Ela foi a segunda pessoa a se inscrever na disputa pela cadeira número 5 da ABL (Academia Brasileira de Letras), vaga desde o último dia 13 de agosto, quando seu ocupante, o historiador e cientista político mineiro José Murilo de Carvalho morreu, aos 83 anos, vítima de complicações da COVID-19.
A escritora Mary Del Priore, de 71 anos, é também historiadora, mas de um quadrante diferente daquele que Murilo de Carvalho ocupou na vida intelectual brasileira. Afiliada ao grupo dos divulgadores da história para um público amplo, Mary Del Priore é autora da coleção “Histórias da gente brasileira” e de diversas outras obras, entre as quais as mais recentes são “A viajante inglesa” e “Tarsila”.
A escritora afirma que o projeto constrói há anos é o de “dar espaço e visibilidade à história do Brasil. Não a história acadêmica, de especialistas. Mas a ‘história para todos’: sem complicações conceituais e vocabulares, discutindo as relações entre literatura e história”.
O primeiro a se candidatar à cadeira número 5 foi o escritor e líder da causa indígena mineiro Ailton Krenak (“Ideias para adiar o fim do mundo”), de 69 anos. Neste 2023, Krenak ingressou na Academia Mineira de Letras, num movimento que foi interpretado como de renovação e arejamento da instituição, ao se abrir ao reconhecimento da contribuição dos povos indígenas para a língua e a cultura nacionais.
É um gesto que Krenak almeja obter também da ABL. E ele não está sozinho. O escritor e professor Daniel Munduruku (“O Karaíba - Uma história do pré-Brasil”), de 59 anos, cuja etnia indígena está expressa em seu sobrenome, foi o sétimo a apresentar sua candidatura. É a segunda vez que Munduruku concorre. No ano passado, ele participou da disputa vencida pelo médico Paulo Niemeyer Filho.
O prazo de inscrições se encerrou no último dia 12, com 15 nomes em disputa. A eleição está prevista para o próximo dia 5 de outubro. E promete ser histórica.
ENTREVISTA/ MARY DEL PRIORE
PALCO PARA A HISTÓRIA
Candidata à cadeira número 5 da Academia Brasileira de Letras, a escritora e historiadora Mary Del Priore explica na entrevista a seguir as razões que guiaram sua decisão de participar da disputa, comenta a obra de José Murilo de Carvalho e a candidatura de Ailton Krenak.
Por que você decidiu se candidatar à Academia Brasileira de Letras?
Três coisas: oportunidade, ou seja, a vaga de um historiador; a necessidade de mais mulheres na ABL e o mais importante: levar um projeto para a casa. E esse projeto tem a ver com o que venho construindo há anos, que é o de dar espaço e visibilidade à história do Brasil. Não a história acadêmica, de especialistas. Mas a “história para todos”: sem complicações conceituais e vocabulares, discutindo as relações entre literatura e história; oferecendo espaço para colegas e escritores de ficção histórica se expressarem; abordando as relações entre o ensino de história e a internet; enfim, chamando o máximo de historiadores para ocupar a vaga comigo. Apesar da excelente produção que é feita nas faculdades, o trabalho da imensa maioria não atinge o público. Os nossos patrícios não estão nem aí para a história e apenas as efemérides os lembram que é preciso conhecer minimamente o passado. Num momento em que a história está tão “uberizada” por conta de fake-news, da falta de inserção de historiadores na vida profissional, e pior, da falta de interesse da própria população, a ABL seria um palco e tanto para mostrar que a história está em tudo e que ela pode ser lida com prazer. Enfim, para lembrar que ela é um caminho fascinante de autoconhecimento e cidadania.
O que a obra de José Murilo representa para você?
Ele foi um dos mais importantes pensadores e intérpretes do Segundo Império e nos ajudou a refletir sobre temas de história política e sobre a questão da desigualdade no Brasil de hoje. Suas biografias são deliciosas de ler, pois escrevia muito bem. Embora não gostasse do meu estilo “história para todos”, insistiu para que eu disputasse uma vaga na UFRJ e sempre foi de extrema gentileza no convívio. Um sábio e um gentleman.
Como avalia o fato de Ailton Krenak ter posicionado sua candidatura como sendo a oportunidade para a ABL fazer uma espécie de reparação histórica aos povos indígenas?
Revela que, a despeito de todas as dificuldades passadas, os povos originários vêm produzindo literatura de qualidade e que seus representantes têm o desejo e o projeto de participar da vida intelectual do país. Krenak não está só. Daniel Munduruku, que foi pioneiro no gênero e tem belíssimos livros infantojuvenis, está participando do pleito. E Márcia Kambeba, que conheci recentemente no Fliaraxá, poderia ter se inscrito. É mulher, é escritora e é índia.
No caso de uma vitória sua nessa disputa, que tipo de "recado" acha que a ABL enviaria com essa decisão ao ambiente das letras no Brasil e à sociedade de forma geral?
O recado é simples: valorizar a história, dar espaço para um historiador trabalhar e representar uma casa de peso nacional é valorizar o direito de todos a ter um passado, de pertencer a uma comunidade em transformação, de ter consciência de nosso lugar no tempo e de nossas possibilidades de agir aqui e agora. Historiadores gostam de dar um sentido à desordem do mundo e gostam de fazer sonhar, experimentar e emocionar. São ótima companhia, posso garantir.
Se você passar a integrar a ABL, gostaria de se sentar ao lado de quem na hora do chá?
Na hora do chá, aproveitaria para cumprimentar os presentes, mas iria correndo para o arquivo da ABL. Lá está o material que fala ao coração dos historiadores. Lá estão os imortais que fizeram história e que, em todos os sentidos, devem ter as suas pequenas e grandes histórias contadas.
CADEIRA NÚMERO 5
Confira os nomes que disputam a eleição na ABL (por ordem de inscrição)
• Ailton Krenak
• Mary Del Priore
• Raquel Naveira
• Antônio Hélio da Silva
• J. M. Monteirás
• Chirles Oliveira Santos
• Daniel Munduruku
• José Cesar Castro Alves Ferreira
• Gabriel Nascentes
• Ney Robinson Suassuna
• Denilson Marques da Silva
• José Ricardo dos Santos Rodrigues
• Martinho Ramalho de Melo
• Luiz Coronel
• Maria Madalena Eleutério de Barros Lima
Fonte: ABL