A onda dos cafés especiais vem mudando o hábito de consumo do brasileiro. Diante do acesso a grãos da mais alta qualidade, dá para viver experiências surpreendentes que não sejam com uma xícara e a bebida fumegante. Os cafés gelados entraram nessa lista e já disputam a preferência do público, que se aproxima do cold brew, concentrado que serve como base para várias misturas, incluindo coquetéis. “O cafezinho não vai ser substituído, ganha um companheiro”, aponta a especialista em cafés Helga Andrade.
A extração de café a frio é bem antiga. Segundo Helga, há registros desde o século 17 em países europeus, principalmente Holanda. Mas, naqueles tempos, a bebida era consumida quente, e não fria. A ideia de consumir café gelado surge mais no fim do século 20 e se populariza no Japão, com misturas à base de café e leite. “É importante resssaltar que o café gelado ainda era preparado quente, depois refrigerado ou misturado a ingredientes frios como gelo e sorvete.”
A lógica muda com a chegada do cold brew, técnica de extração de café a frio para consumo em baixa temperatura, que virou febre primeiro nos Estados Unidos. “Nós começamos a ouvir falar de cold brew no Brasil há mais de seis anos, mas só em cafeterias especializadas e as pessoas tomavam mais por curiosidade. Isso mudou muito de um ano para cá, principalmente por causa do calor e da coquetelaria, que o considera um ingrediente interessante”, comenta.
Tenha em mente que essa é uma bebida completamente diferente do café coado com gelo. O cold brew tem sabores mais complexos. Isso porque a água resfriada consegue ressaltar todas as características do grão, e de uma forma mais equilibrada. Se o café for mais doce, a doçura ficará evidente na extração a frio, assim como notas frutadas, por exemplo. Acidez e amargor não realçam tanto. Além disso, o concentrado fica mais encorporado.
“É impossível fazer cold brew com um café ruim”, comenta Tiago Oliveira, do Evu. Por isso, como ele observa, essa técnica está diretamente ligada ao consumo de cafés especiais, que é um movimento relativamente novo em Belo Horizonte. “Com a cultura do bom café, deu para começar a brincar com diferentes formas de consumo.” No espaço, utilizam-se nanolotes (30kg a 40kg de produção o ano inteiro) para chegar a bebidas que mexem com o paladar.
O cold brew do Evu se mistura ao açaí natural, sem xarope de guaraná, e se transforma em uma bebida encorpada, extremamente gelada, bem energética e nada doce. Quem preferir pode substituir o concentrado por duas doses de espresso. Outra opção é beber o cold brew com água tônica e hortelã. Já o Mocha latte gelado é servido em uma taça com calda de chocolate em baixo, leite, espresso, espuma de leite e gelo. Tiago adianta que estão por vir coquetéis alcoólicos com café.
Para todos os gostos
O que tem de café gelado? A pergunta tem sido cada vez mais frequente no balcão do Oop Café. O sócio Tiago Damasceno fica animado em ver mais gente interessada em experiências que não sejam com a bebida fumegante. Para os que querem sentir o sabor do café sem interferências, eles indicam o cold brew que fazem na casa, com gelo. “Agitamos tudo na coqueteleira para a mistura ganhar um pouco mais de corpo e ficar mais areada e cremosa. Isso se destina a um público mais purista”, descreve.
Por outro lado, há uma lista grande de coquetéis para a turma que se mostra curiosa com as harmonizações. Nesse caso, Tiago utiliza o espresso, e não o cold brew, pois acredita que a intensidade da bebida funciona melhor em misturas. O refrescante Limãozinho, um dos mais pedidos, tem limão taiti, espresso, açúcar mascavo, água com gás e gelo. A Espresso tônica também não fica para trás na preferência do público. É lindo de ver o espresso sendo depejado em um copo com água tônica e gelo.
Os clientes que gostam de uma bebida mais doce, com um pé na sobremesa, não dispensam o cappuccino gelado. Cappuccino, leite, espresso e uma bola de sorvete de creme se misturam na coqueteleira e ganham muita cremosidade. Outro preparo tradicional, e igualmente requistado, é o Affogato, uma dose dupla de espresso com duas bolas de sorvete de creme. Em breve, deve entrar no cardápio a versão com sorvete de caramelo salgado.
