Declaração de amor por comida? Sim, o bacon talvez seja o ingrediente com a maior legião de fãs e quem gosta não esconde a sua paixão. Alguns até falam que bacon é vida. Na cozinha, goste ou não, a barriga de porco curada e defumada significa sabor, mas também pode ser suculência ou crocância. Ou seja, não faltam motivos para incluir bacon em receitas, inclusive doces, seja sozinho, como acompanhamento ou “apenas” para aguçar o paladar.
Bacon é uma paixão nacional, confirma Kiki Ferrari. Na opinião do chef, o sabor defumado aciona uma memória afetiva primitiva, que tem a ver com comida no fogo e na lenha. “E o mineiro tem isso forte na cultura, porque sempre foi mais fácil encontrar porco que boi. Então, onde puder colocamos bacon, no tropeiro, no tutu e até na macarronada”, observa.
O chef encontrou uma forma surpreendente de incluir a barriga de porco no cardápio do Espaço Do Ar. Lá, o bacon cozido é servido como se fosse carne de panela. Segundo Kiki, o melhor é trabalhar com uma peça mais carnuda e que tenha um sabor mais suave de defumação. “Inspirei-me em alguns pratos asiáticos de barriga de porco braseada. Por isso, gosto de cozinhar com especiarias como anis-estrelado e gengibre.”
Para que fique bem macio, o bacon deve ser braseado por pelo menos duas horas e meia. “O ideal é fazer um cozimento lento, em temperatura baixa e constante, evitando ferver, para manter a estrutura do bacon, sem destruí-lo.” Depois, a carne volta para a panela para caramelizar com molho barbecue de pimenta biquinho com cachaça curtida no carvalho. Versão mais moderna de comida de boteco, o prato ainda tem farofa de biscoito de polvilho, picles de maçã e pão tipo rosca de canela.
Indo para o lado doce, Kiki já fez caramelo de bacon para servir com sorvete. O chef frita a carne até soltar toda a gordura e depois coloca açúcar para caramelizar.
Produzir o próprio bacon faz todo o sentido no Coal Bar-B-que Market, casa especializada em churrasco defumado. Utiliza-se sal, pimenta-do-reino, açúcar e sal de cura (aditivo da charcutaria) para curar a carne de porco. A manta fica 14 dias em câmara fria, depois passa pelo processo de defumação por 72 horas, em baixa temperatura, no pit smoke (tipo de churrasqueira). “Usamos a lenha de macieira, que tem um sabor cítrico e também deixa um adocicado no fundo”, diz o sócio André Prates.
O bacon artesanal é a estrela de uma porção do cardápio. A ideia é comer as tiras fatiadas puras. Quem preferir pode escolher de um a três acompanhamentos da casa, entre eles batatas cozidas, espiga de milho, feijão defumado e salada de repolho coleslaw. “Não sei explicar por que, mas o bacon mexe com o paladar das pessoas”, observa André. O bacon também vira geleia para complementar o hambúrguer com pão defumado, brisket (peito bovino), queijo prato, sour cream e cebolinha.
TÁBUA DE FRIOS No Baixo Lourdes, outra casa dos sócios, o bacon cru é fatiado bem fininho para fazer parte de uma tábua de frios com outros defumados artesanais.
Sempre que pode, Janaína Barrozo, do Cabernet Butiquim, usa bacon em suas receitas. E tem que ser artesanal. “Como não trabalhamos com lenha ou churrasqueira, ele ajuda a dar um gostinho a mais”, comenta. A chef criou uma farofa de bacon para servir com o short rib de carne angus. Ela doura a barriga de porco na manteiga, depois coloca cebola para caramelizar e finaliza com farinha de mandioca da Bahia. Nessa receita, sobressai a crocância do bacon. Para completar o prato, banana-da-terra frita.
O bacon também aparece na farofa de feijão de corda, misturado a pedaços de linguiça defumada, um dos acompanhamentos de um prato com influência do Norte de Minas, com carne de sol e queijo coalho. Janaína ainda aproveita o sabor da barriga de porco para incrementar o tropeiro e o tutu da casa. Há mais tempo, a chef teve a ideia de fazer risoto de chuchu com bacon.
