistar o mundo, mas em português. Apesar de parcerias recentes com estrangeiros, como o americano Rich The Kid, a ideia não é se encaixar no mercado internacional. O cearense quer trazer o público lá de fora para o Brasil. “Gosto muito mais da sensação de trazer as pessoas para o que é nosso, em vez da gente tentar se adaptar ao que é deles”, diz ele.

O rosto de Yves Saint Laurent

O mundo fashion, aliás, já “captou” a mensagem. Matuê é astro da campanha no Brasil de Y Eau de Parfum Intense, de Yves Saint Laurent Beauté. De acordo com a marca, ele “representa um homem que vibra com seu sucesso em uma longa jornada de esforços e convida o público a celebrar suas conquistas pessoais.”

Antes do álbum “333”, o trapper promete lNÇAR parceria com MC Ryan SP. “Não é nada tão grandioso quanto as coisas que estou trabalhando no meu disco, mas acho que pode ser uma surpresa inesperada”, adianta. “É música feita muito despretensiosamente. Às vezes é aí que está a magia.”
 
Nubia Brasileiro e Matuê

Núbia Brasileiro é o 'anjo da guarda' do neto Matuê

Reprodução

'Mergulhei nas coisas que ela criou, nos poemas, nos livros que ela escreveu (...) Entendi o Nordeste como protagonista'

Matuê, trapper, sobre o legado da avó, Núbia Brasileiro

 

Matuê tem uma guru “anjo da guarda”: a avó, Núbia Brasileiro. Escritora, advogada, pedagoga e musicista formada pela Universidade Estadual do Ceará, ela morreu há 16 anos, aos 67, depois de lutar contra o câncer de mama por mais de uma década. 

“À frente do seu tempo” e “orgulhosa de ser nordestina”, conforme o trapper, Núbia o criou. Mas não teve tempo para assistir a um show do neto.

No início da década de 2000, Matheus se mudou com os pais para os Estados Unidos, onde morou até os 11 anos. De volta ao Ceará, estudou em escola pública, trabalhou no comércio, deu aulas de inglês. E virou artista por causa de Núbia.

“Mergulhei nas coisas que ela criou, nos poemas, nos livros que ela escreveu”, conta, ao explicar por que homenageou a avó no palco do The Town. “Entendi o Nordeste como protagonista”, afirma, ao comentar a herança que recebeu. “Às vezes, (meu trabalho) é sobre dar um passo atrás e me conectar com as coisas dela, que até hoje são superfundamentais.”

Núbia é onipresente. “Eu a tenho como anjo da guarda mesmo, que olha por mim, acompanha tudo o que estou fazendo, apesar de nunca ter visto um show meu, nunca ter visto a coisa acontecendo. Ela foi a pessoa que colocou o primeiro instrumento na minha mão e me ensinou a primeira nota”, afirma Matuê. (Colaborou Ângela Faria)

O mineiro Sidoka

O mineiro Sidoka está entre os destaques do trap nacional

Instagram/reprodução

Ritmo americano conquistou o Brasil

Subgênero do rap que surgiu no Sul dos Estados Unidos na década de 2000, o trap se caracteriza por batidas lentas e pesadas, percussões eletrônicas e uso de auto-tune, efeito artificial de alteração da voz.

Quando o estilo migrou para o Brasil, por volta de 2014, foi alvo de chacota entre rappers. Quase 10 anos depois,  virou trilha sonora de novelas e ocupa os primeiros lugares nas paradas. 

Um de seus astros no Brasil é Veigh. Thiago Veigh, de 22 anos, bateu 10 milhões de ouvintes mensais na plataforma Spotify. Este ano, o trapper paulistano lançou o álbum “Dos Prédios Deluxe”  e obteve mais 6,5 milhões de acessos no streaming.

O trapper carioca Victor Hugo Oliveira do Nascimento, o MC Cabelinho, tem 29 anos e deu vida ao personagem MC Farula da novela “Amor de mãe” (Globo). Em 2021, ele lançou o álbum “Little hair”, cuja faixa “X1” bateu 414 milhões de reproduções. Em 2022, lançou “Little love”, com 5,4 milhões de reproduções no Spotify.

Cria do Aglomerado

O mineiro Nicolas Paolinelli Gino, o Sidoka, de 25 anos, foi criado no Aglomerado da Serra, em BH. Aos 18 anos, chegou às paradas e se tornou um dos nomes de destaque do trap brasileiro. Lançou os hits “Louis V, menina linda” (2021), com 159 milhões de reproduções, e “Não me sinto mal mais” (2019), com 170 milhões. Este ano, lançou dois álbuns: “Sensitivo” e “Sensitivo (Parte 2)”.

O carioca Lennon dos Santos Barbosa, o L7nnon, chamou a atenção em 2020,com o hit “Perdição”, com 389 milhões de reproduções no Spotify. Este ano, o single “Ai, preto” bateu 342 milhões de streams e ganhou dancinhas no Tiktok.

A paulista Luana Santos Oliveira, a MC Luanna, tem 28 anos, cerca de 2 milhões de ouvintes mensais no Spotify e se destacou com o single “Kit rosa” (2020). Suas letras falam do processo de amadurecimento e de jovens pretas e seus afetos.

Kayblack é o nome artístico do paulista Kaique Menezes, de 23 anos, com 10 milhões de ouvintes mensais no Spotify. Ele saiu dos bastidores da produção de MC Caverinha, seu irmão, e entrou no radar da cena trap com o single “Vestido da Fendi” (2021), que soma mais de 173 milhões de reproduções nas plataformas.
 
Este ano, Kayblack lançou o EP “Contradições”, emplacando sete faixas no Top 100 do Spotify Brasil. (Por Carolina Ramos, estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria)