Arte, tradição e cidadania se cruzam na exposição “Rendando histórias”, que será aberta nesta terça-feira (12/9), às 19h, na PQNA Galeria Pedro Moraleida, do Palácio das Artes. A mostra apresenta 20 obras produzidas pelas Rendeiras da Aldeia de Carapicuíba – um grupo de mulheres que, desde 2006, se encontram para reafirmar as tradições de um ofício que alcança, hoje, um resultado maduro, tanto sob a perspectiva dos trabalhos produzidos quanto do lugar simbólico dos resultados culturais.





Na coleção de obras, a tradicional técnica da renda renascença, desenvolvida no plano da bidimensionalidade, ganha um caráter tridimensional. As máscaras produzidas resultam do encontro entre as mãos das rendeiras e os personagens da brincadeira do Cavalo Marinho, oriunda da Zona da Mata de Pernambuco, trazida por migrantes para a cidade paulista de Carapicuíba no final da década de 1970 e início dos anos 1980.

A coleção “Rendando histórias” nasceu em 2021, quando a Oca Escola Cultural, instituição que abriga este e outros projetos similares, comemorou 25 anos. Uma das ações para marcar aquele momento foi a criação de uma coleção de máscaras, tecidas pelas rendeiras da Aldeia sob inspiração do tradicional folguedo pernambucano.

“Com esse projeto, a Oca Escola Cultural faz um trabalho muito importante, que é colocar as mulheres artesãs da Aldeia de Carapicuíba para trabalhar em coletivo. É uma iniciativa que tem relação com o fato de essas mulheres serem as provedoras das famílias, normalmente abandonadas pelos maridos, então tem aí um lugar de autocuidado, de saúde mental e também uma questão da cadeia produtiva da arte popular”, diz Uiara Azevedo, gerente de Artes Visuais da Fundação Clóvis Salgado.




 

Trabalho do coletivo de mulheres da Aldeia de Carapicuíba

(foto: Rinaldo Martinucci/ divulgação)
 

Ela explica que as rendeiras puderam aprimorar seu trabalho a partir do contato com o Festejo do Cavalo Marinho, na medida em que isso representou uma ampliação de seus repertórios criativos. “A gente tem em Minas Gerais uma tradição riquíssima em arte popular, mas é legal o público poder ver essa diferença entre o que se faz aqui e em outros lugares, com outros materiais”, diz, acrescentando que a arte popular deve ser entendida no contexto da arte contemporânea.

Bordadeiras do Curtume

O embrião dessa mostra remonta a 2019, quando a Fundação Clóvis Salgado promoveu a exposição “Narrativas femininas”, que aproximou o trabalho de artesãos e cooperativas de mulheres. “Foi quando conhecemos as Bordadeiras do Curtume, daqui de Minas. Conhecemos também outros projetos, como esse da Oca Escola Cultural. Como tínhamos feito a mostra das Bordadeiras do Curtume naquele ano, pensamos, agora, em mostrar o trabalho das Rendeiras da Aldeia”, diz Uiara.

Abrir esse espaço é uma forma de fazer com que essas mulheres se entendam como artistas e tenham seu trabalho valorizado, conforme aponta. Ela diz que isso engloba diversos aspectos além da produção em si, como estreitar a relação com outras instituições e promover a circulação. “Belo Horizonte faz parte de uma itinerância desse projeto que chegará até a Bélgica”, pontua.




 
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O que mais chama a sua atenção é o modo individualizado de criar as máscaras a partir de uma mesma técnica. “Cada artesã tem uma assinatura própria. São diversas mulheres produzindo sobre o mesmo tema, mas cada uma tem sua forma de fazer a renda, de interpretar o Cavalo Marinho, assim como no Vale do Jequitinhonha, onde algumas dominam a técnica das bonecas de barro e outras, que podem não dominar tanto, têm o seu modo particular, o seu estilo e sua interpretação na hora de criar”, diz.

Segundo ela, num projeto expográfico inédito, a PQNA Galeria passará a emular o festejo do Cavalo Marinho e da própria Aldeia de Carapicuíba. A configuração cromática das casas da comunidade, em tons de azul e branco, foi replicada no espaço de exposição. Do mesmo modo, assim como durante a festa as rendas são penduradas nas paredes das construções, as máscaras trazidas para a exposição ficarão presas aos quadros apenas pela parte superior, conferindo tridimensionalidade às peças.
 

Detalhe de peça de renda exposta na PQNA Galeria Pedro Moraleida do Palácio das Artes

(foto: Rinaldo Martinucci/ divulgação)

Aldeia: cânticos e poesia

“A PQNA Galeria vai virar uma reprodução dessa aldeia. Ela tem um projeto espacial definido, por sua própria natureza arquitetônica, mas agora vai sair desse lugar e se transformar nessa aldeia com o projeto expográfico de Alexandre Rousset”, destaca a gerente de Artes Visuais. Rousset também responde pela concepção cenográfica do curta-metragem “Rendando histórias”, que integra a mostra e traz as vivências das rendeiras da Aldeia, com seus cânticos, sua poesia e seu cotidiano.





Lucilene Silva, coordenadora da Oca, exalta o importante trabalho cultural e social feito na Aldeia de Carapicuíba: “A partir desta escuta, que transforma a história de vida dessas mulheres em uma forma de sobrevivência e de cultivo de uma tradição, o projeto também as fortalece; elas passam a acreditar mais em si mesmas, naquilo que elas trazem de mais precioso. Quando elas reconhecem o significado daquilo que é de cada uma e do conjunto, isso é de uma potência muito grande”.

Quem quiser conhecer mais sobre a tradicional renda renascença e o dia-a-dia das rendeiras da Aldeia poderá participar de algumas atividades conexas, que ocorrem nos primeiros dias da exposição. Hoje e amanhã, entre as 10h e as 13h, será realizada uma oficina sobre a técnica empregada, com sete rendeiras que estarão em Belo Horizonte especialmente para a mostra.

Os encontros acontecem no Café do Palácio das Artes. A oficina tem como objetivo compartilhar com os participantes a técnica da renda renascença, feita com agulha e almofada e muito difundida no Nordeste brasileiro. Será também compartilhado o histórico das rendeiras da Aldeia – mulheres que, além do cultivo, compartilhamento e produção da renda renascença, mantêm a tradição dos cantos de trabalho.





Ainda hoje, às 18h, pouco antes da abertura da exposição, ocorre um bate-papo com as rendeiras. A conversa será no Café do Palácio das Artes e terá a presença de Lucilene Silva e Viviane Foster, da Oca Escola Cultural, e de Alexandre Rousset. O encontro inclui também alguns dos cantos de trabalho, que as rendeiras da Aldeia entoam durante todo o processo de feitura da renda e que o torna mais leve e alegre.

“RENDANDO HISTÓRIAS”

• Abertura da exposição, nesta terça-feira (12/9), às 19h, na PQNA Galeria Pedro Moraleida, do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro. A mostra fica em cartaz até 12/11, com horário de visitação de terça a sábado, das 9h30 às 21h, e aos domingos, das 17h às 21h, com entrada franca.
 
• Oficina de renda renascença, nesta terça-feira (12/9) e quarta, das 10h às 13h, no Café do Palácio das Artes, com inscrições gratuitas pelo formulário no link https://forms.gle/pdrkhxPfVc2zEt5X8 (os 30 primeiros inscritos garantem as vagas).
 
• Bate-papo e cantos de trabalho com as rendeiras da Aldeia, hoje (12/9), às 18h, no Café do Palácio das Artes, com entrada franca.

 

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