No início da década de 2000, então à frente do Museu de Arte da Pampulha (MAP), Priscila Freire colocou ordem na casa. Realizou reforma no prédio de Oscar Niemeyer, montou uma equipe de trabalho, com Adriano Pedrosa (atual diretor artístico do MASP) como curador.
Um marco do período foram as três individuais, em 2002, de Rivane Neuenschwander, Rosângela Rennó e Valeska Soares, todas artistas belo-horizontinas, já com repercussão nacional, que nunca tinham exposto em sua cidade.
Duas décadas mais tarde, Priscila é convidada para dividir com o carioca Marcelo Campos (curador do Museu de Arte do Rio, o MAR), mostra criada pela Casa Fiat em parceria com a PBH, por meio da Secretaria e da Fundação Municipal de Cultura, para apresentar uma nova leitura para o acervo do próprio MAP, estrela do Conjunto Moderno da Pampulha, neste ano chegando aos 80.
Este encontro do olhar de dentro e do de fora resultou na exposição “Arte brasileira: A coleção do MAP na Casa Fiat de Cultura”, que será aberta nesta terça (10/10). Com cerca de 200 obras, é a maior mostra com o acervo do museu, cujo espaço expositivo está fechado desde 2019, fora de seus domínios.
80 anos da Pampulha
“É um projeto com o qual a gente pretende ampliar os interesses. Ou seja, temos interesse na efeméride, os 80 anos da Pampulha, nos 66 do MAP, mas também em outra leitura sobre a coleção. Há uma ação, talvez corajosa e ambiciosa, de horizontalizá-la”, explica Campos.
A montagem apresenta, por exemplo, um nome contemporâneo da escultura, José Bento, ao lado de um artista popular como GTO. Três fotografias da supracitada Rosângela, da série “Cicatriz”, estão postadas ao lado de um presépio. “A proximidade (das obras) não é por estilo nem cronologia, mas por uma leitura temática”, diz Campos.
Quando o projeto foi iniciado, Priscila fez um levantamento das obras. “A partir de marcadores sociais (artistas mulheres, negros, indígenas), pensei também em uma reparação histórica. É uma exposição que tem muitas mulheres artistas, mas não só por causa disto. Na verdade, a própria atuação do MAP frente às artes brasileiras revelou e potencializou grandes criadoras”, afirma Campos.
Artistas convidados
Dois nomes que não integram o acervo do museu foram apontados pelos curadores (Sônia Gomes, sugerida por Priscila) e o projeto Retratistas do Morro, criado no Aglomerado da Serra (sugestão de Campos) e têm trabalhos na exposição.
Nomes de peso – Guignard, Amilcar de Castro, Cildo Meireles, Frans Krajcberg, Burle Marx, Portinari – dividem espaço com artistas contemporâneos relevantes, como Paulo Nazareth, Eustáquio Neves, Cinthia Marcelle e Nydia Negromonte.
As obras estão distribuídas nos diferentes eixos temáticos. Nazareth integra o núcleo “Conjunto Moderno da Pampulha”, com registros de “O casamento de Antônio”, um casamento de fato que foi realizado no auditório do MAP durante a individual “Faca cega” (2019), do artista. Vik Muniz e Portinari estão na seção “Os modernos”.
A partir de fotografia da série “Póstumos”, de Roberto Bethônico, com o registro de um busto de costas, foi criado o núcleo “Novos bustos”. “JK tinha as referências dele (quando criou a Pampulha, enquanto prefeito de BH, na primeira metade dos anos 1940) e hoje nós temos as nossas. Os grandes criadores (do pensamento decolonial) que temos são Conceição Evaristo, Leda Maria Martins e Ailton Krenak”, aponta o curador.
Núcleos temáticos
Tanto que o núcleo terá fotografias dos três, que estão frente a frente com trabalhos de Wilma Martins, Lorenzato, entre outros, que remetem ao casario popular e às regiões periféricas.
A partir de questionamento sobre o sentido da montanhas, Campos descobriu que, na cultura afro-brasileira, ela “é um ancestral que soma todos os quatro elementos.” Diante disso, utilizou-se de água, ar, terra e fogo como elementos temáticos para a montagem da mostra.
A partir de questionamento sobre o sentido da montanhas, Campos descobriu que, na cultura afro-brasileira, ela “é um ancestral que soma todos os quatro elementos.” Diante disso, utilizou-se de água, ar, terra e fogo como elementos temáticos para a montagem da mostra.
Algumas obras que estão na exposição nunca haviam sido exibidas. Uma delas é o já citado presépio que encerra a visitação. São 293 peças, um conjunto que é apresentado pela primeira vez em sua completude.
“Este trabalho, que acredito que seja anterior aos anos 1970, é um presépio bem primitivo do Vale do Jequitinhonha. A maioria das peças nem tem cor. Quando cheguei ao museu (em 2000), vimos que os prêmios de salão (o Salão Nacional de Arte da Prefeitura de BH, criado em 1937 e atualizado, a partir de 2003, no Bolsa Pampulha) ficavam no acervo do museu. É interessante porque é um presépio em um museu que não é de arte popular”, afirma Priscila.
“ARTE BRASILEIRA: A COLEÇÃO DO MAP NA CASA FIAT DE CULTURA”
Abertura nesta terça (10/10), na Casa Fiat, Praça da Liberdade, 10, Funcionários. Visitação de terça a sexta, das 10h às 21h; sábados,
domingos e feriados, das 10h às 18h. Até 4 de fevereiro. Entrada franca.
RESTAURAÇÃO EM CURSO
Duas obras do acervo do MAP serão restauradas durante a exposição “Arte brasileira”: “Estandartes de Minas” (1974), de Yara Tupynambá, e “Tempos modernos” (1961), de Di Cavalcanti. Quando o processo de recuperação terminar, elas passarão a integrar a mostra.