O poeta e tipógrafo mineiro Guilherme Mansur, de 65 anos, morreu nessa quarta-feira (27/9), em Belo Horizonte, em decorrência de complicações de uma pneumonia. Internado havia três meses no Hospital Madre Tereza, ele chegou a ser transferido para outra unidade de saúde na capital, depois da melhora de seu quadro clínico. A morte surpreendeu o meio literário e os amigos. Por muitos anos, ele conviveu com esclerose múltipla, que comprometeu sua mobilidade.





Foi Haroldo de Campos quem o batizou como “tipoeta”. Criado na tipografia dos pais em Ouro Preto, Guilherme Mansur contou que “o som do dobrar dos ferros das velhas impressoras Minerva fundia-se com o som do dobrar e desdobrar do bronze de Jerônimo”, o grande sino da Igreja do Pilar.

“O fato de ter sido alfabetizado por uma caixa tipográfica me levou a enxergar a letra, a palavra, com outros olhos. Quando pisei na escola pela primeira vez, tive um estranhamento com o giz riscando o quadro negro, porque a letra para mim era tridimensional, um objeto que tinha cheiro e peso e que se poderia montar para formar palavras como casa, uva e gato”, disse Mansur.

O escritor criou os projetos Poesia Livre e Chuva de Poesia. Esse último é um happening, em que filipetas com versos são atiradas das torres das igrejas de Ouro Preto – sobretudo a de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.




 
Dessa forma, Guilherme fez voarem poemas de Sylvio Back, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Alice Ruiz, Paulo Leminski, Júlio Castañon Guimarães, Ricardo Aleixo, Affonso Ávila e Carlos Ávila, entre muitos outros.
 

O poema "Telhados" faz uso dos parênteses como telhas

(foto: Reprodução)
 

Pão e poesia

Em 1977, Guilherme inovou ao estrear com sacos de poesia inspirados nas embalagens de pão da Padaria Popular, no Largo da Alegria ouro-pretano. Grandes poetas foram “ensacados” naquelas edições.

Adepto do movimento da Arte Postal e “discípulo” do escultor Amilcar de Castro, Guilherme criou poemas-instalação e poemas-cartazes. 
 
 

Seu primeiro livro foi “Os sete fôlegos” (Risco do Ofício), depois reeditado com o título “Gatimanhas & Felinuras”. Também lançou “Barrocobeat” (Tigre do Espelho) e “Bené Blake” (com Dimas Guedes, Editora Cantaria).





Prefeito de Ouro Preto, o jornalista Angelo Oswaldo influenciou o jovem Mansur a iniciar sua jornada literária. Isso ocorreu nos anos 1970, em plena ditadura militar. “Ouro Preto é a cidade da poesia e o Guilherme era o nosso grande poeta. É a cidade que todos os grandes poetas escreveram: Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Cecília Meireles, Olavo Bilac. O Guilherme era a própria poesia de Ouro Preto. Sua obra tem protagonismo importante na poesia brasileira contemporânea”, disse ontem Angelo Oswaldo.
 

Poema de Guilherme Mansur pregado na porta de seu quarto no hospital, em BH

(foto: Reprodução)
 

Olho gráfico

“Guilherme foi um grande tipógrafo. Uma pessoa que tinha cuidado enorme com as palavras, com as letras. Tinha olho gráfico muito delicado, sensível e inventivo”, afirmou o escritor mineiro Mario Alex Rosa, destacando a grande perda para Minas e o Brasil.

De acordo com o amigo, Mansur nunca deixou que a esclerose múltipla atrapalhasse sua poesia. “Ele tinha uma certa serenidade em lidar com a doença. Ela não foi subterfúgio para ele fazer poesia, Guilherme sempre fez poesia alegre, muito bonita”, comentou Mário Alex.





O músico e escritor Makely Ka se manifestou nas redes sociais. “Hoje partiu um dos poetas mais radicais, geniais e inspiradores que já conheci”, escreveu o compositor.
 

Detalhe de instalação de Guilherme Mansur exposta no Palácio das Artes em 2007

(foto: Pedro Motta/Esp.EM/D.A Press/2007)
 

Para o secretário de Cultura de Ouro Preto, Flávio Malta, a morte do poeta representa perda enorme para a cidade. “Ele era muito querido pelos amigos e por pessoas que passavram pela livraria dele e de sua esposa.”
 
O corpo de Mansur será velado hoje, a partir das 8h30, na Casa de Gonzaga. O enterro está marcado para as 16h30, no Cemitério de São José, em Ouro Preto.

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