Lusco-fusco é o momento de transição entre o dia e a noite. O céu avermelhado já com lua e estrelas, no fim da tarde, traz beleza aos olhos e perigo ao voltante. Este é o nome do primeiro disco solo da baiana Assucena, que chega às plataformas digitais nesta sexta-feira (29/9).
Ex-integrante da banda As Bahias e a Cozinha Mineira, que chegou ao fim em 2021, a cantora e compositora decidiu seguir carreira solo naquele mesmo ano. No show “Rio e também posso chorar”, com repertório formado por canções de “Fa-tal – Gal a todo vapor” (1971), ela fez sua releitura do clássico álbum de Gal Costa.
A apresentação virou tributo depois da morte da cantora baiana, em novembro de 2022, ganhando o formato intimista de voz e violão.
“Estava com muita vontade de voltar aos palcos. Até porque, com o fim da banda, saímos do palco pela vida e retornamos pela vida também, não só a nossa, mas da cultura”, explica.
Uma ligação foi necessária para que Assucena produzisse seu álbum solo: a cantora Céu, com quem ela divide a direção artística do novo trabalho. “Primeiro, o disco se chamaria ‘Reluzente’, uma das faixas. Ele veio de um sonho, no qual o amor surgiu em meio aos escombros, simbolizando o renascimento de uma artista com sua intensidade, desejos e vontades”, afirma.
Jogo poético
Ocaso, crepúsculo, anoitecer e amanhecer são formas de nomear o que Assucena define como “o jogo poético de cores do sol, quando a pupila não entende se vem a noite ou o dia”. Não se trata apenas de fenômeno da natureza. “É também momento de muito misticismo, de espiritualidade para muitas religiões, inclusive para a religião judaica”, diz.
Em seu disco solo, Assucena fala também sobre o lusco-fusco do país. “Um Brasil que se extingue e que se acende. Brasil vem de brasa, que, para mim, também é metáfora do lusco-fusco, porque a brasa é o momento de transição da chama”, explica.
Não se trata de um projeto exclusivamente pessoal. “Ao mesmo tempo em que o álbum é sobre mim, é sobre nós e a transmissão da vida. Sobre cura e os desafios do processo de pessoas trans em sua plenitude, porque quando acontece a transição, você deixa muitas coisas para trás. É uma nova vida. O processo é muito doloroso, mas necessário”, afirma ela, voz potente da comunidade transexual na arte.
Nas 10 faixas do disco, Assucena explora caminho estético que conversa com tradição e contemporaneidade, mesclando baião, MPB, funk, samba, reggae e rock.
A diversidade de referências faz parte de seu “eu artístico”, explica. “Me considero filha da Tropicália e filha de Gal Costa, ela foi a artista que me pariu. Se você escuta um álbum tropicalista dela e do Caetano, você vai ver diversos gêneros da música interpretados numa linguagem específica. Sou fruto desta escola de sonoridades profundas da MPB”,afirma.
Voz LGBTQIAP+
Assucena nasceu em Vitória da Conquista, na Bahia, em lar judaico. Cresceu ouvindo clássicos da MPB, canções baianas, cancioneiro hebraico e música internacional, principalmente Whitney Houston.
Na juventude, cursou história na Universidade de São Paulo (USP). Na capital paulista, conheceu Raquel Virgínia e Rafael Acerbi, com quem formou o trio As Bahias e A Cozinha Mineira.
As Bahias foi importante para dar voz à comunidade LGBTQIAP no Brasil. Assucena e Raquel são mulheres transexuais. O trio lançou os álbuns “Bixa” (2017) e “Tarântula” (2019). Em 2020, os três mudaram o nome para “As Baías” e, em setembro de 2021, o trio chegou ao fim.
“Banda é sempre interseção de ideias e de vontade. Enquanto estamos falando a mesma língua, está muito bom, mas quando começam a haver conflitos criativos, é hora de terminar em paz”, diz Assucena.
“LUSCO-FUSCO”
• Álbum solo de Assucena
• 10 faixas
• Disponível nas plataformas digitais
* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria