Marcos Abranches é o  único coreógrafo brasileiro com paralisia cerebral autor de estudo sobre dança contemporânea

Marcos Abranches é o único coreógrafo brasileiro com paralisia cerebral autor de estudo sobre dança contemporânea

Cauê Angeli/divulgação

Portador de coreoatetose, deficiência física rara decorrente de lesão cerebral, o dançarino Marcos Abranches é uma das atrações do Festival Acessa BH, projeto multicultural com foco em acessibilidade que começa nesta quinta-feira (14/9), na capital mineira. O artista paulistano vai apresentar o solo “Canto dos malditos”.

 

“Desde a gravidez da minha mãe, eu já era artista, mas só descobri esse meu lado com 17 anos, na plateia. Assistia a muitos espetáculos de dança com um grande amigo, que trabalhava em um balé”, relembra o Marcos, de 46 anos.

 
Coreoatetose não é doença. Trata-se do estado patológico que não afeta a inteligência do indivíduo, manifestando-se a partir de movimentos involuntários, intermitentes e irregulares da face e dos membros. Essa condição não impediu Abranches de se expressar por meio de seu corpo.

 

Renata Mara e Samuel Samways no espetáculo 'Migrantes de si'

Renata Mara e Samuel Samways em 'Migrantes de si', atração do dia 24/9, na Funarte MG

Acessa BH/divulgação
 

 

Pela terceira vez, Belo Horizonte recebe o festival, cuja programação vai até 30 de setembro, reunindo 30 artistas de várias partes do país. Peças, espetáculos de dança, contação de histórias, filmes, lançamentos de livros, rodas de conversa e oficinas fazem parte da programação, com entrada franca.

 

As apresentações contarão com legendas, intérpretes de libras, audiodescrição e acessibilidade física.

Nos palcos de Seul

 Marcos Abranches vai abrir o festival hoje à noite, no Galpão 1 da Funarte. “Canto dos malditos” é inédito em BH. Há duas semanas, ele levou estse trabalho a Seul, capital da Coreia do Sul.

 

A produção da Abranches e Companhia tem roteiro baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno (1957-2008), no qual narra sua trajetória sofrida por hospícios de Curitiba e do Rio de Janeiro.

 

“Meu trabalho é inspirado na obra escrita por um grande amigo pessoal, o Carrano. Quando jovem, a família o encontrou fumando maconha e decidiu colocá-lo no manicômio. Naquela época, as condições eram muito severas, havia até mesmo eletrochoque. Ele ficou lá por seis anos”, conta Marcos.

 

'O Subnormal uma história de baixa visão', de Cleber Tolini, estará em cartaz sábado, no Teatro João Ceschiatti

"O Subnormal - uma história de baixa visão", de Cleber Tolini, estará em cartaz sábado (16/9), no Teatro João Ceschiatti

Eduardo Petrini/divulgação
 

 

A história de Carrano deu origem ao premiado filme “Bicho de sete cabeças”, dirigido por Laís Bodanzky e protagonizado por Rodrigo Santoro. “Foi sucesso no Brasil e no mundo. Decidi fazer esse trabalho em homenagem ao meu amigo”, afirma o bailarino.

 

O solo de Marcos emocionou Carrano, que chegou a acompanhar o processo de criação da versão coreográfica de “Canto dos malditos”. “Ele chorava incansavelmente”, afirma Elder Fraga, sócio de Marcos.

 

O bailarino usa a própria deficiência como estudo para construir sua linguagem artística corporal. Abranches é o único coreógrafo brasileiro com paralisia cerebral a propor um estudo sobre dança contemporânea.

 

“Acho que transmito a evolução no sentido de falar sobre acessibilidade e diferença. É mudança de pensamento, um novo olhar. No Brasil, 20% de nossa população têm algum tipo de diferença. Então eu, como artista, procuro transmitir essa evolução”, afirma Marcos.

 

Ele iniciou sua carreira trabalhando com Sandro Borelli, coreógrafo e professor da Companhia Carne Agonizante. “Meu primeiro espetáculo, ‘Senhor dos anjos’, baseava-se na obra do poeta Augusto dos Anjos”, relembra.

 

'Acho que transmito a evolução no sentido de falar sobre acessibilidade e diferença. É mudança de pensamento, um novo olhar'

Marcos Abranches, bailarino

 

 

Abranches apresentou também “Jardim de Tântalo” e “Metamorfose”, baseado no clássico de Franz Kafka, dirigidos e coreografados por Sandro Borelli e Sônia Soares. Foi premiado no Brasil e no exterior.

 

Além de se apresentar, o bailarino e coreógrafo vai ministrar a oficina “Dança para todos os corpos”, nesta sexta-feira (15/9), das 14h às 17h. Ele também protagoniza o filme “O artista e a força do pensamento”, de Elder Fraga, que será exibido na quinta-feira (28/9).

 

Bailarina da companhia mineira Kinesis apresenta 'Tecituras em dança'

Amanhã (15/9), a companhia mineira Kinesis apresenta 'Tecituras em dança'

Gilberto Goulart
 

 

Entre os mineiros que participam do Acessa BH está o grupo belo-horizontino Kinesis. Nesta sexta-feira (15/9), às 20h, ele apresenta o espetáculo “Tecituras em dança”, no Teatro João Ceschiatti do Palácio das Artes.

 

A companhia foi criada a partir do encontro das artistas Fernanda Maciel, Grazielle Mendes e Hortência Maia com a diretora Renatha Maia.

 

“Decidimos fazer um espetáculo, conversamos e as bailarinas disseram que queriam trabalhar com algo que dialogasse com questões do feminino. Assim, chegamos à pergunta: ‘o que nos falta?’. Cada uma criou o texto com suas particularidades”, conta Renatha.

