Em novembro de 2021, Fernando Bandeira de Mello Aranha tem o mundo aos seus pés, mas não muito a fazer com ele. Aos 77 anos, pulmão direito com enfisema, rim esquerdo em péssimo funcionamento, ainda sofre com as sequelas da COVID.
Tem certeza de que o vírus chegou a ele como uma tentativa de assassinato, já que não sai de casa há quase 18 anos. Desde que a pandemia começou, não tem contato físico com ninguém.
O último grande ato de Mello Aranha será público. Durante 18 noites, 30 milhões de pessoas acompanharão pela TV o acerto de contas deste homem. No lugar de “Frutos proibidos”, a nova novela das 21h, os telespectadores da Rede Nacional vão assistir ao presidente da emissora tentando encontrar uma mulher que viu uma só vez. A única pista é uma foto, de 11 de dezembro de 2003, seu último dia na rua antes de se fechar em seu triplex em São Paulo.
“Vida ao vivo” (Companhia das Letras), novo romance do escritor e jornalista mineiro Ivan Angelo, nas livrarias a partir de quinta-feira (26/10), foge de qualquer convenção. São 35 capítulos, apresentados como em duplas.
O primeiro se refere ao monólogo de Mello Aranha em frente à TV. O seguinte é sempre com a repercussão do programa da noite anterior, com comentários de espectadores por meio de cartas, mensagens de WhatsApp, posts em blogs, além de notícias de sites e jornais.
O primeiro se refere ao monólogo de Mello Aranha em frente à TV. O seguinte é sempre com a repercussão do programa da noite anterior, com comentários de espectadores por meio de cartas, mensagens de WhatsApp, posts em blogs, além de notícias de sites e jornais.
Exame de consciência
“Ele instaura esse diálogo como um exame de consciência, para que o público o ajude”, comenta o escritor de 87 anos. A parte que cabe ao protagonista, mesmo sendo um palavrório entre ele e a câmera, não enfastia, em momento algum, o leitor.
Em meio a suas confissões – como a vingança da ex, uma atriz famosa, que o traiu com o filho, “exilado” em Miami –, Mello Aranha traz suas observações do mundo. Cita fatos da história do Brasil, personagens mundiais, música, poesia, literatura. Fala, inclusive, da linguagem – da birra que Proust e Pedro Nava têm de parágrafos aos vícios que impregnam o mau português na atualidade.
Desbocado
“É um texto que fala de impunidade e injustiça, mas também divertido, pois o personagem é desbocado, sabe ser irônico e agressivo com quem o agride. Procurei uma coisa mais viva, que prendesse o leitor pela palavra”, comenta Ivan Angelo.
Mello Aranha, para ele, “é uma somatória dos donos das grandes empresas de comunicação do Brasil. Historicamente, são pessoas da grande burguesia, e este segmento social vem com seus valores. Ele bota todos em discussão e tem uma pequena evolução moral, compreende a culpa.”
Mello Aranha, para ele, “é uma somatória dos donos das grandes empresas de comunicação do Brasil. Historicamente, são pessoas da grande burguesia, e este segmento social vem com seus valores. Ele bota todos em discussão e tem uma pequena evolução moral, compreende a culpa.”
Por trás do protagonista que conduz a narrativa, “Vida ao vivo” tem uma intenção maior. “Lidar com as impunidades que existem no país. Por isso o livro mergulha no passado, pois ele é, basicamente, uma história de uma pessoa que busca justiça e resolve, ela mesma, fazê-la.” Falar mais desta personagem é entregar o ouro da trama, só esclarecido no derradeiro capítulo.
Plano de reedições
O novo romance sai pouco mais de um ano depois de “Sex shop miscelânea libidinosa” (Faria e Silva Editora), com contos, poemas e ensaios sobre sexo.
Ivan Angelo diz ter outros títulos esperando a vez de serem publicados.
Mas sua intenção primeira é reeditar “A festa” e “A casa de vidro” (novelas, de 1979), que estão esgotados. Espera, ainda, concluir os dois livros que, com a novela “Amor?” (1995, também vencedora de um Jabuti), formariam um tríptico.
Mas sua intenção primeira é reeditar “A festa” e “A casa de vidro” (novelas, de 1979), que estão esgotados. Espera, ainda, concluir os dois livros que, com a novela “Amor?” (1995, também vencedora de um Jabuti), formariam um tríptico.
Nascido em Barbacena, em 1936 – seu pai, policial militar, depois de participar da Revolução de 1932, foi destacado para aquela cidade, no mesmo batalhão em que Guimarães Rosa era capitão-médico – chegou a BH com 1 ano de idade.
Aqui ficou, depois de passar pela imprensa mineira (sua estreia foi no “Diário da Tarde”, extinto jornal dos Diários Associados), até 1965, quando se radicou em São Paulo, onde atuou, por muitos anos, no “Jornal da Tarde”.
Aqui ficou, depois de passar pela imprensa mineira (sua estreia foi no “Diário da Tarde”, extinto jornal dos Diários Associados), até 1965, quando se radicou em São Paulo, onde atuou, por muitos anos, no “Jornal da Tarde”.
Da chamada geração “Complemento”, da qual também fez parte o escritor, professor e crítico Silviano Santiago - que dividiu com ele sua estreia como ficcionista, a reunião de contos “Duas faces” (1961) – Ivan Angelo esperar retornar à cidade em breve para lançar “Vida ao vivo”.
“Meu reencontro com Belo Horizonte é muito ligado aos lugares do passado, de Santa Tereza, do Mercado Municipal. Vivia a cidade intensamente, de andar a pé. Hoje em dia, cresceu demais no sentido de imitar as grandes cidades”, comenta.
Trecho
“E para falar de quê, você vai perguntar. O que é que esse velho nojento tem para falar que interesse à gente? Muita coisa… Não tenho sócio ou conselho que me impeça, nem governo que me obrigue, nem audiência que me derrube, nem filho que me destrone. Um homem que está dormindo no colo da morte tem o dobro de poder. Eu não tenho nada a perder. Nada!”
“VIDA AO VIVO”
• Ivan Angelo
• Companhia das Letras (296 págs.)
• R$ 79,90 (livro) e R$ 39,90 (e-book)