Maria Antonia de Oliveira, a Vó Maria

Maria Antonia de Oliveira, a Vó Maria, teve 10 filhos, sendo oito mulheres, entre elas Carminha, a mãe de Bituca, que morreu quando ele tinha 2 anos

Vilma Nascimento/Divulgação

"Nos dias que passa com a família, a mãe, dona Lília, garante que Milton prefere a comida mineira: frango com quiabo e pernil de porco assado. Adora bolinhos e mandioca frita, empadinha de queijo e doce de leite. Só não come jiló. Mesmo assim, quando o artista iniciou um regime, dona Lília não deixou de aconselhar: tomar chá de jiló em jejum é a melhor receita para emagrecer."

Vilma Nascimento vivia no Rio de Janeiro em 1988. Assim que teve uma folga, foi visitar os parentes em Juiz de Fora. Levou com ela a edição 1.867 da revista "Manchete" que trazia reportagem sobre seu primo, Milton. A matéria foi realizada em Três Pontas, casa onde Bituca passou a infância com os pais, Lília Silva Campos e Josino de Brito Campos. "Levei para apresentar para a família de Juiz de Fora a família de Três Pontas. Conversando com minha irmã Vanda, percebemos que o Milton tem duas famílias", conta Vilma.

Este foi o início de um projeto que só se concretiza agora, 35 anos mais tarde. "De onde vem essa força - Histórias da família Nascimento de Minas para o mundo" (Letramento), livro assinado por Vilma, Jary Cardoso e João Marcos Veiga, recupera a trajetória da família biológica do cantor e compositor que completa 81 anos nesta quinta (26/10).

Ainda que seja Milton o grande nome dos Nascimento, a narrativa que o livro apresenta é, em grande parte, feminina. É a história, principalmente, de duas Marias. Maria Antonia de Oliveira, nascida em 1900, em Lima Duarte, mãe de 10 filhos (oito mulheres e dois homens), que viveu até os 80 anos. Oito dos filhos foram com o marido, Zé Narcizo. Boêmio incorrigível, foi abandonado por ela, que partiu, em meados da década de 1930, com toda a prole, para tentar a vida em Juiz de Fora.

A primogênita, nascida em 1918, era conhecida como Carminha. Maria do Carmo Nascimento deixou Juiz de Fora ainda menor de idade para tentar a sorte no Rio de Janeiro - seu primeiro emprego foi como doméstica. Em 1940, ela começou a trabalhar como cozinheira para a família de dona Augusta, que tinha uma pensão na Tijuca. No início de 1942, Carminha engravidou do motorneiro João, que trabalhava na linha Tijuca - o ponto do bonde era exatamente na porta da casa.

Maria do Carmo Nascimento, a Carminha

Única foto conhecida de Maria do Carmo Nascimento, a Carminha, mãe de milton, tirada para carteira de trabalho

 Album de Família/Reprodução

Adoção 

João era simpático, mas não queria nada sério. Em 26 de outubro daquele ano, nasceu o primeiro e único filho do casal, Milton. Carminha continuou trabalhando com dona Augusta enquanto o garoto era criado na casa. Dois anos mais tarde, morreu em decorrência de tuberculose. Da parte de Milton, a história é bem conhecida. Filha de dona Augusta, Lília, muito próxima do menino, acabou o adotando. 

A trajetória dos Nascimento continua, com outros personagens. Entre eles, Ercília, que também trabalhou na casa de dona Augusta. Aos 91 anos, ela é a única dos 10 filhos de Maria Antonia, a Vó Maria, ainda viva. E Vilma, de 75, prima de primeiro grau de Milton. Por conta própria, ela começou, no final da década de 1990, a ouvir casos de tios e primos. Foi sua irmã, Vanda, quem encontrou a carteira profissional da tia Carminha, com a única foto conhecida da mãe biológica de Milton. 

Por meio da pesquisa de Vilma e do marido dela, o jornalista Jary Cardoso, o também jornalista e historiador João Marcos Veiga (filho de Fredera, guitarrista do Som Imaginário, e sobrinho de Wagner Tiso) costura essas histórias. A obra mostra como Milton manteve uma relação com os Nascimento. O livro começa com uma feijoada em 1972, a cozinha a cargo de Vó Maria, e Fernando Brant, Gonzaguinha, Joyce, Nelson Ângelo entre os convidados dele. 

Vilma conta que falou com Milton sobre o projeto. O livro pronto ainda não chegou a ele, mas, muitos anos atrás, ele leu um esboço. Ali descobriu uma versão diferente sobre seu apelido. Segundo Ercília, foi dona Augusta quem nomeou o menino Bituca - a inspiração teria vindo de Pinduca, personagem de quadrinhos que tinha expressões parecidas com as do garoto.

Milton sempre afirmou que o Bituca foi dado pela mãe Lília - uma referência ao bico que ele fazia quando estava emburrado. As duas versões estão no livro. 

"Como historiador, entendo que a memória, a partir dos depoimentos, é complementar. O mais interessante, além de pegar momentos específicos, é dar um pouco de luz às pessoas que não existiam", comenta João Marcos Veiga. Ou que existiam, até então, apenas em canção. "Raça", letra de Brant para música de Milton, traz os versos: "Todas Marias, Maria Dominga/Atraca Vilma e Tia Ercília". 

Turnê de lançamento

"De onde vem essa força" terá eventos de lançamento em 2024, nas cidades que fazem parte da história de Milton e sua família: Belo Horizonte, Juiz de Fora, Lima Duarte, Três Pontas, Alfenas e Salvador. Locais e datas ainda não foram definidos, mas a ideia é que cada evento conte com a presença do trio de autores e tenha performances musicais. 

“DE ONDE VEM ESSA FORÇA”
• Vilma Nascimento, Jary Cardoso e João Marcos Veiga
• Editora Letramento (132 págs.)
• R$ 48 (na pré-venda, até hoje, no site da editora) e R$ 60 (a partir desta sexta, 27/10).