Rafael Pires ajudou a colocar o Pacco & Bacco entre os melhores restaurantes de Tiradentes, na Região Central de Minas Gerais, e por lá ficou durante cinco anos. Mas chegou um momento em que queria mudança. O chef, então, tomou coragem de abrir seu próprio restaurante e mostrar de vez sua identidade. Localizado na Rua Direita, o Mia acaba de completar um ano e segue com o trabalho de valorização dos produtores locais, em um ambiente mais intimista.
Com total autonomia na cozinha, Rafael criou uma experiência completamente diferente da anterior, que reflete o novo momento da sua carreira. “Vivo numa cozinha mais tranquila, sem tanta pressão, recebo no máximo 35 pessoas. Estou mais relaxado e consigo ir em todas as mesas conversar com os clientes”, destaca o chef. No Pacco & Bacco, ele chegava a atender 180 pessoas por dia. Agora, mesmo que esteja apertado, faz questão de dar as boas-vindas a todos. Quer que se sintam em casa.
O chef explica que faz comida saborosa com ingredientes da região. As receitas não seguem necessariamente uma linha mineira, mas os fornecedores estão o mais perto possível. É uma forma de ter produtos frescos na cozinha e apoiar quem está logo ao lado. Por isso, Rafael fala que o Mia é um restaurante de parceiros. “Desde as mesas, luminárias e quadros até os ingredientes, tudo o que tenho aqui busco de pequenos produtores da região”, informa.
O fornecedor das carnes de porco e de boi está em Lagoa Dourada. Rafael lembra que, quando começou a comprar neste açougue, há sete anos, todos os produtos vinham de grandes frigoríficos. O negócio cresceu e hoje 90% da carne de boi é produção própria. Com ela, o chef prepara o prato mais vendido: costela assada, desossada e prensada em cama de taioba com folhado de legumes (cenoura, rabanete, beterraba, cebola e abobrinha) e purê de cebola. Destaque também para o bombom de alcatra grelhado ao molho de cogumelos com nhoque ao molho de queijo parmesão e crisp de bacon.
A carne de porco é protagonista em um prato que representa bem a proposta do restaurante. É o copa lombo braseado com purê de banana-da-terra, farofa cítrica de limão e alho confitado. Entre as entradas, o ragu de joelho suíno condimentado recheia o pão indiano (naan), servido com coalhada fresca. “Há pouco tempo, descobri cordeiro em Coronel Xavier Chaves e passei a comprá-lo”, conta. No cardápio tem croquete de paleta de cordeiro com geleia de goiabada.
O fettuccine com ragu de frango caipira desfiado, lascas de parmesão e crisp de ora-pro-nóbis é outro exemplo do resultado da aproximação de Rafael com os produtores da região. A massa chega da colônia de italianos Giarola, em São João del-Rei. Já o frango caipira é de um fornecedor de Tiradentes. Além disso, as folhas de ora-pro-nóbis são colhidas do quintal.
BROA O bacalhau grelhado se distancia um pouco da cozinha mineira, mas tem crosta de broa de milho para reforçar a origem do chef. Ele é servido com molho de amêndoas, minicebola grelhada e mandioca na manteiga. Outra opção de peixe é a tilápia grelhada na manteiga aromatizada com funcho, salsão, alho-poró e coentro. Para acompanhar, purê de moranga defumada, tomate-cereja e alho confitados. Quem não come carne também pode pedir o papillote de shimeji com tomilho e shoyo, refogado de baroa e cebola (moldado no aro, fica com cara de torta) e creme de espinafre.
Toda sexta, chegam ovos caipiras de Ritápolis. A cachaça é de São Tiago e os queijos do couvert variam a cada semana para surpreender os clientes (no momento, tem de Carrancas e Alagoa). Eles acompanham patê de fígado de galinha com avelã e geleia de laranja e compota de jiló. Alface, cenoura e quiabo são cultivados em uma nova horta orgânica em São João del-Rei. “Incentivo muito todos os fornecedores. Com esta força, eles começam a se organizar, ficam mais profissionais e me ajudam com produtos de alta qualidade, que não são fáceis de conseguir”, observa.
