Não vale ter pressa nem restrição a novos sabores. É preciso esperar o dia da fornada e fazer o pedido considerando um cardápio que muda sempre. Aos poucos, os belo-horizontinos se acostumam e apoiam um jeito diferente de consumir pães. Paciência também é exigida por quem está do outro lado. São os padeiros artesanais, que resgatam técnicas de antigamente, entre elas a fermentação natural, para oferecer um produto com mais sabor e qualidade.
Os pães artesanais estão diretamente ligados ao processo de fermentação natural (levain em francês ou sourdough em inglês). É preciso esperar até dois dias para que os micro-organismos quebrem as enzimas da massa. “Muitas pessoas pararam de consumir pão por causa do glúten, mas, quando você tem uma fermentação lenta e natural, ele já é pré-digerido”, explica Roberta Bretas, bióloga por formação, que aplica a sua pesquisa em fermentação de cachaça nos pães.
O fermento normalmente é feito a partir de casca de frutas, no caso dela maçã. Roberta não usa nenhum aditivo para acelerar o processo de fermentação, por isso o pão pede mais tempo para ficar pronto. A bióloga e padeira chama de terapia do pão. “Quando você coloca a mão na massa, não tem resultado na hora, então começa a ter paciência para lidar com os problemas do dia a dia.” Em compensação, o pão fica com casca crocante, sabor levemente azedo e mais saudável.
Roberta conheceu o pão sourdoghu em viagem a São Francisco, na Califórnia, e, como não encontrava fácil por aqui, resolveu fazer para consumo próprio, depois para vender. Ela trabalha com uma fornada por semana, cada uma diferente da outra. Entre os mais de 40 tipos de pães, os mais pedidos são o sourdoghu básico, o de azeitonas, o de queijo canastra (que vai em pedaços levemente derretidos na massa) e o de cacau com gotas de chocolate.
Além de tocar a padaria artesanal, Roberta dá cursos na sua cozinha para ensinar a fazer pão de qualidade em casa. De utensílios, não é exigido nada muito complexo, apenas bowl, espátula, uma panela de ferro (que simula um forno profissional) e colocar a mão na massa mesmo. “Para ter um bom pão, você tem que entender todas as etapas, desde a mistura da massa até fermentação e como assar corretamente. Pão é um alimento vivo antes de assar”, descreve.
Arquiteta que sempre gostou de cozinhar, Renata Rocha decidiu fazer pães assistindo a um documentário. “Pão é um dos alimentos mais fundamentais no processo civilizatório, que alimenta as sociedades há séculos, mas, por causa da produção industrial, passou a ser malvisto. Pensei: preciso mudar isso”, conta. Na época, quase não se falava sobre fermentação natural em Belo Horizonte, então ela começou uma investigação por conta própria até se sentir preparada para o ofício de padeira.
Renata começou com encontros em casa, em que abria uma garrafa de vinho, fazia pão na panela e ensinava receitas. Mas logo ela sentiu necessidade de aumentar a produção, comprou um forno de verdade e criou a marca Albertina Pães Especiais, uma homenagem à sua avó italiana, “uma grande memória de cozinha”. “Acabei indo para a Toscana, na Itália para me formar em padaria. Lá foquei só em pão artesanal, usava forno a lenha, foi uma formação muito legal”, destaca.
SURPRESA Todos os pães são de fermentação natural e Renata sempre usa farinha italiana, de preferência orgânica. O cardápio varia de acordo com a sazonalidade dos ingredientes, então cada fornada é uma surpresa. Um dos mais pedidos é o sourdough, também chamado de pão de campanha, que pode ganhar sabor de nozes e tâmara ou laranja e erva doce. A arquiteta e padeira trouxe da Toscana uma receita de focaccia com uva e uma de fougasse (em forma de folha) com lavanda e mel.
Para Renata, o mais fascinante nos pães é a questão do tempo e do fazer com as mãos. “O ofício do arquiteto, na contemporaneidade, foi se distanciando do fazer com as mãos e do tempo de criação, e sentia muita falta deste lado. No caso do pão, existe um tempo da fermentação, e não é só o tempo cronológico definido, tem relação com a natureza, se está frio, quente ou chovendo”, analisa a padeira, que leva este ensinamento para a vida: “a gente tem que ser dono do tempo, e não o contrário”.
Volta no tempo
Farinha, água, fermento e sal. Uma receita tão simples que se transforma em um dos alimentos mais antigos da humanidade. Pesquisa da Universidade Paris-Sud, da França, resgata a história do pão e confirma ela passa por todas as civilizações. Os seres humanos comem grãos, especialmente trigo, há milhares de anos. Há relatos de que povos da Jordânia faziam um tipo de pão há mais de 14 mil anos. Com o tempo, tornou-se o alimento básico em muitos países.
Pelo nome, já dá para entender a proposta da Ancestral Padaria Artesanal, que quer voltar no tempo. “A maioria dos pães têm aditivos, muitos desnecessários, e aqui trabalhamos com o mínimo de ingredientes. Atualmente tem se falado sobre consumir alimentos mais simples, mais íntegros e menos processados”, aponta a chef e padeira Luiza Oliveira, que trocou o estresse da cozinha de restaurante por um ofício que exige paciência e tranquilidade.
Luiza se juntou ao amigo Cristiano Souza, que também tinha vontade de fazer pão à moda antiga, principalmente por causa do sabor. “As padarias de bairro nunca vão deixar de existir, mas as pessoas estão cada dia mais preocupadas com a alimentação e o efeito que ela causa. A fermentação natural tem mais benefícios para a saúde, além do sabor”, pontua. Todos os produtos são assados num único dia, sempre sob encomenda, assim se trabalha com zero desperdício.
Na Ancestral, os pães são naturalmente veganos, ou seja, não levam leite nem derivados. Baguete sempre tem, porque é um clássico, mas Cristiano considera o sourdough, fermentado por 30 horas, o mais especial. “Ele é bem simples, só acrescentamos grãos (semente de girassol, chia, linhaça e gergelim para ter a nossa cara”, detalha Cristiano. O cardápio conta também com pão pesto, que leva manjericão, azeite e nozes, e pão de chocolate meio amargo, que derrete no forno.
Albertina Sourdough
(Renata Rocha)
Ingredientes
325g de farinha forte para pão; 150g de farinha integral; 25g de farinha de centeio; 400g de água gelada; 100g de fermento natural (levain); 10g de sal
Modo de fazer
Refresque o fermento por aproximadamente 5 horas antes de iniciar a autólise. Faça o teste da flutuação com o levain (se flutuar na água, já pode usar). Misture as farinhas e 390g da água gelada. Deixe em autólise por 30 minutos. Misture o levain e deixe descansar por 30 minutos. Misture o sal e o restante da água (10g) e descanse por 30 minutos. Recheie a massa, se desejar, e descanse por 30 minutos. Faça a dobra 1 e descanse por 30 minutos. Faça a dobra 2 e descanse por 30 minutos. Faça a dobra 3 e descanse por 30 minutos. Divida a massa (pré-modelagem) e deixe descansar por 10 minutos. Modele a massa. Leve para a segunda fermentação no cesto, na geladeira, por até 14 horas. Asse na panela quente em forno a 250 graus, sendo 20 minutos na panela tampada e mais 10 a 20 minutos na panela aberta.