quadro de renda renascença

Exemplo do trabalho das rendeiras da cidade paulista que ficará exposto em Belo Horizonte até novembro; galeria replicará ambiente da aldeia

Rinaldo Martinucci/ divulgação

Arte, tradição e cidadania se cruzam na exposição “Rendando histórias”, que será aberta nesta terça-feira (12/9), às 19h, na PQNA Galeria Pedro Moraleida, do Palácio das Artes. A mostra apresenta 20 obras produzidas pelas Rendeiras da Aldeia de Carapicuíba – um grupo de mulheres que, desde 2006, se encontram para reafirmar as tradições de um ofício que alcança, hoje, um resultado maduro, tanto sob a perspectiva dos trabalhos produzidos quanto do lugar simbólico dos resultados culturais.

Na coleção de obras, a tradicional técnica da renda renascença, desenvolvida no plano da bidimensionalidade, ganha um caráter tridimensional. As máscaras produzidas resultam do encontro entre as mãos das rendeiras e os personagens da brincadeira do Cavalo Marinho, oriunda da Zona da Mata de Pernambuco, trazida por migrantes para a cidade paulista de Carapicuíba no final da década de 1970 e início dos anos 1980.

A coleção “Rendando histórias” nasceu em 2021, quando a Oca Escola Cultural, instituição que abriga este e outros projetos similares, comemorou 25 anos. Uma das ações para marcar aquele momento foi a criação de uma coleção de máscaras, tecidas pelas rendeiras da Aldeia sob inspiração do tradicional folguedo pernambucano.

“Com esse projeto, a Oca Escola Cultural faz um trabalho muito importante, que é colocar as mulheres artesãs da Aldeia de Carapicuíba para trabalhar em coletivo. É uma iniciativa que tem relação com o fato de essas mulheres serem as provedoras das famílias, normalmente abandonadas pelos maridos, então tem aí um lugar de autocuidado, de saúde mental e também uma questão da cadeia produtiva da arte popular”, diz Uiara Azevedo, gerente de Artes Visuais da Fundação Clóvis Salgado.
 
Renda produzida por mulheres da Aldeia de Carapicuíba

Trabalho do coletivo de mulheres da Aldeia de Carapicuíba

Rinaldo Martinucci/ divulgação
 

Ela explica que as rendeiras puderam aprimorar seu trabalho a partir do contato com o Festejo do Cavalo Marinho, na medida em que isso representou uma ampliação de seus repertórios criativos. “A gente tem em Minas Gerais uma tradição riquíssima em arte popular, mas é legal o público poder ver essa diferença entre o que se faz aqui e em outros lugares, com outros materiais”, diz, acrescentando que a arte popular deve ser entendida no contexto da arte contemporânea.

Bordadeiras do Curtume

O embrião dessa mostra remonta a 2019, quando a Fundação Clóvis Salgado promoveu a exposição “Narrativas femininas”, que aproximou o trabalho de artesãos e cooperativas de mulheres. “Foi quando conhecemos as Bordadeiras do Curtume, daqui de Minas. Conhecemos também outros projetos, como esse da Oca Escola Cultural. Como tínhamos feito a mostra das Bordadeiras do Curtume naquele ano, pensamos, agora, em mostrar o trabalho das Rendeiras da Aldeia”, diz Uiara.

Abrir esse espaço é uma forma de fazer com que essas mulheres se entendam como artistas e tenham seu trabalho valorizado, conforme aponta. Ela diz que isso engloba diversos aspectos além da produção em si, como estreitar a relação com outras instituições e promover a circulação. “Belo Horizonte faz parte de uma itinerância desse projeto que chegará até a Bélgica”, pontua.
 
 
O que mais chama a sua atenção é o modo individualizado de criar as máscaras a partir de uma mesma técnica. “Cada artesã tem uma assinatura própria. São diversas mulheres produzindo sobre o mesmo tema, mas cada uma tem sua forma de fazer a renda, de interpretar o Cavalo Marinho, assim como no Vale do Jequitinhonha, onde algumas dominam a técnica das bonecas de barro e outras, que podem não dominar tanto, têm o seu modo particular, o seu estilo e sua interpretação na hora de criar”, diz.

Segundo ela, num projeto expográfico inédito, a PQNA Galeria passará a emular o festejo do Cavalo Marinho e da própria Aldeia de Carapicuíba. A configuração cromática das casas da comunidade, em tons de azul e branco, foi replicada no espaço de exposição. Do mesmo modo, assim como durante a festa as rendas são penduradas nas paredes das construções, as máscaras trazidas para a exposição ficarão presas aos quadros apenas pela parte superior, conferindo tridimensionalidade às peças.
 
Renda exposta na PQNA Galeria Pedro Moraleida do Palácio das Artes

Detalhe de peça de renda exposta na PQNA Galeria Pedro Moraleida do Palácio das Artes

Rinaldo Martinucci/ divulgação

Aldeia: cânticos e poesia

“A PQNA Galeria vai virar uma reprodução dessa aldeia. Ela tem um projeto espacial definido, por sua própria natureza arquitetônica, mas agora vai sair desse lugar e se transformar nessa aldeia com o projeto expográfico de Alexandre Rousset”, destaca a gerente de Artes Visuais. Rousset também responde pela concepção cenográfica do curta-metragem “Rendando histórias”, que integra a mostra e traz as vivências das rendeiras da Aldeia, com seus cânticos, sua poesia e seu cotidiano.

Lucilene Silva, coordenadora da Oca, exalta o importante trabalho cultural e social feito na Aldeia de Carapicuíba: “A partir desta escuta, que transforma a história de vida dessas mulheres em uma forma de sobrevivência e de cultivo de uma tradição, o projeto também as fortalece; elas passam a acreditar mais em si mesmas, naquilo que elas trazem de mais precioso. Quando elas reconhecem o significado daquilo que é de cada uma e do conjunto, isso é de uma potência muito grande”.

Quem quiser conhecer mais sobre a tradicional renda renascença e o dia-a-dia das rendeiras da Aldeia poderá participar de algumas atividades conexas, que ocorrem nos primeiros dias da exposição. Hoje e amanhã, entre as 10h e as 13h, será realizada uma oficina sobre a técnica empregada, com sete rendeiras que estarão em Belo Horizonte especialmente para a mostra.

Os encontros acontecem no Café do Palácio das Artes. A oficina tem como objetivo compartilhar com os participantes a técnica da renda renascença, feita com agulha e almofada e muito difundida no Nordeste brasileiro. Será também compartilhado o histórico das rendeiras da Aldeia – mulheres que, além do cultivo, compartilhamento e produção da renda renascença, mantêm a tradição dos cantos de trabalho.

Ainda hoje, às 18h, pouco antes da abertura da exposição, ocorre um bate-papo com as rendeiras. A conversa será no Café do Palácio das Artes e terá a presença de Lucilene Silva e Viviane Foster, da Oca Escola Cultural, e de Alexandre Rousset. O encontro inclui também alguns dos cantos de trabalho, que as rendeiras da Aldeia entoam durante todo o processo de feitura da renda e que o torna mais leve e alegre.

“RENDANDO HISTÓRIAS”

• Abertura da exposição, nesta terça-feira (12/9), às 19h, na PQNA Galeria Pedro Moraleida, do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro. A mostra fica em cartaz até 12/11, com horário de visitação de terça a sábado, das 9h30 às 21h, e aos domingos, das 17h às 21h, com entrada franca.
 
• Oficina de renda renascença, nesta terça-feira (12/9) e quarta, das 10h às 13h, no Café do Palácio das Artes, com inscrições gratuitas pelo formulário no link https://forms.gle/pdrkhxPfVc2zEt5X8 (os 30 primeiros inscritos garantem as vagas).
 
• Bate-papo e cantos de trabalho com as rendeiras da Aldeia, hoje (12/9), às 18h, no Café do Palácio das Artes, com entrada franca.