Muito do que nos falam na infância só faz sentido quando já estamos crescidos. Cidoca Nogueira foi criada em Montes Claros, no Norte de Minas, ouvindo a mãe dizer: a gente tem que ter vários dons, uma hora pode precisar usar. Num tempo em que não poderia imaginar o que estaria por vir, ela se interessou em ir para a cozinha aprender receitas. “A minha mãe cozinha superbem, com muita simplicidade, mas tem aquele tempero que aquece o coração.”
Já em Belo Horizonte, Cidoca fez sua vida como maquiadora e designer de sobrancelha. Cozinhar era um respiro. Nada mais prazeroso do que receber alguém com comida de casa. “Falo que sou muito destemida, mudo receita sem medo. Muito disso vem da minha mãe, ela me ensinou a ser desse jeito, não só na cozinha, mas na vida.” Os amigos falavam para ela fazer para vender, mas nunca sobrava tempo. O trabalho, que sempre demandava viagens, era prioridade.
Então, chegou a pandemia. A maquiadora não podia receber os clientes nem viajar. Imediatamente, ela se lembrou de outra frase da mãe – não é à toa que Deus dá mais de um dom – e partiu para a ação, na cozinha. “Não falo nem em me reinventar, tive que me inventar. Tomar posição e assumir rápido o que precisava ser feito.” Começou pelo tomatinho confit, que sempre foi sucesso na sua casa.
Assim nasceu a marca Cozinha da Cidoca. Os tomates são orgânicos e os temperos, colhidos no quintal. Da horta, ela usa tomilho, alecrim, hortelã, orégano, folha de laranja e pimenta. Uma hora de forno depois, perfumam toda a casa. Outro dia, surgiu a oportunidade de fazer os tomatinhos com a mãe, em Montes Claros. “Foi uma experiência tão gostosa, de estar ali com a primeira pessoa que me incentivou a fazer isso, desde pequena”, diz, emocionada.
Aos poucos, o trabalho é retomado, mas Cidoca não vai deixar de “alimentar” sua marca. “Existe um prazer de fazer e levar a minha arte para os outros. Os dons estão aí para serem usados”, comenta Cidoca, que já se apresenta como maquiadora e cozinheira. Para ela, esta experiência é uma preparação para um sonho: abrir um lugarzinho fora de cidade grande para receber pessoas com a sua comida.
"Achava impossível"
Fazer pão era um sonho do jornalista Fábio Gomides. “Queria aprender, mas achava impossível, principalmente o de fermentação natural. Para mim, isso era o ápice da cozinha, quem sabe fazer pão faz de tudo.” No fim das contas, ele não só aprendeu a fazer como transformou a atividade em negócio quando a pandemia chegou. O escritório virou ateliê de pães e abriu para encomendas.
A Baru Panetteria começou com três opções: o pão tradicional de fermentação natural, chamado de sourdough, o com mix de azeitonas, e outro com queijo canastra, que desde então é o mais pedido. “Esse pão surpreende, porque uso o queijo em pedaços, e não ralado. Ele fica mais saboroso”, destaca. Inquieto, não demorou a testar outras receitas e já lançou pão 100% integral em várias versões e pão de chocolate (meio amargo, ao leite e branco), até hoje o mais difícil de desenvolver.
O processo de criação é totalmente intuitivo. Fábio diz que faz os pães como se fosse para ele mesmo. Normalmente, parte dos ingredientes frescos que encontra na semana. Por exemplo, quando teve a oportunidade de comprar belas cebolas orgânicas, criou um pão de cebola na manteiga. O clima também direciona o trabalho. Foi na época do frio que surgiu o de calabresa, perfeito para acompanhar um vinho.
Agora, o desafio é desenvolver receitas com baru, que, não por acaso, foi o nome escolhido para o novo negócio. “Baru é uma castanha do cerrado que faz parte da nossa cultura. Queria que o nome fosse algo daqui, já que o pão é um alimento ancestral, que tem uma conexão com a terra e a origem.” Uma das massas, que será lançada em breve, terá chocolate e mix de castanhas, incluindo baru.
