Luísa Sonza

Em 'Escândalo Íntimo', álbum de Luísa Sonza, das 24 músicas, 13 têm menos de três minutos

Pam Martins/Divulgação
"Disse para colocarmos o dedo na ferida e lançar ‘Campo de Morango’. Ainda cortei metade da música. Sabia que ela era maior?", diz às gargalhadas a cantora Luísa Sonza sobre uma das faixas de "Escândalo Íntimo", que teve a maior estreia de um álbum no Spotify do Brasil.

 

 

Quem não achou muita graça foram os usuários do X, o antigo Twitter. A canção deixou muita gente espantada por ter apenas um minuto e 16 segundos. O resto do álbum segue o mesmo padrão —das 24 músicas, 13 têm menos de três minutos. 

 

A tendência se repete nos últimos trabalhos de outros artistas pop, como Ludmilla e Pedro Sampaio. Esta, porém, não é uma realidade só do Brasil. Prova disso é que alguns dos principais hits americanos dos últimos anos têm duração exígua, como "As it Was", de Harry Styles, e "Montero", de Lil Nas X.

 

O rapper americano, inclusive, foi alçado à fama mundial em há quatro anos após lançar "Old Town Road", que com apenas um minuto e 53 segundos se tornou a canção que liderou por mais tempo as paradas dos Estados Unidos.

 

Influência dos streamings 

 

Uma pesquisa da Universidade da Califórnia, de Los Angeles, nos Estados Unidos, analisou 160 mil faixas do Spotify e constatou que a duração média das músicas diminuiu um minuto e três segundos entre as décadas de 1990 e 2020.

 

"A tendência daqui para a frente é encurtar cada vez mais", diz Douglas Moda, um dos produtores do disco de Sonza. Para ele, é um processo que tem acontecido por influência do streaming e das redes sociais, que tendem a beneficiar a propagação de conteúdos curtos.

  

 

"Durante palestras, as empresas dizem que canções que vão melhor são as que têm no máximo dois minutos e meio", diz ele, em referência a plataformas como TikTok, uma das principais vitrines para a divulgação musical.

 

O produtor afirma que, apesar disso, os artistas devem ter cautela antes de seguir essa orientação. "A gente não pode se apegar muito ao que empresas e rádios vão falar sobre a nossa arte. E já tem gente se rebelando contra isso."

 

Um exemplo é a cantora americana Halsey. No ano passado, ela afirmou que sua gravadora a impedia de lançar um projeto novo porque queria que o produto viralizasse no TikTok. "Tudo é marketing, e eles estão fazendo isso com todo artista hoje em dia", disse ela.

 

No caso de "Escândalo Íntimo", afirma o produtor, a escolha de músicas mais curtas não se deu para agradar as plataformas, mas para romper fórmulas já estabelecidas no mercado. Além de ser curta, "Campo de Morango" traz o refrão logo no começo, algo pouco comum, diz ele.

 

Os produtores estrangeiros do disco teriam estranhado as mudanças. "Diziam que a gente era louco por cortar a música no meio. Eles não entendiam."

 

O público parece não ter entendido também. O produtor diz que o disco teria faixas ainda mais curtas do que as lançadas, mas Sonza mudou de ideia após as reações negativas.

 

TikTok 

 

Anitta também apostou na brevidade para fisgar o público quando lançou "Funk Rave", que tem dois minutos e 27 segundos. Produtor da faixa, o DJ Gabriel do Borel afirma que o encurtamento das músicas, um fenômeno em curso há alguns anos, foi acelerado pelo TikTok.

  

 

Para ele, tecnologias como essa aumentam o imediatismo do público, o que impacta desde o cinema até o jornalismo. "Não seria diferente na indústria musical", diz, acrescentando que o senso de urgência do também influencia a estratégia de lançamento. "Antes, os artistas lançavam um disco e passavam um ano trabalhando para que todas as faixas fossem conhecidas."

 

Hoje, as pessoas consomem canções com a mesma voracidade com a qual aceleram áudios de WhatsApp ou maratonam séries. "Elas ouvem um lançamento e já querem outro. O tempo se tornou muito mais precioso, porque é difícil prender o público por muito tempo", diz o DJ.

 

A afirmação encontra eco em estudos científicos. Em 2021, uma pesquisa da King's College, de Londres, na Inglaterra, entrevistou 2.093 britânicos e constatou que 49% deles consideravam que sua concentração havia diminuído com o passar dos anos.

 

Mudança na estruturação 

 

E se a disputa pela atenção do ouvinte tem provocado mudanças profundas na música, a duração não é a única delas. Um artigo do The New York Times explica que canções pop costumavam ter a mesma estrutura desde os anos 1960 —isto é, verso, pré-refrão e refrão.

 

Esse paradigma começou a mudar na década de 2010, com o avanço do streaming e das redes sociais. Hoje, é comum os artistas deixarem o verso de lado para começar com um gancho –isto é, um elemento sonoro cativante e chamativo.

 

"Do Spotify ao TikTok, o objetivo é criar músicas que prendam a atenção do ouvinte do começo ao fim. Você não está apenas competindo contra outros artistas. Está competindo contra tudo o que ocupa nosso tempo, de podcasts à televisão", diz o texto.

 

 

O musicólogo Nate Sloan, um dos autores do artigo, afirma que a estrutura tradicional do pop costuma levar alguns minutos para atingir o clímax. "Muitas obras contemporâneas presumem que os ouvintes não têm paciência para uma construção tão longa e oferecem o ápice já nos primeiros segundos."

 

Professor da Universidade do Sul da Califórnia, Sloan afirma que os serviços de streaming incentivam as canções mais curtas. "Se alguém ouve a música inteira, é mais provável que ela seja colocada em uma playlist do Spotify, o que aumenta a sua exposição."

 

O produtor Rick Bonadio, que esteve por trás do sucesso de grupos como Rouge e Mamonas Assassinas, diz que a concorrência pela atenção do ouvinte está tão acirrada que o solo instrumental virou um elemento quase proibido.

 

"Quanto antes começar a letra parece ser melhor para o mercado", diz ele, que não vê com bons olhos o encurtamento do pop. "Isso faz com que a qualidade caia e a musicalidade seja colocada de lado cada vez mais. Vale mais o clique do que a canção e a letra poética."

Embora possam parecer simples, trabalhos curtos escondem uma série de desafios. É isso o que diz a cantora King, que também compõe e já trabalhou com nomes como Iza e Elza Soares.

 

Uma das dificuldades seria transmitir mensagens em pouco espaço e lidar com a demanda por novidades. "A gente precisa lançar todo mês", diz ela. "A gente leva muito tempo para criar, mas aí a música se esvai com muita facilidade. São no máximo dois meses divulgando. Depois, acabou. Pula para a próxima."