Não raro, conflitos filosóficos se refletem nos mais diferentes segmentos artísticos. Não foi diferente em “Cangaço novo”, produção do Amazon Prime Video que em pouco tempo se tornou a série de maior repercussão da atualidade.





Mais que jogar luz num Brasil profundo, desconhecido por muitos, a produção traz uma questão debatida há séculos – principalmente por Jean-Jacques Rousseau e Thomas Hobbes: o homem é bom ou mau por natureza? A resposta para a pergunta, pelo que sugere a série de Eduardo Melo e Mariana Bardan, está em Ubaldo (Allan Souza Lima), um dos protagonistas.

Ele é irmão de Dinorah (Alice Carvalho) e Dilvânia (Thainá Duarte), ambos filhos do vaqueiro Amaro (também interpretado por Allan em cenas de flashbacks), personagem influente no coronelismo que vigora na pequena cidade fictícia de Cratará, no sertão cearense.

Amaro, no entanto, foi assassinado a sangue frio em 1998, deixando profundas marcas e traumas nos três filhos, que ainda eram crianças à época do crime. Com a morte do pai, Ubaldo foge de casa e é adotado por Ernesto (Ricardo Blat), militar de São Paulo que está em missão no Ceará.





Criado sob as rédeas de um membro ativo do Exército, Ubaldo desenvolve uma personalidade muito parecida com a do pai adotivo: é metódico e atento à disciplina e à hierarquia.

Sua integridade moral e seu senso de justiça – que, cumpre dizer, não são resultado da disciplina militar, e sim do amor e da dedicação de Ernesto – se mantiveram inabaláveis por muito tempo. Mesmo quando é afastado do Exército, enquanto cuidava de do pai acometido por grave doença, Ubaldo sequer cogitou recorrer a meios ilícitos para se sustentar.

Cangaceiros contemporâneos

Contudo, à medida que a doença de Ernesto se agrava, Ubaldo entra em desespero por não ter dinheiro suficiente para bancar o tratamento do pai. Providencialmente, recebe uma carta de Cratará informando que sua mãe biológica morreu e que tem direito a parte da herança. Ele, então, parte para o Ceará e é aí que, de fato, a série começa.

Já nesta cena do primeiro episódio, o caráter de Ubaldo é posto à prova. Primeiro, quando descobre que o único bem deixado pela mãe é a terra onde moram Dinorah e Dilvânia. Depois de fracassar em convencer as irmãs a vender o local, ele tenta falsificar a assinatura das duas.





Não dá certo. Dinorah descobre, intimida o irmão e o manda embora da cidade. Em mais um acaso providencial, no entanto, Ubaldo consegue apoio de parte da população de Cratará para permanecer na cidade, afinal, ele é filho do respeitável Amaro.

Integrando-se ao cotidiano local, não demora muito para Ubaldo integrar o bando de cangaceiros do qual Dinorah é uma espécie de líder. Por sua experiência como soldado e depois como bancário, convenceu o grupo de que poderia fazer uma assalto mais “seguro”, organizado e rentável.

Inicialmente, o objetivo de Ubaldo era participar de apenas um roubo a banco para conseguir o dinheiro necessário para o tratamento de Ernesto. Mas o que era para ser um único assalto se torna dois, três, quatro… e por aí vai.







Sem julgamento

Ubaldo fica na cidade e assume a liderança do grupo. Ao contrário de Dinorah, não incentiva a violência psicológica contra os reféns nem confrontos com a polícia. Por causa disso, inclusive, é comparado a Robin Hood pela imprensa local.

“De imediato, eu já desconstruo essa relação entre o Ubaldo e o Robin Hood”, diz Allan em entrevista ao Estado de Minas. “O Ubaldo está lá por causa do pai dele. E aí ele vai se vendendo. Ele tinha o objetivo de assaltar um banco, mas as coisas foram acontecendo na vida dele, ele passou por diversas circunstâncias e continuou fazendo aquilo. E, depois de fazer tantas vezes, aquilo acaba se tornando moral para ele”, avalia.

É por esse prisma rousseauniano que Allan enxerga seu personagem. “Ubaldo ultrapassou a barreira (moral) dele. Essa barreira, portanto, já é passado para ele. E ele vai se acostumando, porque o meio o influencia”, diz.

No entanto, embora comente o comportamento do personagem, o ator opta por não julgar Ubaldo. "Como ator, eu não posso julgar o personagem. Tenho que aceitar e entender a alma dele.” 

CANGAÇO NOVO
• De Eduardo Melo e Mariana Bardan
• Primeira temporada disponível no Prime Video

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