Um puxão de orelhas nos filhos, para que percebam a tempo a necessidade de acolher os pais em todos os sentidos. Foi essa a motivação do escritor gaúcho Fabrício Carpinejar ao escrever Família é tudo (Bertrand Brasil), já em fase de pré-venda. “Na verdade, este é uma continuação do anterior, Cuide dos pais – Antes que seja tarde (Bertrand Brasil), um livro delicado, dedicado à velhice dos pais. Meus pais, os escritores Maria Carpi e Carlos Nejar, já estão com 80 anos e, pela primeira vez, tive a consciência de que o tempo deles está se escoando”, reconhece.
Ele lembra que foi a partir daí que lhe bateu uma urgência de cuidar, estar com eles, de ser mais tolerante. “Na realidade, com o passar dos anos, acabamos nos tornando pai dos nossos pais. A questão é que não nos preocupamos em acolhê-los, porque, antes disso, não era costume. Por outro lado, os pais viviam menos. Hoje há uma longevidade, o que traz o impacto na nova vida familiar.”
Carpinejar acredita que esse fator levou muitos a repensarem o núcleo da família. “É preciso planejar a velhice deles, parar um pouco a nossa vida, reduzir o ritmo do trabalho. À medida que temos uma casa, temos de pensar nela com um quarto para os pais. Mas acontece que não pensamos, fugimos dessa responsabilidade, porque entendemos os pais como funções: o pai e a mãe. No fundo, só queremos receber, lidamos com os pais como provedores”.
Como o novo livro é continuação do anterior, Carpinejar busca desdobrar reflexões acerca dos pais, avós e filhos. “É a maturação do meu processo de ser um bom filho, porque tinha percebido que não estava sendo, que odiava meus pais, que não os conhecia e que eles eram estranhos íntimos. Os filhos acabam realizando uma omissão de socorro. Por outro lado, os pais não têm medo da morte, mas, sim, da solidão. Querem ouvir do filho 'estou aqui, pai, estou aqui, mãe'. Só não querem ir para o outro lado sem segurar a mão do filho”.
O escritor busca explorar o tema numa narrativa com histórias, reflexões que reconhecem o papel de quem cuida. “Até hoje, minha mãe me espera na janela. Se digo que vou visitá-la às 16h, fica me esperando desde as 15h30. Digo, mãe, vou apertar o interfone, mandar um WhatsApp, mas ela não muda. Falo para que não perca tempo me esperando e ela diz: 'Eu quero lhe ver duas vezes, chegando e chegado'. E faz questão de me ver dobrando a esquina”.
PRESENÇA
Carpinejar diz que, para ele, há uma recuperação desse mundo paterno e materno em que nem todos se enxergam. E reconhece suas falhas. “Só nos damos conta quando perdemos. Quando fui levar meu pai ao médico, ao preencher o prontuário percebi que não sabia nada dele. Se tinha alergia a alguma medicação, se tinha feito alguma cirurgia, quais remédios tomava, o tipo sanguíneo”.Foi a partir daquele dia que chegou à conclusão de que era filho, mas não amigo do pai. “Ele me sabia de cor, mas eu não sabia ele de cor. Passamos a metade da vida fugindo deles e a outra procurando-os. Os pais não querem muito. Não querem nada nababesco, faraônico, querem que os filhos cheguem à casa deles de surpresa.”
O autor vê gestos simbólicos na presença no café da tarde. “Não damos conta do tempo que a gente pode devolver, só do que a gente quer consumir. Não temos a gratidão, e isso é o que mais falta hoje. Quem tem gratidão perdoa com mais facilidade. O único jeito de curar lembranças tristes não é ficando longe, é continuando a conviver, criando lembranças felizes”.
FAMÍLIA É TUDO
De Fabrício Carpinejar
Editora Bertrand Brasil
176 páginas
Preço: R$ 34,90