Copa lombo braseado, purê de
banana, farofa cítrica e alho confitado
Ingredientes
400g de copa lombo; 20g de alho; 50g de cebola; 2 talos de salsão; 20g de páprica doce; 1,5kg de banana-da-terra; 200g de creme de leite; 100g de manteiga; 1 maço de taioba; 200g de farinha panko; 1 limão; 20g de lemon peper; 50g de manteiga; 2 cabeças de alho; 50g de açúcar mascavo; cravo, pimenta-do-reino, semente de coentro e folha de louro a gosto; 50ml de vinagre de maçã
Modo de fazer
Doure o copa lombo. Adicione alho, cebola e salsão. Tempere com sal e páprica doce. Cubra o copa lombo com água em fogo brando e deixe até ficar bem cozido. Retire o copa lombo deste caldo e prense em um tabuleiro. Deixe resfriar por 12 horas e corte. Coe o caldo restante e reduza até ficar encorpado. Para o purê de banana-da-terra, asse as bananas com casca a 180°C por 20 minutos. Bata as bananas no processador com creme de leite, manteiga gelada e sal. Para a farofa cítrica, derreta a manteiga em uma panela. Adicione o lemon peper e a farinha panko até ficar crocante. Quando esfriar, adicione as raspas da casca de um limão. Para o alho confitado, tire a tampa do alho, mantendo-o inteiro. Coloque o açúcar mascavo em frigideira, forrando toda a panela. Disponha os alhos com a parte cortada para baixo e adicione as especiarias. Ligue em fogo baixo e deixe até caramelizar. Quando começar a caramelizar, adicione o vinagre de maçã e deixar cozinhar até ficar bem macio. Reserve. Refogue a taioba na manteiga e monte o prato.
Avó homenageada
O nome do restaurante resgata uma memória afetiva de Rafael. Mia era o apelido da sua avó Ana Maria, que faleceu dois meses antes de ele decidir abrir um novo negócio. “Comecei a gostar de cozinha por causa da minha avó. Não aprendi nada com ela, mas ela era uma inspiração, de família sentada em volta da mesa.” Descendente de portugueses, Mia cozinhava muito, fazia a bacalhoada de domingo e gostava de preparar doces, como fios de ovos, olho de sogra e quindim.
O restaurante abre de quarta a domingo para jantar; almoço, só no fim de semana. Fora o cardápio fixo, Rafael trabalha com sugestões da semana. “Sempre estou buscando os ingredientes mais frescos possíveis, então praticamente não repito as receitas. Se tem bochecha no açougue, vou pensar em um prato. Gosto muito de usar frutas da estação”, comenta. Entre as sugestões, bochecha de porco com arroz sujo de legumes, fettuccine com ragu de rabada e azeite de agrião, arroz de suã e filé à parmegiana.
O Mia divide espaço com a Confeitaria Tiradentes, projeto de Rafael com a sua mulher, a bióloga Nara Andrade, que já tem três anos. As sobremesas do restaurante são as mesmas da vitrine da confeitaria. Por isso, há tanta variedade (são 14 opções). “No início, eu fazia os doces de manhã e a Nara de tarde. Quando fomos crescendo, contratamos uma confeiteira e agora a minha esposa fica mais no atendimento e administração e eu na cozinha”, explica.
Torta é a especialidade da Confeitaria Tiradentes. A mais famosa delas une massa de farinha de amêndoas e cacau com recheio de caramelo de avelã e ganache de chocolate meio amargo. Além dela, tem a torta Três amores, feita com camadas de mousse de chocolate meio amargo, chocolate branco, maracujá e crumble. Uma das novidades é a torta Direita, com brownie, mousse de chocolate branco e calda de morango com hortelã. Todas são servidas em fatias.
O cardápio de sobremesas ainda conta com brigadeiros variados (tradicional, café, paçoca e caipirinha), panacota de baunilha com calda de morango, cheesecake com calda de goiabada e a tartele de limão (massa de farinha de amêndoas, creme de limão e creme suíço) da dona Mia.