O cheiro de comida invade a sala e a música chega para embalar o encontro. A lareira fica ligada quando está frio. Se o tempo é de calor, tem água gelada. A mesa é montada com louças diferentes a cada dia e flores colhidas no jardim. Em cada detalhe, um gesto de carinho. Silvana Zulkiewicz Loureiro sabe como ninguém receber em casa, em Nova Lima, as alunas para as aulas de gastronomia. “Acho que quem entra no seu espaço tem que se sentir feliz”, pontua.
A estratégia funciona. As mulheres se sentem tão acolhidas que já são mais amigas que alunas e recentemente encontraram uma maneira original de retribuir o carinho. Juntaram-se para organizar o livro Cinco estações, com receitas que a professora vem ensinando há mais de quatro anos. A cada mês, ela elabora um cardápio com entrada, prato principal e sobremesa, e recebe uma turma por semana com, no máximo, 15 alunas. Silvana segue num ritmo desacelerado para ter tempo de pensar nos detalhes.
As receitas do livro se dividem em primavera, verão, outono e inverno, seguindo a sequência apresentada por Silvana nas aulas – primeiro entrada, depois prato principal e sobremesa. A professora sempre segue uma lógica para chegar a um menu equilibrado. Se o prato principal é um pouco mais pesado, a sobremesa tem que ser bem levinha, como se vê no cardápio que tem lasanha à bolonhesa seguida por salada de melões com calda de maracujá e gengibre.
Uma coisa é certa: nos seus cardápios só tem comida de verdade. “Nunca trabalhei em restaurante, então o que posso oferecer é boa comida e muita consciência na escolha dos ingredientes, sempre frescos”, aponta. Se a receita for clássica, ela segue fielmente todos os preparos. Quando são originais, prefere não se envolver com muita invenção. “Sou contra gourmetização.”
Na cozinha, a professora utiliza muitas referências da Itália. Nenhuma surpresa, já que Silvana é neta de italianos (o outro lado da família tem origem polonesa) e cresceu acompanhando a mamma na cozinha. Para ela, foi marcante a aula em que ensinou a preparar o autêntico espaguete à carbonara. “Mostrei como se faz um molho bem cremoso só com gemas, queijo pecorino, grana padano e água do cozimento”, lembra. As alunas também aprenderam a fazer o baccalà mantecato típico de Veneza.
Uma das receitas mais conhecidas da professora é o arroz de pato, que, ao longo do tempo, ganhou muita personalidade. Silvana conta que aprendeu a trabalhar com carnes com o chef Ivo Faria, do Vecchio Sogno. “Ele foi o meu grande mentor, me ensinou a fazer longos braseados, puxar o molho bem devagar. O pato, que antes só fazia fazer assado, agora é braseado com muito elementos aromáticos”, detalha. Depois de desfiada, a carne se mistura ao arroz, cebola tostada e batata palha. Agora ela usa a mesma técnica para fazer bochecha de porco, servida com polenta, cogumelos e couve frita.
TRUQUES O picadinho de Silvana também é muito elogiado. Pesquisando aqui, provando ali, ela chegou a uma receita própria e não esconde os truques. “Corto a carne em cubos de 1cm, vou fritando aos poucos para não soltar água e coloco sal só no fim”, explica. Para alcançar o sabor desejado, a professora acrescenta molho de tomate rústico, bem pedaçudo, uma base de funghi porcini e molho roti (que leva dois dias para ficar pronto). Uma das opções de acompanhamento é a farofa de abobrinha.
Assim como o picadinho, as outras receitas das aulas geralmente são simples, mas não deixam de ter sua complexidade. “O suspiro da pavlova é rápido, só leva açúcar e clara, mas o que fazer para dar certo? É isso que quero que as alunas entendam.” Por isso, Silvana valoriza muito o momento de ensinar as técnicas, das mais simples às mais complicadas. Para servir o pavlova, ela criou porção individual da sobremesa, empilhando suspiro, chantili e morangos em uma base de creme inglês.
Bochecha de porco braseada
Ingredientes
18 unidades de bochecha de porco; vinagre; sal; 2 pimentas malaguetas frescas; 5 dentes de alho; 2 cebolas médias picadinhas; 3 galhos de tomilho; 2 folhas de louro; água quente ou caldo de carne.
