A música era dele, mas o disco era dela. E quase não foi. O documentário “Elis & Tom - Só tinha de ser com você”, que estreia nesta quinta-feira (21/9) nos cinemas, descortina os bastidores do álbum clássico, gravado em Los Angeles, em 1974, numa atmosfera de guerra velada entre dois artistas que reconheciam a grandeza um do outro, mas não conseguiam se entender.
A certa altura das gravações, a situação ficou tão tensa que Elis desistiu. Num telefonema noturno para o seu empresário no Brasil (e autor da ideia do disco reunindo a cantora e o maestro), Roberto de Oliveira, ela anunciou que voltaria ao país.
Roberto de Oliveira pegou o próximo avião para Los Angeles. Contornou a situação e salvou “Elis & Tom” de ser “o maior álbum de todos os tempos jamais feito”, conforme diz no filme João Marcelo Bôscoli, o primogênito da cantora.
Quem conta a história da quase desistência de Elis é o próprio Oliveira, que divide a direção do documentário com Jom Tob Azulay, à época das gravações um diplomata do Itamaraty servindo em Los Angeles e também estudante de cinema na UCLA. Foi Azulay quem reuniu a equipe que registrou o dia a dia da gravação do disco.
Estavam com Roberto de Oliveira esses arquivos, que incluem imagens do convívio de Elis, Tom e os músicos que a acompanharam, no estúdio e fora dele, em situações descontraídas.
Tom, 'atirador' de facas
Destaca-se a participação do pianista e então marido da cantora, César Camargo Mariano. Ao saber que aquele jovem seria o arranjador de suas músicas, Tom o tratou com desdém. Os comentários ácidos do maestro eram como “facas entrando no peito” de Mariano, conforme ele afirma no filme.
Mas não foi somente a Mariano que Tom dirigiu suas ressalvas. “Quando soube que viria uma guitarra, eu quis parar o avião”, confessou o compositor a Hélio Delmiro, ninguém menos que o guitarrista que foi com Elis até Los Angeles. A confissão foi feita num momento em que as desconfianças já estavam superadas.
O baterista Paulo Braga talvez tenha sido o que, mineiramente, mais bem conseguiu reverter em camaradagem o comportamento inicialmente refratário de Tom. Encerrou as gravações com a avaliação do maestro de que “Paulo Braga eleva a bateria à condição de instrumento musical”.
Eis aqui a razão dos desentendimentos entre Tom e Elis. Não se tratava de implicâncias, mas de tendências divergentes quanto aos caminhos musicais. Beth Jobim, a filha de Tom que tinha 16 anos na época das gravações, cita o embate entre o estilo “minimalista” do pai, que afirmava usar “muito mais a borracha do que o lápis” ao compor, e a “exuberância” (adjetivo de Nelson Motta) de Elis, para quem “a Bossa Nova era música para quem não sabe cantar” (novamente Motta, dizendo que isso ela nunca disse, mas era o que pensava).
À parte o mosaico de depoimentos de participantes diretos e indiretos (incluindo críticos) que reconstrói o que foi aquele encontro entre “Elis & Tom”, o filme recua alguns anos antes de 1974, para mostrar a construção das carreiras de ambos.
Isso porque André Midani (1932-2019), executivo da Polygram que decidiu produzir o disco como um presente a Elis por seus 10 anos na gravadora, afirma no documentário que houve “um antes e um depois” daquele disco. O documentário procura mostrar o “antes”.
No “durante”, as imagens de arquivo proporcionam ao espectador a chance de ver e ouvir a cantora e o maestro interpretando juntos alguns de seus maiores sucessos. E aí “é a promessa de vida no teu coração”.
Filme terá 'filhotes'
Um livro e uma exposição imersiva em que o áudio é o personagem principal são desdobramentos do documentário “Elis & Tom - Só tinha de ser com você”, que o diretor Roberto de Oliveira prepara para o ano que vem. A exposição contará com material inédito das gravações.
O objetivo é dar ao visitante a sensação de estar no estúdio de Los Angeles onde o disco foi registrado, em 1974. A data prevista para o lançamento do projeto é 17 de março de 2024, dia em que Elis Regina (1945-1982) completaria 79 anos.
“ELIS & TOM - SÓ TINHA DE SER COM VOCÊ”
(Brasil, 2023. 100 min.) Direção: Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay. Em cartaz a partir desta quinta-feira (21/9), no UNA Cine Belas Artes, Centro Cultural Unimed-BH Minas, Cineart Ponteio, Cineart Cidade 6, Cinemark Pátio Savassi e Cinemark Diamond Mall.
Sign in with Google
Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do Estado de Minas.
Leia 0 comentários
*Para comentar, faça seu login ou assine