O amor é assunto complicado. Em “História de dois amores”, por exemplo, os amores do título poderiam muito bem ser três... ou quatro. No livro infantil escrito por Carlos Drummond de Andrade e ilustrado por Ziraldo, que a Record acaba de reeditar, há os romances do casal de elefantes Osbó e Zanzul e do casal de pulgas Pul e Quéria.
Antes de Zanzul entrar na história, contudo, Pul, o pulgo, instala-se sem ser convidado na orelha direita de Osbó e, a partir da convivência, os dois desenvolvem um amor amigo, daqueles que sobrevivem a tempos de guerra e tempos de paz.
Antes ainda, Osbó cultiva uma camaradagem de longa data com o colega elefante Cacundê, cuja tromba amiga está sempre disponível para ajudá-lo nas dificuldades como líder de sua manada. Bom conselheiro, Cacundê é quem dá o empurrãozinho que faz Osbó propor a Zanzul aceitar a sua “alma pura para fazer companhia” à dela.
As distintas formas que o amor assume são um dos temas do livro originalmente lançado em 1985, dois anos antes, portanto, da morte do poeta itabirano, aos 84.
“Creio que esse livro, para além da história desses amores que aparecem no final, é uma celebração da amizade e também da solidariedade, porque é uma amizade (entre Osbó e Pul) baseada na relação solidária, um tenta defender o outro e até aprende o idioma; há um intercâmbio”, afirma o poeta, crítico e grande conhecedor da obra drummondiana Antônio Carlos Secchin.
Pul aprende o barrito, a língua dos elefantes, e Osbó, por sua vez, aceita ter aulas de pulgol, embora faça o impaciente amigo/professor Pul lembrar-se de que seu Q.I não é do tamanho de seu corpo.
Quanto ao modo de contá-la, Antônio Carlos Secchin observa que “História de dois amores” tem a peculiaridade de Drummond “escrever diretamente para criança, numa forma menos convencional nele, que é a prosa. Em prosa ele escreveu muita crônica, mas narrativas são mais escassas”.
Chamam a atenção do poeta e crítico ainda “as magníficas” ilustrações de Ziraldo, que são “de de uma criatividade diferente no diálogo com o texto”, no que diz respeito à angulação dos desenhos e à decisão de não representar um dos personagens principais.
“É curioso que se fala de um elefante com um pulgo que nunca aparece. E é interessante porque, embora ele não apareça, se você examinar bem o ângulo das imagens, é como se fosse o leitor e o pulgo juntos. O pulgo e o leitor acabam tendo uma certa cumplicidade”, afirma.
“É curioso que se fala de um elefante com um pulgo que nunca aparece. E é interessante porque, embora ele não apareça, se você examinar bem o ângulo das imagens, é como se fosse o leitor e o pulgo juntos. O pulgo e o leitor acabam tendo uma certa cumplicidade”, afirma.
Rodrigo Lacerda, editor de projetos especiais da Record, conta que nesta nova edição da obra foram incorporados desenhos e raffs de Ziraldo que haviam ficado inéditos. O material foi localizado em parceria com o Instituto Ziraldo.
Para Lacerda, além dos temas da amizade e do amor, o livro de Drummond e Ziraldo lançado originalmente no período final da ditadura militar (1964-1985) inclui ainda um eixo político, presente no fato de Osbó ser um líder da manada que sofre uma tentativa de deposição comandada por um elefante amotinado dado a pensar que nasceu “com vocação para ser chefe”.
Entre conflitos da amizade e turbulências da política, Osbó aprende sobretudo uma lição que o poeta enunciou em outra parte de sua obra: amar se aprende amando.
“HISTÓRIA DE DOIS AMORES”
Carlos Drummond de Andrade
Ilustrações: Ziraldo
Editora Record (19ª edição)
64 páginas
R$ 64,90