Não é à toa que o Halloween é cenário frequente para o cinema. Se por um lado suas celebrações são divertidas e visualmente estimulantes, por outro conferem um ar de mistério conveniente para Hollywood. E é se apropriando desses dois lados da festa que “A noite das bruxas” chega agora aos cinemas, dando frescor e, ao mesmo tempo, se mantendo fiel às aventuras de Hercule Poirot, o detetive criado por Agatha Christie.
No terceiro filme do que cada vez mais toma forma de franquia pelas mãos da Disney, o diretor Kenneth Branagh, também intérprete do icônico detetive bigodudo belga, resolveu adaptar “Hallowe'en party', livro publicado pela romancista britânica em 1969. Com liberdade poética, diga-se de passagem.
Basta ver os trailers do longa para notar que o tom policialesco adotado pela autora em seus livros deu espaço, nesta adaptação, para o terror. “A noite das bruxas” é sombrio, brinca com o sobrenatural e tem sua parcela de sustos.
Susto nos herdeiros
A ideia de se afastar das páginas e da estrutura de “whodunit” clássico, isto é, das tramas que giram em torno de um assassinato que precisa ser solucionado, como são os outros capítulos literários de Hercule Poirot, assustou o espólio de Christie, mas também atiçou sua curiosidade.
“Estava sempre preocupado. Quando Michael (Green, o roteirista) me explicou sua ideia para o filme, tive que simplesmente confiar em sua visão. Fiquei nervoso em vários momentos, mas no fim temos um terror, um suspense e também um mistério em torno de um assassinato, tudo junto”, diz James Prichard, um dos produtores da franquia e bisneto de Agatha Christie, hoje responsável por sua obra.
Eles e Branagh já haviam trabalhado juntos em “Morte no Nilo” (2022) e “Assassinato no Expresso do Oriente” (2017), os capítulos anteriores da saga cinematográfica, mais fiéis às páginas, e também mais espalhafatosos e aventurescos. Mas se neles Poirot parecia inabalável, em “A noite das bruxas” ele está vacilante.
Ao longo da trama, ele deixa o espectador duvidar de sua capacidade de lidar com o caso de assassinato mais recente. E, mais importante, incerto quanto à natureza sobrenatural da história, que gira em torno da vidente que promete se comunicar com o espírito da jovem que teria se atirado do balcão de um palacete de Veneza.
Caduquice ou assombração?
Seriam as vozes e imagens ouvidas e vistas pelo detetive fruto da mente menos afiada, fragilizada, de um personagem que, no início do filme, estava aposentado? Ou seriam, de fato, provas de que espíritos rondam sua nova cena do crime?
“A noite das bruxas” se equilibra sobre a crença, ou descrença, do espectador e de seus personagens no sobrenatural. Um homem cético, pragmático e capaz de encontrar uma explicação lógica para qualquer artimanha que mascara os homicídios que investiga, Poirot se recusa a crer no plano espiritual que engole a trama.
Olha, com cautela, para todos os suspeitos, mais uma vez encarnados por um elenco estrelado, como nos dois longas anteriores. Michelle Yeoh, vinda da vitória no Oscar de melhor atriz, dá vida à vidente senhora Reynolds. Kelly Reilly é Rowena Drake, dona do palacete e mãe da garota.
Jamie Dornan interpreta o médico da família, atormentado pelos horrores que viu na Segunda Guerra. Jude Hill, seu filho assustadoramente precoce e sagaz. E Tina Fey é a escritora policial Ariadne Oliver, responsável por tirar Poirot da aposentadoria e dar início à trama. Junte à mistura uma governanta ultrarreligiosa, dois imigrantes ilegais, um guarda-costas brutamontes e o bonitão que quebrou o coração da jovem.
Para Prichard, o produtor, o trunfo do filme é justamente a distância que toma da obra de Agatha Christie. Seu Hercule Poirot, afinal, aparecia a cada livro para investigar um assassinato. Depois ia embora, sem grande envolvimento. Agora, Kenneth Branagh se aprofunda no personagem a cada capítulo da franquia, fazendo seu arco pessoal progredir.
“Mas o apelo mesmo desta história é o talento da minha bisavó. Ela tinha a habilidade de imaginar tramas inigualáveis, e boas tramas não envelhecem, não cansam, funcionam bem em qualquer idioma. Esse era seu gênio, e é o que nos permite continuar adaptando suas histórias.”
“A NOITE DAS BRUXAS”
EUA/Reino Unido/Itália, 2023. Direção: Kenneth Branagh. Com Kenneth Branagh, Michelle Yeoh e Tina Fey. Estreia nesta quinta-feira (14/9) em salas das redes Cinemark e Cineart.