Modo de fazer
Lave as bochechas com água quente e esfregue vinagre. Seque com papel-toalha. Em um pilão, amasse os dentes de alho com as pimentas malaguetas e o sal até formar uma pasta e esfregue em cada bochecha. Junte a cebola picadinha e misture. Deixe marinar por, no mínimo, duas horas na geladeira. Aqueça uma caçarola grossa e junte quatro colheres de sopa de óleo. Raspe a cebola das bochechas e acomode uma do lado da outra na panela. Deixe dourar de todos os lados. Junte a cebola picada da marinada e continue fritando para dourar muito bem, sem queimar o fundo da panela. Junte água quente ou caldo de carne bem aos poucos, sempre raspando o fundo da panela para formar o molho roti. Quando a carne já estiver bem dourada e o molho roti se formando, complete com o restante do caldo até cobrir as bochechas. Junte o louro e o tomilho e deixe cozinhar em fogo bem baixo, com a panela tampada, por aproximadamente duas horas e meia. Ao fim do cozimento, as bochechas estarão quase desmanchando, porém inteiras, e o molho estará grosso. Sirva com polenta, cogumelos e couve frita.
Do escritório para a cozinha
Silvana cresceu dentro da cozinha, observando a intimidade das avós polonesa e italiana com as panelas. Escolheu ser tradutora e intérprete, mas nunca perdeu de vista o interesse pela gastronomia, fez cursos e sempre teve muito prazer de cozinhar em casa. Ela já tinha parado de trabalhar quando amigas sugeriram as aulas e ela embarcou na ideia. “Com esta experiência de receber em casa, além de ter me reinventado tive a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas.”
Silvana cresceu dentro da cozinha, observando a intimidade das avós polonesa e italiana com as panelas. Escolheu ser tradutora e intérprete, mas nunca perdeu de vista o interesse pela gastronomia, fez cursos e sempre teve muito prazer de cozinhar em casa. Ela já tinha parado de trabalhar quando amigas sugeriram as aulas e ela embarcou na ideia. “Com esta experiência de receber em casa, além de ter me reinventado tive a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas.”
Na primeira aula, eram oito alunas. O número subiu para 15 no encontro seguinte e logo o grupo teve que se dividir em dois. Silvana não esperava reunir tanta gente em casa, a maioria mulheres que nunca entravam na cozinha e não sabiam fazer nenhuma receita. Com o tempo, ela descobriu que gosta mesmo é de transmitir conhecimento. “Gosto de compartilhar o que sei, isso me dá muito prazer”, confessa. “Fico orgulhosa de ver que elas tentaram e conseguiram.”
A empresária Ana Lúcia Cabral faz parte da turma desde 2016. Quando soube da ideia do livro de receitas, se voluntariou para ser a editora, já que gastronomia sempre a interessou. Foi dela a ideia de dividir o conteúdo em cinco estações: primavera, verão, outono, inverno e um capítulo com a história de Silvana. Três alunas – Beatriz Menin, Heloisa Veiga e Valéria Dias – selecionaram 48 receitas, privilegiando as de maior sucesso. No fim, poucas ficaram de fora.
Ana Lúcia elogia a forma como a professora recebe as alunas. “Além de ser chef, ela é uma grande anfitriã. Sempre com muito capricho, muito apreço aos detalhes”, reforça. Nas aulas, ela sempre aprende algo novo e, normalmente, reproduz o cardápio completo para a família no fim de semana seguinte. Tudo fica fácil de fazer com as explicações de Silvana.
Entre as receitas que Ana Lúcia já fez em casa, estão cherne com tomatinhos e azeitonas à moda da Sicília, medalhões de lombinho suíno com molho de jabuticaba, semifreddo de chocolate e suflê cheesecake com calda de frutas vermelhas e farofa de biscoito. “O convívio com as pessoas também me agrada. São mulheres de todas as idades e de universos diferentes do meu, que é o de decoração. Conversamos e trocamos muitas ideias”, comenta.
Apesar de ter nascido em São Paulo, Silvana se sente mais mineira que paulistana. Já mora há 33 anos em Minas.