Rodolfo Olivieri, Daniel Kazahaya, Fabio Carezzato e Natasha Senço*
Especial para o Estado de Minas

A recente publicação no jornal Estado de Minasassinada pela psicanalista Regina Teixeira da Costa, aborda o psicodélico MDMA e o compara imprecisamente com um não psicodélico, a oxicodona, um opioide não psicodélico com alto potencial de dependência. Há cada vez mais evidências de que psicodélicos apresentam um perfil de baixíssima dependência e até mesmo potencial terapêutico para tratar o uso problemático de drogas.





O tema é de fundamental importância e ajuda a trazer a psicanálise de volta para o debate no qual todo o campo da saúde mental já parece estar. De volta, pois nas décadas de 1950 e 1960 houve uma prolífica investigação de substâncias psicodélicas, como LSD, mescalina e psilocibina. Centenas de artigos psicanalíticos foram conduzidos nas Américas e Europa. Inclusive nossos vizinhos argentinos produziram artigos e livros sobre o tema, com a construção de uma clínica com mais de uma década de atividade e milhares de atendimentos.

Psicodélicos têm o potencial de promover associações livres, insights e experiências místicas. O MDMA, substância parcialmente distinta em seu efeito, é atualmente pesquisado por seu potencial terapêutico, sobretudo com vítimas de estresse pós-traumático.  

É inevitável questionar: por que tais substâncias não deveriam ser exploradas de forma responsável e terapêutica? Atualmente, muitos indivíduos ao redor do mundo estão buscando essas experiências em contextos diversos. Além disso, há um número crescente de pessoas que, apesar das restrições legais em países como o Brasil, buscam vivenciar tais efeitos e posteriormente discutir suas experiências em um ambiente analítico seguro.

Esse debate carrega consigo uma possibilidade de superação de antigas e falsas dicotomias dentro do campo conhecimento e da ciência e propor mais modelos integrativos. Mais união do que ruptura, mais pluralidade do que puritanismo. Se a psicanálise se dedica a desvendar as narrativas humanas, desde sonhos e fantasias até medos e traumas, por que não incorporar as narrativas originadas de experiências induzidas?

Ao longo dos anos, muitas pessoas relataram transformações significativas após experiências com psicodélicos. A psicanálise, por sua vez, fornece um meio poderoso de integrar e entender essas transformações, promovendo a saúde mental e o autoconhecimento. Talvez seja um momento oportuno para recordar que a psicanálise nasceu de um estado alterado da consciência. Não era um psicodélico que Freud usava, mas sim a hipnose. A psicanálise, gostem ou não, é filha do estado alterado da consciência.





Olhar para os psicodélicos, incluindo o MDMA, apenas como substâncias que diminuem resistências ou aumentam a empatia é uma simplificação. Eles têm muito a oferecer no entendimento da interseção entre estética, somática, sonhos e a percepção alterada da realidade. 

Estados alterados de consciência já estão no escopo de trabalho do psicanalista, vide a associação livre, a atenção flutuante, os sonhos, os lapsos e as dissociações. Nós, os psicanalistas, somos diariamente convocados à conexão e à empatia, aceitando e utilizando como ferramenta de trabalho.

Em uma época em que a relação entre psicanálise e ciência está sob discussão, é imprescindível nos mantermos de mente aberta. Em vez de recusar novos saberes e perspectivas, o campo deveria se aprofundar e explorar esses territórios, pois, ao fazê-lo, pode descobrir novos campos de atuação e perpetuação. 





"Em dia com a psicanálise"

Em sua coluna dominical publicada no Estado de Minas “Em dia com a psicanálise”, Regina Teixeira da Costa escreveu, no último dia 15, sobre “Ecstasy e psicanálise”. Em seu texto, afirmou que o uso de substâncias psicodélicas não é próprio do tratamento psicanalítico. “Jamais a psicanálise se beneficiará desse recurso, pois sua ética não é a da empatia, é a da transferência. Entre analista e paciente existe um que escuta como operador lógico aquilo que o outro fala, para traduzir o que do inconsciente surge ali. O analista não está ali com sua pessoa para trocas afetivas e de opiniões.

Se é de psicanálise que se trata, não cabe incluir droga da felicidade, estimulante sexual ou qualquer outro produto para levar o paciente ao trabalho. Trabalho árduo, que lida com a dor existencial que não pode ser negada ou anestesiada – e, sim, atravessada. Não desejamos facilitar, porque sabemos que não é fácil. Não precisamos negar limites nem extrapolar barreiras éticas, pois nosso foco é aceitar a vida como ela é”, escreveu.


*Rodolfo Olivieri é psicólogo, psicanalista e pesquisador de psicodélicos na Unicamp; Daniel Kazahaya é psicanalista e psicólogo, doutorando em Ciências Médicas pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Fabio Carezzato é psiquiatra e psicanalista, atualmente trabalha no Centro de Álcool e Drogas do Instituto Perdizes, do Hospital das Clínicas (USP). Natasha Senço é médica, com residência em psiquiatria, membro da Rede de Psiquiatria e Psicanálise do Corpo Freudiano - Núcleo São Paulo.

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