Ter Robert De Niro, aos 80 anos, em seu primeiro papel recorrente em uma série de televisão, é a cereja do bolo de "Nada". A produção argentina recém-chegada ao catálogo do Star+ é uma pérola no mar de mesmice do streaming. Se for para colocar um defeito, é o tamanho - são apenas cinco episódios de meia hora cada um.
De Niro atua como narrador - aparece mesmo, circulando por Buenos Aires, apenas no último episódio. O protagonista é Luis Brandoni, de 83, amigo do norte-americano há quatro décadas. A série, criada pela dupla Mariano Cohn e Gastón Duprat, também responsável pelo longa "O cidadão ilustre" (2016), entre outras boas produções argentinas -, leva este fato para a narrativa ficcional.
Manuel Tamayo Prats (Brandoni) já fez um pouco de tudo na vida. Mas se consagrou como um crítico gastronômico impiedoso - uma crítica negativa, ele acredita, vai interessar muito mais ao leitor do que uma positiva. Devendo, há anos, um livro - já recebeu dois adiantamentos da editora e não escreveu uma linha - cobre suas despesas vendendo o que lhe resta de seu acervo de obras de arte.
Vive sozinho com Celsa (María Rosa Fugazot), sua empregada há 40 anos. A mulher conhece a fundo o gosto para lá de exigente do patrão. Faz absolutamente tudo para ele, que não tem celular, cartão de banco ou carteira de motorista.
Com a morte de Celsa, Manuel entra em parafuso - e um vídeo que viraliza mostra quão inepto ele é para a vida real. A chegada de Antonia (Majo Cabrera), uma paraguaia de 20 anos, em tudo diferente de Celsa, muda completamente a vida de Manuel.
É esta a história que Vincent Parisi (De Niro) conta. Jornalista e escritor, vencedor de dois Pulitzers, ele considera Manuel, "um verdadeiro dândi de passado impreciso", um de seus melhores amigos - ainda que os dois não se vejam há anos.
Manuel é um tanto pernóstico, mas arguto em suas observações - seja sobre comida ou sobre o povo argentino. Cada episódio é aberto com uma explicação de Parisi sobre o amigo e seu país. "Remar en dulce de leche", por exemplo, significa fazer alguma coisa com muito esforço - que é o que acontece quando o protagonista se vê sozinho, tendo que resolver, pela primeira vez, coisas do dia a dia.
Há também alguns insultos, que De Niro fala com prazer. Você pode até ser chamado de boludo (bo-lu-do, diz o ator) por um amigo, mas se alguém o chamar de pelotudo (que significa basicamente a mesma coisa), isto será um insulto - ambos vêm de grandes bolas (no caso, testículos).
A série aborda a Buenos Aires cotidiana, dos negociadores de câmbio ("Euro, dólar, real"), evitando os cartões postais dos turistas. Boa parte das cenas é no bairro La Boca, onde fica o casarão de Manuel. Como comida é o ganha-pão do personagem, há incríveis sequências com a carne como personagem. Em um almoço em uma ‘parrilla’ no bairro do Once, vemos o orgulho do garçom em dividir (para surpresa do americano) um bife de chorizo (a cavalo) de 900 gramas com uma colher.
“NADA”
• A série, em cinco episódios, está disponível no Star .