Tiradentes – “Não sou ficcionista nato. Não tenho a menor imaginação (para criar uma história). Eu nasci para pesquisar”, disse Ruy Castro durante a mesa-redonda Corações e Mentes, realizada no sábado (28/10), como parte da quarta edição da Feira Literária de Tiradentes (Fliti), explicando o motivo de preferir escrever biografias em vez de ficção. E foi justamente sobre a escrita biográfica que o jornalista, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) conversou com o Estado de Minas.
“O biógrafo tem que se mudar para a vida da pessoa que ele está escrevendo”, justifica Ruy. Metódico e detalhista, o escritor entra de cabeça no mundo de seu biografado, criando pastas no computador referentes a cada ano de vida do personagem, com histórias, fotos e entrevistas feitas com quem conviveu com o biografado naquela época. Quando pesquisava a vida de Carmen Miranda, por exemplo, só ouvia músicas da cantora portuguesa radicada no Brasil. Foram cinco anos ouvindo somente a Pequena Notável para desespero de Heloísa Seixas, sua mulher, e da filha Júlia.
Muitos dos métodos de pesquisa e produção de biografias utilizados por ele foram herdados do seu tempo de repórter em jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Contudo, garante ele, um bom repórter não é necessariamente um bom biógrafo.
Sem gravador
Em suas entrevistas, nunca usou um gravador. Mesmo quando entrevistou Elza Soares para a biografia de Garrincha – entrevista que teve 500 perguntas – Ruy não gravou. O aparelho, segundo ele, inibe os entrevistados, sobretudo aqueles que não estão acostumados a falar com a imprensa.
“Se você pega, por exemplo, um Tom Jobim, ele já era acostumado a dar entrevistas. Portanto, não se sentia intimidado em falar diante de um gravador. Agora, quando você vai entrevistar uma pessoa mais simples, que conviveu com o personagem da biografia, ela vai ver o gravador e pensar: ‘Tudo o que eu disser aqui vai ficar registrado para sempre’. Então ela começa a medir as palavras e perder a naturalidade”, explica o biógrafo.
São essas pessoas desacostumadas com a imprensa, inclusive, que ele prefere entrevistar. Delas, diz o escritor, saem os melhores casos e as melhores histórias a respeito do biografado.
Ainda que prefira escrever sobre pessoas que já morreram – e, mesmo assim, depois de “esperar não só o cadáver esfriar, mas virar pó”, conforme costuma brincar –, por não haver nenhum tipo de autocensura e constrangimento por parte do biógrafo, Ruy Castro não se opõe às biografias de personalidades que ainda estão vivas.
Defesa da narrativa de vida
Até mesmo as autobiografias, que tiveram um boom a partir de 2021, o imortal vê com bons olhos. “Sou a favor que todo mundo escreva sobre si mesmo e também que outros escrevam sobre essas pessoas”, diz. “Acho que, quanto mais tiver narrativa de vida, melhor pra todo mundo”.
Desde que começou a se dedicar à escrita de livros, em 1990, com “Chega de saudade”, sobre o surgimento da Bossa Nova, Ruy já publicou 40 títulos, quase todos do gênero biografia. São dele, por exemplo, as biografias de Carmen Miranda (“Carmen – Uma biografia”), Nelson Rodrigues ("O anjo pornográfico") e Garrincha (“Estrela solitária – Um brasileiro chamado Garrincha”). Também escreveu sobre a vida de pessoas marcantes para o Bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, e para a cultura brasileira entre as décadas de 1910 a 1970, no livro "Ela é carioca", e o desenvolvimento artístico e cultural do Rio de Janeiro dos anos 1920, em “Metrópole à beira-mar”.
Mais recentemente, em 2021, ele voltou à década de 1920 para fazer uma antologia da produção literária, poética e jornalística dos escritores dessa época, no livro “Vozes da metrópole: Uma antologia do Rio dos anos 20”.
Segredos do novo projeto
Na ficção, Ruy escreveu “Os perigos do imperador”, onde colocou Dom Pedro II como alvo de uma conspiração antimonarquista, e “Bilac vê estrelas”, livro que apresenta ao leitor uma trama singular, envolvendo o poeta parnasiano, o abolicionista José do Patrocínio, aeronautas franceses e uma espiã portuguesa.
“Mas, se você reparar bem, até meus livros de ficção não são totalmente de ficção. Eles têm personagens reais e partem de algo que realmente aconteceu”, defende-se Ruy, repetindo não ser um ficcionista nato, durante a mesa que participou na Fliti, junto à esposa e também escritora Heloísa Seixas,
Para os próximos anos, ele vai lançar um livro que trata sobre algum episódio específico da Segunda Guerra, que ele prefere não adiantar, mesmo com pedidos insistentes deste repórter. “Já estou trabalhando nisso há três anos, não quero que ninguém roube minha ideia”, brincou Ruy Castro, mas, claro, com sincera preocupação.
* O jornalista viajou a convite da Fliti
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