Todos querem colocar a mão na massa. Longe de dizer que a teoria não é importante, mas quem escolhe o curso de gastronomia sonha em ir para a cozinha treinar o que aprendeu. Com as pandemia, as aulas práticas tiveram que ser repensadas. Alguns conteúdos que exigem a presença do aluno ao lado do professor só serão repassados quando as faculdades tiverem autorização para reabrir. Por outro lado, as aulas expositivas devem se consolidar no digital.
No dia seguinte ao anúncio da quarentena, em março, o curso do Centro Universitário Una já tinha migrado para uma plataforma on-line com as aulas teóricas. A parte prática segue suspensa e será retomada quando os laboratórios voltarem a funcionar. “Nós entendemos que, por ser um curso presencial, é importante que o aluno exercite a prática junto com o professor. A gastronomia tem cheiros, sabores, texturas e não é a mesma experiência uma aula a distância”, diz o coordenador Edson Puiati.
Os professores tiveram que se adaptar para passar o conteúdo de outra forma. Quando é necessário cozinhar, eles se limitam a fazer uma demonstração prática, para a turma ter noção daquele preparo de maneira ilustrativa. Segundo Puiati, os alunos são motivados a ir para a cozinha, mas nada com caráter avaliativo. “Incentivamos muito, quem puder faça com o que tem em casa, mas, nesse caso, o ato de cozinhar é até para distrair e para a autoestima ficar lá em cima. A avaliação é escrita e falada.”
Os alunos ficaram, sim, frustrados de não poder colocar a mão na massa. “Principalmente os calouros, que tinham a expectativa de vestir uniforme e estar na cozinha produzindo algo. É o que busca quem se matricula em curso presencial de gastronomia”, comenta. Para que o aprendizado não seja prejudicado pela pandemia, os conteúdos que exigem a presença da turma serão retomados posteriomente. Puiati explica que não se trata de reposição, a ideia é revisitar a prática com o aluno no laboratório.
Fora a frustração dos alunos, o coordenador entende que a prática é essencial para formar um bom profissional. “Não consigo ver um profissional desse no mercado liderando uma cozinha ou gerindo um negócio de alimentação sem passar por experiências presenciais”, observa. “Quem quer seguir carreira, atuar no mercado, tem que ter não só aulas práticas com o professor do lado, com o objetivo de entender técnicas, texturas, aromas, pontos, mas também atuar fazendo estágio e experimentos práticos para ter uma formação mais completa.” No curso do Una, 60% das aulas são práticas.
A faculdade já protocolou na prefeitura o plano de retomada das aulas práticas nos laboratórios, mas ainda não obteve resposta. “Não estamos reivindicando a volta de todas as aulas. A intenção é retomar a parte prática de forma escalonada, assim não criamos aglomeração e conseguimos atender os alunos sem risco”, aponta Puiati, que tem especialidade em segurança alimentar. A cozinha vai reabrir com metade da capacidade, ou seja, 20 alunos. As aulas teóricas continuam virtuais.
Quase um youtuber
Em pouco tempo, Igor Camelo, coordenador do curso de gastronomia da Estácio, teve que aprender a lidar com a tecnologia “em sala de aula”. Montou uma espécie de estúdio na cozinha industrial de casa (ocupada até então por sua empresa de eventos) para ensinar sobre preparo prévio de alimentos, técnicas básicas e eventos gastronômicos. “Tive que aprender a achar o ângulo certo e a iluminação mais adequada para facilitar o aprendizado. Uso duas câmeras, uma de frente e outra de lado, então o aluno consegue ver perfeitamente tudo o que estou preparando.”
O curso segue o cronograma original, incluindo as disciplinas práticas. O professor cria a receita e envia para a turma a ficha técnica com todos os detalhes. A diferença é que ele mostra o passo a passo por vídeo e o aluno só vai executá-los quando a faculdade reabrir ( já existe um protocolo para o funcionamento reduzido do laboratório). “É como se ele estivesse vendo uma receita no YouTube, mas tem espaço para bate-papo e esclarecimento de dúvidas.” No fim das contas, considerando o conteúdo extra posterior, a carga horária do curso será estendida.
O aluno pode cozinhar em casa, mas isso não é obrigatório. Igor, por exemplo, bolou um menu de Dia dos Namorados e convidou a turma para cozinhar com ele por vídeo. Na atividade, que agradou em cheio, ele ensinou a fazer quesadilla, nhoque ao pomodoro e manjericão e creme brulée de maracujá.
Em relação às aulas teóricas, o coordenador da Estácio tem percebido que muitos alunos preferem continuar on-line. Quem defende isso destaca dois pontos principais: evitar o deslocamento até a faculdade e melhorar a concentração. “É normal ter conversa paralela em uma sala de aula com cerca de 40 alunos, e o professor tem que parar para chamar a atenção, o que não existe dentro da ferramenta. O aluno realmente interessado está aprendendo muito mais.”
Turmas motivadas
O curso da Faculdade Arnaldo, lançado em janeiro, passou a fornecer os insumos para as aulas práticas em casa. “Notei que os alunos estavam desmotivados de continuar com as aulas on-line. Quando escolhem o curso de gastronomia, eles querem cozinhar e provar o que todo mundo fez”, comenta a coordenadora, Talita Viza, que acompanhou a mudança de humor das turmas com a iniciativa. A cada duas semanas, eles buscam os ingredientes que vão usar nas receitas.
Com a transição para o virtual, os alunos se envolvem mais cedo com a prática. “A turma do primeiro período precisava esperar quase dois meses para ir para a cozinha, que é o tempo de o uniforme ficar pronto, pois ele é feito sob medida. Com as aulas on-line, conseguimos antecipar isso.” A coordenadora aponta outros ganhos para os alunos, entre eles a possibilidade de compartilhar o prato que fazem com a família e a execução individualizada (nas aulas, os exercícios normalmente são em grupo).
As aulas são ao vivo, mas ficam gravadas e podem ser vistas a qualquer momento. Alguns temas que exigem a presença do aluno, como parte do conteúdo de panificação e de coquetelaria, ficarão suspensos até a retomada. “No caso da fermentação natural, o aluno tem que sentir a diferença, pegar na massa, ver as bolhas de ar. Se existe a necessidade de estar presente para entender o conceito, preferimos esperar para fazer presencial.” As aulas teóricas devem continuar on-line por mais tempo.
Outra estratégia para envolver os alunos em uma experiência real de cozinha é o projeto Cozinha de Artesão, pensado para movimentar o restaurante-escola, que estava totalmente parado. Os chefs Felipe Galastro e Mário Santiago foram convidados para criar menus que são finalizados pelos clientes em casa. A primeira experiência foi no Dia dos Pais. “Escolhemos cinco alunos e eles amaram. Era o que queriam e precisavam, ver o dia a dia de um restaurante e aprender técnicas”, aponta.
O grupo trabalhou de segunda a sábado, 10 horas por dia, na produção do cardápio, com petiscos, prato principal e sobremesa (com carne e vegetarianos). Aprendeu a fazer filé-mignon curado no sous vide, catchup artesanal, crocante de polvilho, botarga caipira (que é uma gema de ovo curada), berinjela glaceada, morango negro (tostado com maçarico), entre outras receitas. “Os chefs tiveram o cuidado de ensinar, além de técnicas, disciplina, horário e o compromisso de entregar a cozinha limpa no fim do dia.”
A segunda edição do Cozinha de Artesão está confirmada para outubro, com menu dedicado a produtos locais, em parceria com o Sebrae. No total, devem participar seis alunos da Arnaldo e quatro de outras faculdades. Existe a chance de repetir o projeto no Natal, mas, quando o restaurante-escola reabrir, o formato será repensado. Talita pensa em cursos livres com chefs. “A ideia é ter diálogo, não só com professores de gastronomia, mas também com profissionais, para aproximar mais a teoria da prática.”
Crocante de polvilho (Faculdade Arnaldo)
Ingredientes
500g de polvilho azedo; 20g de açúcar refinado; 10g de sal; 200ml de óleo de girassol; 200ml de água; 1 ovo caipira; 150ml de leite; flor de sal a gosto
Modo de fazer
Preaqueça o forno a 160 graus. Misture o polvilho azedo, o açúcar e o sal em um bowl. Aqueça a água junto com o óleo em uma panela pequena em fogo médio para o escaldo. Quando ferver, adicione sobre o polvilho o açúcar e o sal e misture rapidamente com uma colher. Deixe esfriar. Adicione o ovo e o leite e misture com a ajuda de uma colher até que a massa incorpore esses ingredientes e fique homogênea. Unte um tabuleiro com óleo e, com a ajuda de uma espátula, espalhe uma fina camada de massa sobre a superfície. Polvilhe flor de sal sobre a massa e leve ao forno para assar. O tempo de cocção é de aproximadamente 30 minutos, mas varia de forno para forno. O crocante ficará pronto quando a massa estiver firme e corada.