Somente em 2016, 56 anos após a inauguração do Congresso Nacional em Brasília, o plenário do Senado Federal passou a ter um banheiro feminino.
O que fica claro a partir deste fato é que o projeto de Oscar Niemeyer não previa banheiro para mulheres no local porque não se falava em senadoras em 1960 – a primeira eleita pelo voto direto é Eunice Michiles (AM), que tomou posse em 1979.
O que fica claro a partir deste fato é que o projeto de Oscar Niemeyer não previa banheiro para mulheres no local porque não se falava em senadoras em 1960 – a primeira eleita pelo voto direto é Eunice Michiles (AM), que tomou posse em 1979.
O ponto que interessa aqui é que, a partir do banheiro, dá para se pensar aspectos relevantes da sociedade brasileira. É este o foco da diretora Ana Amélia Arantes no média-metragem documental “Residual”, que estreia nesta terça (17/10), em sessão comentada pela diretora, no Cine Santa Tereza.
A diretora ouviu relatos de 10 mulheres, entre 20 e 60 anos. Filmou suas personagens em três banheiros públicos de Belo Horizonte, tanto femininos quanto masculinos: do Mineirão, da UFMG e do Parque Municipal.
“Mesmo que o foco dele (o filme) seja o machismo, os depoimentos também passam por questões de racismo, discriminação de classe, LGBTfobia, acessibilidade. Por que o banheiro feminino é tão bem protegido enquanto o masculino é tão exposto? Isso denota uma diferença de que a mulher tem que ficar restrita ao espaço privado, enquanto o homem foi feito para o público”, diz Ana Amélia.
Espaço perigoso
“Residual” é um projeto que começou há alguns anos, de maneira quase acidental. Ana Amélia estava fazendo assistência de direção para outro filme quando se deparou com uma mulher trans. Ela lhe contou que quando saía para ir a um bar, não comia ou bebia nada para não ter que ir ao banheiro, que considerava um espaço perigoso.
“Fiquei muito chocada. Quando fui pesquisar mais, descobri como isso é muito recorrente. A história acabou não aparecendo no filme em que eu estava trabalhando, mas fiquei pensando que alguém tinha que contá-la.” Ana Amélia decidiu ela mesma avançar no tema. “Como o banheiro pode ser um espaço de segurança para uma pessoa e de medo para outra? Um mesmo lugar carrega várias questões.”
Lançou em 2022 “Reservado”, um primeiro curta, mais simples e de pequena duração (sete minutos). Por meio de fotografias e de um único depoimento em off, o filme acompanha a relação da artista Sol Markes com o banheiro, antes, durante e depois da transição de gênero.
“Pensei nele como um teaser para alavancar uma história maior. A transfobia é uma violência que ofusca as outras, é muito despudorada, e há pessoas que a cometem de forma escancarada, sem o menor constrangimento”, afirma. Ainda rodando o circuito de festivais, “Reservado” venceu, em julho, o prêmio de melhor roteiro da mostra Lugar de Mulher é no Cinema, em Salvador.
Ana Amélia também já havia percebido que o tema poderia ser desmembrado. Com 25 minutos de duração, “Residual”, ela diz, será o primeiro episódio de uma série. “Percebi que não dá para abordar todas as situações em um único filme, já que são muito variadas.”
Neste primeiro, conhecemos, entre outras, a história da deficiente visual que entrou em um banheiro masculino por engano (e o que o equívoco provocou nos homens); da mulher trans que sofreu uma situação de abuso quando menor de idade; da jovem que encontrou, quando criança, o banheiro da escola como espaço para se proteger de bullying.
Os depoimentos dão luz a questões prosaicas, que acabam mostrando as diferenças entre os banheiros femininos e masculinos. “Higiene, por exemplo. O masculino é sempre mais sujo, por vezes não tem papel higiênico, sabão, toalha. Muitos não têm espelho. Então questões da masculinidade vão emergindo na observação (das personagens)”, comenta Ana Amélia.
A partir de “Residual”, a diretora pretende avançar em outros cinco temas, sempre com o banheiro como cenário: racismo, LGBTfobia, pessoas intersexo, acessibilidade e questões de classe. Ao final, o projeto redundaria em uma série de curtas com seis episódios.
Mais uma sessão
“Residual” terá outra exibição nesta semana. Na quinta (19/10), às 18h, o curta documental será apresentado no Centro Cultural Venda Nova, Rua José Ferreira dos Santos, 184, Jardim dos Comerciários. Após a sessão, haverá bate-papo com a diretora.
“RESIDUAL”
Estreia do média-metragem de Ana Amélia Arantes no projeto Cine Diversidade. Sessão seguida de debate. Nesta terça (17/10), às 19h, no Cine Santa Tereza, Rua Estrela do Sul, 89, Praça Duque de Caxias. Antes será exibido “Nada” (2017), curta de Gabriel Martins. Entrada franca (ingressos devem ser retirados na bilheteria).