As aventuras de Pauleco e Sandreca no planeta Água, espetáculo que une pela segunda vez o Giramundo e o Palavra Cantada, deverá marcar de formas distintas as trajetórias dos dois grupos. Para a companhia de teatro de bonecos de Belo Horizonte, a montagem, com estreia prevista para agosto, no Sesc Palladium, reflete o pensamento e a preocupação da trupe com o meio ambiente e o próprio futuro.
“Nos faz pensar como os nossos bonecos serão construídos colaborando para a preservação do meio ambiente. Este espetáculo vai marcar também porque, com ele, aprendemos a trabalhar e a construir bonecos com material reciclável”, afirma Beatriz Apocalypse, diretora-artística do Giramundo. No ano que vem, o grupo comemora 50 anos de existência. “Para nós, é o primeiro musical do Palavra Cantada, o que é um desafio”, diz Sandra Peres, que, há 25 anos, formou dupla com Paulo Tatit. Hoje, o Palavra Cantada é uma referência em arte-educação para crianças no Brasil.
Beatriz Apocalypse conta que a vontade de fazer um trabalho conjunto vem de longe, desde que o Palavra Cantada esteve em temporada com Ramon e Maraó, em 2008. A ideia sempre foi reunir a música de um e os bonecos do outro. Mas a aproximação no primeiro trabalho deixou claro que os dois grupos tinham sintonia também quanto a outras preocupaçãoes.
“Sandra e eu nos tornamos muitos próximas em vários aspectos, entre eles a questão ambiental”, comenta Beatriz, citando o mote que uniu os dois grupos no musical. “Paulo (Tatit) e eu tínhamos material composto para o tema água. Mas, para fazer um espetáculo só de água, não tinha sentido. Optamos então por uma história com os bonecos do Giramundo mais as canções de que o público gosta”, diz Sandra. “Poderíamos simplesmente ter as canções, mas o foco de educação, educação ambiental no momento em que vivemos é fundamental”, diz ela. Sandra avalia que é importante, urgente e necessário que os pais levem a mensagem para casa e os professores, para a sala de aula. “Que seja cada vez mais um tema incorporado ao dia a dia, especialmente por causa do aquecimento global. Todos devemos saber como tratar a água no dia a dia.”
Na semana passada, Sandra e Paulo estiveram na sede do Giramundo em Belo Horizonte para a gravação de vídeos, ajustes de figurino e, cereja do bolo, conhecer as versões em boneco de cada um dos dois. “O encontro foi um tapa na cara. Quando eu os vi, a coisa manifestada, andando, foi impressionante. Encontrá-los pela primeira vez foi amor à primeira vista. É muito emocionante”, derrete-se Sandra. “De repente, você se esquece de que são bonecos. Os marionetistas entram na personalidade deles”, comenta Paulo.
BODAS DE PRATA O espetáculo com o Giramundo é apenas um dos projetos previstos para marcar os 25 anos do Palavra Cantada. Ao fazer um balanço de duas décadas e meia na produção de discos, livros, vídeos, agora estendida para aplicativos e um canal no YouTube, Sandra comenta que a dupla foi simplesmente fazendo o seu trabalho, sem o direcionamento de uma visão comercial. “Uma missão não só cumprida, como também comprida. E não acaba por aqui, porque tem muita criança nascendo todo dia”, afirma.
“Os temas da sociedade se renovam a cada momento. Estamos falando sobre água, tema ao qual até há pouco tempo não se dava tanta ênfase. A gente está se revendo. Chegamos muito além do que podíamos imaginar. Sempre trabalhando, trabalhando.” Tatit completa: “Desde o primeiro disco (Canções de ninar), sempre fomos muito orgânicos. Dedicamos muito tempo aos nossos projetos, com uma pretensão musical de que a coisa sempre ficasse bem redonda, com qualidade musical no canto.”
Em um mundo cada vez mais tecnológico, Sandra e Paulo acreditam que, assim como ferramentas da internet, livros e discos ainda são importantes para atingir a criança. “A comunicação da criança não mudou. Ela continua a gostar de cantar, de ouvir história, de brincar na água. Esses suportes só ampliam a possibilidade de a criança chegar mais perto da nossa música”, diz ela, lembrando que o canal do YouTube (Palavra Cantada Oficial) tem mais de 950 mil inscritos.
RECICLAGEM Para construir os cerca de 40 bonecos que estarão em cena, no palco ou por meio de animação em vídeo, o Giramundo precisou aprender a trabalhar com material descartado na natureza, matéria-prima para os bonecos. “Assim poderíamos mostrar principalmente para as crianças que esses objetos podem se transformar em bonecos e coisas legais”, diz Beatriz Apocalypse. Ela admite que foi muito complexo trabalhar com esse tipo de material, que ocupou cinco metros quadrados do ateliê do grupo de teatro.
Muita coisa foi garimpada da Asmare, em Belo Horizonte, e em outra associação de São Paulo. Beatriz chama a atenção para o fato de que a garrafa PET não é a única vilã do meio ambiente. “Roupas, brinquedos, plástico, latas, objetos de casa, tudo isso é um grande problema. Fiquei muito impressionada com o que selecionamos.”
A PET também foi a que mais exigiu tempo de pesquisa. Foram três semanas de muita paciência e estudo para a criação do Trompet. O figurino dos marionetistas também adota o método da reciclagem. Depois de garimpadas em brechós da cidade, todas as peças pretas serão refeitas para o espetáculo. Para chamar ainda mais a atenção do público para a necessidade de reaproveitar tudo ao nosso redor, um boneco será construído para receber doações na entrada dos teatros em que o musical for apresentado.