Passados dois anos da debandada que determinou a dissolução do Boca Livre, motivada por divergências políticas e ideológicas, o grupo anuncia, agora, a retomada das atividades.



No início de 2021, Zé Renato e Lourenço Baeta resolveram deixar a formação. O motivo foi o alinhamento de Maurício Maestro com Bolsonaro, bem como sua oposição à obrigatoriedade da vacina contra a COVID-19. Poucos dias depois, foi a vez de David Tygel também anunciar sua saída do grupo.
 
O Grammy Internacional que o Boca Livre conquistou neste ano, na categoria melhor álbum pop latino, por “Pasieros”, disco sobre a obra do panamenho Rubén Blades, tornou-se um primeiro convite ao entendimento. O trabalho foi feito em 2011 e só veio a ser lançado, pelo próprio Blades, em 2022, quando o Boca Livre já estava desfeito.


 
Zé Renato, Lourenço e David foram a Los Angeles receber o prêmio e ligaram para Maurício para celebrar a conquista. Pouco tempo depois, foi a vez de Maurício entrar em contato com os outros três integrantes, propondo que conversassem sobre uma possível retomada do grupo. “Fizemos uma reunião para ver como seria esse processo, e surgiu a ideia de gravarmos um single”, conta Zé Renato.




 
Primeira parceria dele com Nando Reis, “Rio grande” chega às plataformas no próximo dia 27. Outras ações e uma efeméride marcam o retorno do Boca Livre. Por iniciativa do produtor João Mário Linhares, os dois primeiros álbuns do grupo, “Boca Livre” (1979) e “Bicicleta” (1980), chegaram no último dia 22, pela primeira vez, às plataformas de streaming.

 
No dia 5 de novembro, o quarteto retorna aos palcos pela primeira vez desde o racha, com uma participação no Festival Música de la Tierra, no Uruguai. Um documentário sobre a história do grupo foi proposto pela cineasta Susanna Lira (diretora de “Clara estrela”, sobre Clara Nunes). Já a efeméride são os 45 anos de estrada do Boca Livre.
 
“Achamos que estava tudo conspirando a favor. São coisas que nos animaram a superar as divergências. Agora é um momento mais propício para isso, para se ter mais diálogo. O ambiente atual é muito diferente de quando a situação ficou insustentável, em 2021. O país estava dividido e isso se refletia dentro do grupo. Passou o tempo, e hoje temos a perspectiva de dialogar mais”, diz Zé Renato.





Prática da democracia


Ele afirma que nunca foi uma exigência do grupo que todos tivessem a mesma linha de pensamento, mas ressalva que naquele momento estava complicado administrar a situação, com o posicionamento de Maurício Maestro.

“Encaro essa retomada como um exemplo de pessoas que estão com vontade de levar adiante um trabalho e de dialogar, ter essa questão democrática inserida no convívio. É uma demonstração da vontade de praticar a democracia”, diz.
 
A estreia surpreendente – o “Boca Livre” de 1979 foi uma produção independente que vendeu mais de 100 mil cópias – e tudo o que se desenrolou desde então, com a vontade de cantar junto e de compartilhar os interesses e as afinidades musicais falou mais alto agora, segundo Zé Renato.



“Naquele momento da separação, por mais espírito democrático que se tivesse, não tinha como, foi além do que eu, Lourenço e David tínhamos como limite. Mas acho que essa página virou”, diz.

Ele diz que o fato de ter partido de Maurício a iniciativa de chamar os outros integrantes para propor uma retomada foi muito importante. “O responsável por essa sonoridade tão característica do Boca Livre é ele.


Arquitetura sonora

Maurício é um músico muito acima da média. Nós todos contribuímos, mas, inegavelmente, a arquitetura sonora do Boca Livre é desenhada por ele. Esse gesto dele de nos chamar foi fundamental para que nos reencontrássemos.”
 
O single “Rio grande” prenuncia um novo álbum do Boca Livre. “Estamos prontos e desejosos disso, tentando alinhavar como as coisas vão acontecer.”




 
O documentário foi uma ideia que partiu da diretora. “Susanna ligou para David,  disse que tinha tido esse sonho com o grupo e que queria fazer um documentário contando nossa história. Claro que, para nós, isso foi uma maravilha, ficamos muito felizes.”
 
A ideia é retomar a agenda de apresentações no Brasil a partir do início do próximo ano. Apesar de vislumbrar um novo álbum no horizonte, de estar com os dois primeiros trabalhos acessíveis nas plataformas e de não ter chegado a apresentar ao vivo o repertório de “Pasieros”, o reencontro do Boca Livre com seu público deve ser pautado pelo que Zé Renato chama de “repertório básico” do grupo, englobando sucessos da carreira.
 
 
 

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