As fornadas são fixas e saem de quarta a sábado. Dessa forma, Fábio consegue atender quem encomenda com antecedência e os pedidos de última hora. O cardápio muda toda semana e tem opções como semi-integral com mix de grãos e sementes, australiano e 100% integral com cacau e castanha-do-pará. Os clientes também podem comprar produtos artesanais de parceiros que harmonizam com os pães, entre eles pastas, geleias, queijos e bolos. “Fiz uma curadoria de pessoas na mesma situação que a minha: não estavam conseguindo trabalhar e começaram a fazer comida para vender na quarentena.”
Fábio ainda não sabe como vai conciliar a vida de padeiro com a carreira de jornalista, mas já entendeu que este é um caminho sem volta. Possivelmente, ele deve reduzir o número de fornadas por semana. Mais pra frente, o plano é montar um café no espaço onde funciona o ateliê de pães.
Artista de bolos
Formado em design de ambientes, Luiz Antônio Bukzem trabalha como cenógrafo, produtor de eventos e DJ. De um dia para o outro, os três mercados pararam e ele foi para a cozinha fazer bolos. “Sempre tive uma afeição por confeitaria. Fazia bolo em todo aniversário de família e, no Natal, a sobremesa era por minha conta, mas nunca pensei nisso como ganha-pão”, conta o novo confeiteiro da cidade, fundador da Verde Doce, que se revelou na pandemia um artista de bolos festivos.
De forma intuitiva, Luiz construiu uma identidade forte na decoração. Os bolos são como uma tela em branco à espera de cores e texturas. “A minha mãe é artista plástica, então cresci no meio de pincel e tinta e ela sempre influenciou tudo o que faço.” Nas laterais, ele usa buttercream (creme de manteiga) para fazer, literalmente, pinceladas coloridas, que ganham formas abstratas, como em uma obra de arte.
As vivências com design e cenografia fazem Luiz expressar muita criatividade na hora de pensar o topo dos bolos. Apaixonado por plantas, ele gosta de trabalhar com elementos naturais, como flores, folhagens, suculentas e frutas. Inclusive, o nome Verde Doce faz referência a essa paixão. Pirulitos, balões coloridos e até um enfeite de macramê podem ser vistos na decoração.
Mas não pense que o trabalho se resume à beleza. O confeiteiro se esforça para equilibrar estética e sabor, pensando em produtos que encantem o olhar e façam um carinho na barriga. “O que mais vemos por aí são bolos bonitos, mas, quando você vai partir, são secos ou muito doces. Antes de desenvolver a estética, quebrei a cabeça para aperfeiçoar as minhas receitas para que fossem harmônicas.”
O cardápio conta com 17 sabores. O pink lemonade (massa de baunilha e recheio de creme de limão siciliano com geleia de morango) virou hit rapidamente. Outro que atrai por ser diferentão é o que une massa de nozes com especiarias (cardamomo, canela, gengibre e noz-moscada) e recheio de compota de maçã com brigadeiro brulée de baunilha. “É uma explosão de sabores”, define. O tiramisu, com massa de baunilha regada com calda de café espresso e recheio de creme de queijo com ganache de chocolate, também chama a atenção. Todos têm quatro camadas de massa e três de recheio.
Por enquanto, Luiz trabalha em casa e sozinho. Teve que adaptar a cozinha para conseguir atender à demanda, que só cresce. “Sempre tive vontade de trabalhar com comida e agora surgiu a oportunidade. Acredito que esta vá se tornar a minha principal atividade, vou fazer o que gosto.”
Clafoutis de pão (Fábio Gomides)
Ingredientes
210g de sobras/aparas de pão; 120g de açúcar; 90g de leite condensado; 750ml de leite; 45ml de cachaça; 20 amoras; 18 morangos; 3 ovos; manteiga para untar
Modo de fazer
Misturar o leite, açúcar, leite condensado, ovos e cachaça com um fouet. Unte uma travessa com manteiga e coloque as aparas/pedaços de pão cortados. Depois adicione a mistura de líquidos. Em seguida, vá encaixando metade das frutas por debaixo das fatias de pão. Reserve a outra metade para decorar por cima com um pouco de açúcar peneira do. Asse em forno médio (160oC) por cerca de 40 minutos. Sirva ainda morno com sorvete ou gelado.