O título veio, mas este não é o fim da história. Depois de ser reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como cidade criativa da gastronomia, Belo Horizonte se organiza para dar continuidade ao trabalho com projetos, ações e boa comida. A ideia é que chefs, empresários, produtores e outros integrantes da cadeia produtiva se unam ainda mais por um objetivo em comum: atrair turistas pelo paladar.
O que muda com o título? Antes de mais nada, o presidente da Belotur, Gilberto Castro, entende que a conquista é um afago ao mineiro e reforça o sentimento de pertencer a algo tão importante que é a gastronomia. “Para a autoestima é muito legal e, sem sombra de dúvidas, o título tem um papel importante de reposicionar BH como uma das grandes cidades do país e estimular a sua promoção através da gastronomia”, analisa. Segundo dados da Organização Mundial do Turismo, 88% dos destinos do mundo consideram a gastronomia como elemento estratégico para definir a sua imagem.
BH se junta a Belém (PA), Florianópolis (SC) e Paraty (RJ) na lista brasileira de cidades criativas da gastronomia. Em todo o mundo, 246 cidades de 72 países integram a Rede de Cidades Criativas da Unesco em sete áreas. “Ao ingressar nesta rede, as cidades se comprometem a compartilhar as melhores práticas com o objetivo comum de desenvolver a indústria criativa. Acho que nunca é demais aprender e trocar experiências”, pontua Gilberto.
Ivo Faria, do Vecchio Sogno, compara o título de cidade criativa a estar na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo. A partir deste momento, todos entendem que ali existe algo de especial. Para o ele, o próximo passo deve ser pensar em como melhorar ainda mais a gastronomia para fazer jus ao título. Neste caso, cada um tem que fazer a sua parte. “BH está fazendo um belíssimo trabalho, com comida criativa, de excelência, e este é um diferencial muito grande.”
O chef sempre fez muito pelo seu estado. Por onde passa, ele divulga a comida mineira e avisa que agora vai fazer questão de falar sobre o título de BH. No restaurante, Ivo apresenta pratos que mostram uma interessante fusão da cozinha italiana com a mineira. Ele chega a sabores regionais através da escolha dos ingredientes. Por isso, gosta de usar taioba (que pode virar nhoque), maria-gondó, umbigo de bananeira, chuchu, jiló e muita carne de porco.
Chef do Birosca, Bruna Teixeira considera justo BH receber o título, já que aqui temos uma das gastronomias mais ricas do Brasil. “Esta conquista abraça todo mundo que serve comida mineira de alguma forma, seja tradicional ou contemporânea, como no meu caso, que tem uma assinatura atual em cima do resgate da nossa riqueza”, comenta.
Bruna tentou sempre elaborar pratos que resgatam alguma herança que vem da presença das mulheres no fogão. “Não mudo muito isso, aprendemos e reconstruímos alguns detalhes. Não estou inventando a roda, nós chefs temos que ter esta responsabilidade de preservar a história.” No novo cardápio, ela incluiu uma receita de bolo de mandioca cremoso com coco (que lembra quitanda mineira, só que salgada) e molho de queijo da Serra da Canastra. Para completar, carne de sol desfiada.
SUFLÊ O clássico lanche mineiro de pão de queijo com linguiça virou suflê no Birosca. Bruna aprendeu a receita francesa quando fez estágio no Taste Vin. Ela troca o queijo gruyère pelo canastra e acrescenta pão de queijo rasgado e pedaços de linguiça. Resultado: a entrada mistura França e Minas, tradicional e contemporâneo.
A receita de fígado acebolado com jiló também ganhou uma versão moderna. “Faço uma mousse de fígado de galinha encapsulada em geleia de jabuticaba. Vira um bombom salgado para partir com faca e passar no pão”, explica. Bruna serve o fígado de galinha com babaganush (técnica de comida árabe aplicada normalmente em berinjela, que traz um sabor defumado) de jiló.
Para o coordenador do curso de gastronomia do Centro Universitário Una, Edson Puiati, a simplicidade é o que mais representa a nossa cultura alimentar. Por isso, ele cita como pratos emblemáticos mineiros frango caipira ensopado, polenta, mexido, torresmo, fígado com jiló e caldo de mocotó. “Na simplicidade, encontramos os pratos mais bacanas e acredito muito nisso. A comida mineira lembra um pouco da italiana: com dois ou três ingredientes se fazem pratos inesquecíveis”, destaca.