Produção artesanal
Para fugir dos industrializados, Fagner Rodrigues, pedagogo por formação, começou a fazer bacon em casa. Alguns cursos depois, ele se envolveu definitivamente com a charcutaria e decidiu investir na produção para venda. Todo o processo é artesanal. “Trabalho com defumação indireta, com fumaça, madeira específica e temperatura controlada. No fim, tenho um produto mais concentrado em sabor”, aponta o chef do Culinária de 2, do qual faz parte a sua esposa, a confeiteira Carol Mesquita.
Fagner cobre toda a barriga de porco fresca com um mix de sal, açúcar, pimenta-do-reino, zimbro e páprica. A carne fica curando na geladeira por cinco dias. “Depois limpo a peça para tirar o excesso de sal, jogo um pouco de pimenta com páprica para dar cor e levo para o defumador”, detalha. O chef construiu o seu próprio pit smoke para defumar o bacon, durante seis horas, em lenha de goiabeira, que transfere um tostado um pouco mais acentuado que outras madeiras.
Na etapa seguinte, o bacon volta para a geladeira (o processo é o mesmo do churrasco, a carne precisa descansar para que os líquidos se estabilizem). Depois divide as porções e embala a vácuo. Em suas receitas, Fagner costuma usar pó de bacon, que nada mais é do que bacon torrado e processado no pilão. Ele tempera desde um prato com tilápia grelhada, cuscuz marroquino com legumes e mousse de casca de limão siciliano até brownie de chocolate branco. “Em algumas pessoas pode causar estranhamento, mas ele traz um sabor defumado interessante.”
O chef do Kanpai, Célio Dias, concorda que bacon combina com peixe. Até mesmo em um prato japonês. “Hoje em dia a culinária japonesa abrange muitas culturas e vamos dando o nosso jeitinho brasileiro. Então, nada melhor que usar um ingrediente que é a nossa cara”, avisa. Na última semana, entrou no cardápio do restaurante um medalhão de peixe.
Cubos de peixe branco são enrolados em fatias cruas de bacon. Célio costuma usar o Saint Peter, porque ele absorve melhor o sabor defumado. Em seguida, o medalhão é grelhado na chapa com manteiga. “O bacon demora para ficar tostado, então o peixe não fica cru”, informa. Para finalizar, molho de ervas frescas, com cebolinha, salsinha, um pouco de hortelã e azeite. A ideia é comer numa única bocada, como se fosse um sushi, só que quente.
Bacon de panela com picles de maçã e farofa de biscoito de polvilho
Ingredientes
500g de bacon cortado em um quadrado grande; 100g de gengibre picado rusticamente com casca e tudo; 3 anis-estrelados; 215g de maçã fuji em fatias finas; 45g de açúcar; 60ml de vinagre tinto; 0,5g de açafrão; 15g de biscoito de polvilho; 1 colher de chá de manteiga; 200ml de molho barbecue de pimenta biquinho e cachaça; 2g de cebolinha picada fininha na diagonal ao estilo japonês
Modo de fazer
Cozinhe o bacon por 2,5 horas na panela em fogo baixo com o gengibre e o anis-estrelado até ficar bem macio. Espere chegar na temperatura ambiente e resfrie na geladeira para manipular sem desmanchar. Para o picles de maçã, salteie a maçã levemente em frigideira quente com açúcar, vinagre e açafrão. A textura deve ser “al dente”. Conserve na geladeira no próprio caldo. Para a farofa de biscoito de polvilho, triture rusticamente com a mão ou pulse no liquidificador deixando flocos de tamanho razoável. Torre em fogo baixo na manteiga. Cubra o bacon com o molho barbecue em uma frigideira. Aqueça e caramelize o bacon regando com o molho até ferver por 5 minutos. Coloque o quadrado de bacon no meio do prato. Cubra com molho barbecue de pimenta biquinho e cachaça. Coloque um montinho do picles de maçã. Coloque um pouco de farofa de biscoito de polvilho ao lado. Decore com um pouco de cebolinha entre a farofa e o bacon. Sirva com pãezinhos de canela.