 

Dores particulares se tornaram coletivas em “Tecituras em dança”, cujos movimentos denunciam  pressões sociais ligadas à infertilidade, ao capacitismo e à falta de tempo, entre outras pressões enfrentadas pela mulher.

 

As coreografias expressam vivências de pessoas com deficiência na sociedade capacitista, que não as enxergam além das muletas – utilizadas pela dançarina Fernanda Maciel tanto no palco quanto na vida.

 

“Fernanda, nossa bailarina com deficiência, chegou à escola em 2019. Logo abordou a questão do capacitismo e da acessibilidade. Por meio dela, conheci o Acessa BH”, conta a coreógrafa.

 

“O festival provoca a sociedade a repensar o local de invisibilidade em que ela coloca pessoas com deficiência e, principalmente, artistas. Onde estão esses artistas? Eles existem? Por que a gente não os conhece?”, questiona Renatha.

 

• Leia também: Filme 'Campeões' destaca o potencial de pessoas com deficiência intelectual

 

A ideia do Acessa BH surgiu em 2016, mas se concretizou em 2020. A produtora cultural Laís Vitral, criadora e curadora do projeto, fez uma viagem que lhe despertou a atenção para o fato de BH carecer de projetos artísticos com acessibilidade.

 

“A primeira vez em que assisti a um espetáculo com libras e audiodescrição, em 2016, em Pernambuco, falei: ‘Uai, gente, não temos isso em BH’. Depois descobri que parte significativa da nossa população é composta por pessoas com deficiência. Decidi, então, criar um evento que viabilizasse as artes dessas pessoas e trouxesse acessibilidade ao público”, conta Laís.

 

Em 2022, o IBGE registrou 18,6 milhões de pessoas com deficiência no país. Durante a pandemia, o festival promoveu edições nos formatos on-line e híbrido. Este ano, o eventol será totalmente presencial.

 

Cena do filme  'Possa poder', de Victor di Marco e Márcio Picoli

Cena do filme "Possa poder", de Victor di Marco e Márcio Picoli

Victor di Marco/divulgação
 

 

Pela primeira vez, haverá programação audiovisual. Serão exibidos quatro curtas e um longa – “O que pode um corpo?” e “Possa poder”, de Victor di Marco e Márcio Picoli; “Partindo do princípio que a Terra é plana, sou toda curva e desvio”, de Jéssica Teixeira; e “Big Bang”, de Carlos Segundo.

 

A agenda traz espetáculos inéditos a Belo Horizonte “O Subnormal – uma história de baixa visão”, criado por Cleber Tolini; “Corpo celeste”, assinado por Giovanni Venturini; “Adaptat”, idealizado por Lívea Castro e Nó Movimento em Rede; “Terra raiz”, de Sara Marchezini e Renata Mara; “O menino do olho que vê”, de Dudu Melo; “A óperária”, dos mineiros Brisa Marques e Samuel Samways; “Migrantes de si”, de Renata Mara e Samuel Samways; e “Lunáticas”, do grupo Sapos e Afogados.

 

ESPETÁCULOS

Hoje (14/9)

• 19h: Abertura oficial e apresentação de “Canto dos malditos”, de Marcos Abranches (SP). Galpão 1 da Funarte

Sexta (15/9)

• 20h: “Tecituras em dança”, da Cia. Kinesis de Dança (MG). Teatro João Ceschiatti

Sábado (16/9)

• 14h: Leitura do livro “DoroTEA, a peixinha autista” e roda de conversa sobre autismo e inclusão, de Bruno Grossi e Daniele Muffato (MG). Memorial Minas Gerais Vale

• 20h: “O subnormal – uma história de baixa visão”, de Cleber Tolini (SP). Teatro João Ceschiatti

Domingo (17/9)

• 19h: “Terra raiz”, de Renata Mara e Sara Marchezini (MG). Teatro João Ceschiatti

Terça (19/9)

• 20h: “E.L.A”, de Jéssica Teixeira (CE). Centro Cultural Unimed-BH Minas

Dia 21/9

• 20h: “Corpo celeste”, de Giovanni Venturini (SP). Galpão 3 da Funarte

Dia 22/9

• 16h: “Adaptat”, de Lívea Castro e Nó Movimento em Rede (PR). Jardins do Palácio da Liberdade

•  20h: “O jogo”, de Guilherme Théo e Oscar Capucho (MG). Teatro João Ceschiatti

Dia 23/9

• 17h15: “A operária”, de Brisa Marques, Samuel Samways, Carô Rennó, Jefferson Assis e Rafael Pimenta (MG). Cine Humberto Mauro

»  20h: “O menino do olho que vê”, de Pigmentar Companhia (MG). Teatro João Ceschiatti

Dia 24/9

• 19h: “Migrantes de si”, de Renata Mara e Samuel Samways (MG). Galpões 2 e 3 da Funarte MG

Dia 28/9

• 20h: “Lunáticas”, de Sapos e Afogados (MG). Galpão 1 da Funarte

Dia 30/9

• 11h e 16h: “Andanças urbanas”, da Cia Ananda (MG). Jardins do Palácio da Liberdade

 

Endereços

Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Funcionários). Cine Humberto Mauro e Teatro João Ceschiatti (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Funarte MG (Rua Januária, 68, Centro). Memorial Minas Gerais Vale e Palácio da Liberdade (Praça da Liberdade, Funcionários). Entrada franca. Programação completa: www.acessabh.com.br

 

* Estagiária sob supervisão da editora-assistente  Ângela Faria