Todo ser humano é um escritor em potencial, afinal, estamos o tempo todo criando narrativas sobre nós mesmos e sobre nossa vida. “O que é a análise no divã? É você recriar e recontar sua história para melhor compreender e se apropriar dela”, afirma a psicanalista Maria Lucia Homem. “Somos todos narradores. Portanto, somos todos escritores”, emenda.
É para abordar a interseção entre literatura e psicanálise que a edição especial do projeto Letra em Cena vai reunir, nesta terça-feira (12/9), no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas, a psicanalista paulistana e o escritor belo-horizontino Jacques Fux, que falarão sobre a relação dessas duas áreas. O projeto contará com leitura dramatizada de textos dos dois feita pelo ator Odilon Esteves.
Autor de, entre outros livros, "Nobel" (2018), "Herança" (2022) e "Nunca vou te perdoar por você ter me obrigado a te esquecer" (2023), cuja apresentação foi escrita por Maria Homem, Fux tem como uma de suas principais características abordar questões caras aos psicanalistas, como as relações entre pais e filhos, traumas transgeracionais, amor, desamor e erotismo.
“Herança”, por exemplo, deixa isso em evidência ao contar a história de três mulheres de uma mesma família, mas de diferentes gerações, que vivem uma situação mal resolvida com o passado.
A primeira, matriarca da família, viveu o Holocausto na Polônia, entre o final da década de 1930 e início de 1940. A filha dela, por sua vez, nasceu no Brasil, sabe que a mãe viu de perto a invasão nazista, mas respeita o luto da personagem, contentando-se em ficar alheia aos detalhes da tragédia. Já a neta da matriarca é uma acadêmica que empreende uma pesquisa histórica que mira o reencontro com o inconsciente coletivo da violência nazista.
Marcas da guerra
História, ficção, traumas e dilemas intrínsecos ao ser humano se entrelaçam na obra de Fux. E, no caso desse livro, o verdadeiro conflito ocorre pela negação da neta em seguir o silêncio da mãe e da avó, enterrando o passado e escondendo as cicatrizes.
Mais do que abordar temas familiares aos analistas, contudo, o autor transforma a escrita em uma forma de análise. Por ser de família imigrante judia, terceira geração afetada pelos acontecimentos da guerra, Fux tem certa semelhança com a personagem que criou em “Herança”.
Ao escrever o livro, ele partiu do inconsciente para criar um ambiente ficcional e metafórico no qual angústias - talvez as do próprio autor - são colocadas em evidência.
Mergulho no inconsciente
“Freud fala sobre isso também”, diz Fux. “Ele tem um texto importante no qual diz que o escritor, de alguma forma, acessa partes do inconsciente justamente na hora em que está escrevendo. Concordo com essa ideia. Acho que a literatura consegue penetrar e margear algumas partes desse inconsciente ou dessas ideias que podem ser pensadas também na psicanálise”, afirma o escritor.Ancorado nesse argumento, há quem defenda a produção artística como espécie de alternativa à psicanálise. O escritor angolano Valter Hugo Mãe já disse em mais de uma ocasião que nunca fez terapia, porque entregou sua vida “ao império da poesia”.
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Embora tentadora, a ideia de substituir a análise pela produção artística é perigosa, de acordo com Maria Homem. “Isso é muito debatido no meio”, diz ela. “Para uma análise funcionar, é necessário que exista um terceiro, porque o ego é muito ardiloso e a nossa consciência é limitada. A gente se engana facilmente, porque temos aquilo que Freud chama de mecanismos de defesa do ego”, explica.
“A literatura é incrível. O escritor, quando começa a escrever um texto, acaba se surpreendendo com os rumos que esse texto toma, acaba sendo como se fosse um processo analítico mesmo. Mas a gente também dá voltas e se engana. A gente não vê aquilo que dói, que é parte do sistema, que é a defesa. Então, acho que, no frigir dos ovos, a análise com o analista acaba sendo a coisa mais rápida e mais barata, embora seja longa e cara”, diz Maria Homem.
LETRA EM CENA ESPECIAL: LITERATURA E PSICANÁLISE
Bate-papo com Jacques Fux e Maria Homem. Leitura dramatizada feita por Odilon Esteves. Nesta terça-feira (12/9), às 20h, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Entrada franca, mediante retirada de ingressos no site Sympla. Mais informações: (31) 3516-1360.