O trabalho continua
Para o presidente da Belotur, o título chega em boa hora. Consolida uma série de iniciativas que vêm impulsionando a gastronomia mineira. Gilberto Castro cita o sucesso de festivais como o Fartura, que agora também é realizado em Portugal, a presença de chefs renomados que representam tão bem a nossa gastronomia e o aumento dos cursos de graduação na área. “Mas ainda temos muito trabalho pela frente diante da necessidade de qualificação permanente do setor”, destaca.
O grupo que ajudou a elaborar o dossiê entregue à Unesco já havia decidido aproveitar as informações levantadas para alavancar a gastronomia da cidade, com ou sem o título. “Não podemos relaxar. Temos que dar continuidade ao trabalho feito para a conquista do título porque a responsabilidade só aumenta. Agora vamos ser cobrados por isso”, observa o coordenador do curso de gastronomia do Centro Universitário Una, Edson Puiati, que mediou os encontros dos participantes.
Um dos pontos de melhoria envolve a questão do aproveitamento integral do alimento e sustentabilidade. “Aqui ainda se joga muita comida fora, o que não é coerente com o título. Por isso, vamos levantar fortemente a bandeira para reduzir ao máximo o desperdício dos alimentos, desde a produção até a cozinha”, diz Puiati. Em sala de aula, o professor procura conscientizar os alunos. As turmas são estimuladas a criar pratos com as sobras dos ingredientes.
Falou-se também sobre a ocupação do espaço público em prol da gastronomia. O grupo levantou a possibilidade de transformar imóveis desocupados e lotes vagos (onde se acumulam lixos) em hortas urbanas, mirando no exemplo da fazenda urbana Be Green, que fica no Boulevard Shopping.
Como chef, Puiati acredita que tem o dever de se esmerar cada vez mais no que já faz. O mesmo vale para todo o restante da cadeia produtiva da gastronomia. Na opinião dele, as portas vão se abrir para quem investir em excelência, seja restaurante, hotel, bar, boteco ou fornecedor. “Para quem acredita no desenvolvimento turístico pela gastronomia, que acredita que temos produtos de qualidade, que ainda tem muito a ser melhorado, esta é uma oportunidade de desenvolvimento.”
Mexido mineiro
Ingredientes
200g de linguiça de lombo fina e fresca; 80g de pernil suíno; 80g de bacon sem pele; 100g de torresmo em pele já frito; 150g de linguiça defumada; 80g de carne de sol cozida e desfiada; 40g alho picado; 1 maço de salsa picada; 1 maço de cebolinha-de-cheiro picada; 1 maço de coentro fresco picado; 320g de arroz (tipo 1 longo) agulhinha; 250g de feijão-carioca pré-cozido ao dente; 6 ovos caipiras; 30g de gordura de porco; sal a gosto; 100g de queijo meia cura cortado em cubos pequenos; 100g de farinha de mandioca de biju; 100g de farinha de milho de biju; 80ml de cachaça; 50g de pimenta dedo-de-moça; 1 maço de couve manteiga fresca rasgada em pedaços pequenos; 1 pacote de ora-pro-nóbis
Modo de fazer
Branqueie e corte a linguiça em rodelas finas. Corte o pernil em pedaços, tempere e reserve. Limpe e retire a pele do bacon. Corte o bacon em cubos e reserve. Escalde a linguiça defumada. Corte em pedaços e reserve. Lave e pique a salsa, coentro e a cebolinha-de-cheiro e reserve. Pique o alho e a cebola em cubinhos pequenos. Quebre os ovos e reserve. Limpe e rasgue a couve e reserve. Limpe e rasgue o ora-pro-nóbis. Limpe e corte as pimentas dedo de moça para decoração, mantendo-as no gelo. Lave e pré cozinhe o feijão ao dente. Aqueça a panela ou frigideira e regue com a metade da gordura de porco. Comece o refogado pelo bacon, em seguida junte o pernil picado. Na sequência, a linguiça fresca, a defumada e a carne de sol cozida. Em outra frigideira, coloque o restante da gordura de porco para refogar o alho, a cebola e a couve. Junte os ovos e mexa até cozinhar. Acrescente os feijões pré-cozidos e o arroz. Acrescente a salsa, cebolinha e coentro e flambe com a cachaça. Junte à mistura das carnes e mantenha aquecido. Acrescente o queijo picado e mantenha quente até o momento de servir. Incorpore as farinhas de milho e mandioca e junte os torresmos fritos. Sirva imediatamente.