Tiago tem observado que os cafés gelados não são mais lembrados apenas em dias de calor. Já virou hábito para muitos clientes, que começaram a beber por curiosidade e se envolveram com a experiência, que é totalmente diferente. Até quem não gosta de café se surpreende. “Na minha percepção, via bebida gelada, estamos trazendo outras pessoas para conhecer o café. É um resultado inesperado, mas muito animador, de encher os olhos. Todo dia estamos discutindo um café gelado novo.”
Para quem busca uma experiência sensorial diferente com o espresso, o cardápio da Academia do Café oferece uma versão gelada. É o espresso on the rocks (assim como o uísque), apenas com gelo. Fica um pouco mais diluído, mas mantém sua intensidade característica. Você também pode experimentar o iced flat white, espresso com leite vaporizado e gelo.
Ajustes na receita
Quando a Academia do Café trouxe o cold brew para Belo Horizonte, há oito anos, pouco se ouvia falar sobre o método de extração a frio. Os pais da barista Júlia Fortini, diretora da escola e cafeteria, haviam acabado de voltar dos Estados Unidos, onde isso já era comum. “No começo, como fomos os pioneiros, existia um pouco de resistência do público em relação à concentração que gostaríamos de usar, então tivemos que adaptar a receita.”
Naquela época, eles usavam uma quantidade maior de café para não chocar tanto o paladar do brasileiro, que estava acostumado a uma bebida forte e amarga. O problema é que, dessa forma, ficava mais difícil de se sentirem os atributos dos grãos. Há um ano, a equipe conseguiu chegar ao que sempre quis: usar menos café para proporcionar uma experiência mais complexa. “Aqui no Brasil existe o costume de café forte e amargo, mas, quando se fala em café especial, não existe amargor. Os grãos são naturamente doces e mais claros, ficam na cor marrom, independentemente da concentração”, explica.
O cold brew engarrafado é sucesso. “Dá para fazer vários drinques e até bebê-lo puro. Com a onda de associar o cafe à saúde, por ser uma bebida superestimulante e acelerar o metabolismo. Quem segue esse estilo de vida compra para ter em casa, fazer um shake, tomar antes do treino”, comenta Júlia. Na cafeteria, eles sugerem o coco brew, feito com água de coco, cold brew e gelo. Algumas misturas com bebidas alcóolicas, como gim e cerveja, estão em teste e não devem demorar para entrar no cardápio.
Dá para fazer col brew em casa? Sim, e usando equipamentos simples, garante a especialista em cafés Helga Andrade (veja quadro). O preparo chama a atenção pela versatilidade: se transforma em uma bebida mais cremosa, com leite, e também surge em versões alcoólicas, como na caipirinha de cold brew. Basta acrescentar o concentrado na mistura e se refrescar. “Acho que vamos incorporar os cafés gelados na nossa rotina da mesma forma como consumimos chá gelado.”
Fazer coquetéis com café em casa também pode ser uma ótima experiência. Desde o início do bar do Espaço Zebra, em São Paulo, há oito anos, Neli Pereira usa os grãos em suas misturas, seja em forma de bitter, redução ou licor. “O café é um ingrediente potente para coquetel, porque traz acidez, às vezes doçura, um aroma terciário de baunilha ou madeira. É muito versátil”, aponta a consultora, que desenvolveu receitas com os cafés gelado da Nespresso.
As bebidas da linha Barista Creations for Ice, quando em contato com o gelo, têm o sabor potencializado. “Experimentei os cafés quentes primeiro e não estava conseguindo entender direito os sabores, parece que faltava alguma coisa. Quando você coloca gelo, tudo se revela”, descreve. Com o Freddo Delicato, que é um café mais cítrico, Neli criou um coquetel usando gim, hortelã e açúcar. Segundo ela, é quase um mojito de café. Já o Freddo Intenso, com perfil amadeirado, se misturou a rum envelhecido e geleia de figo.
Os dois podem virar uma bebida sem álcool, basta substituir os destilados por água gelada. Neli ainda sugere outras misturas. “Todo mundo tem que experimentar café com suco de laranja, água tônica e água de coco. Periga ser a sua bebida preferida neste verão.”
Cold brew caseiro (Helga Andrade)
> É recomendado usar um café fresco (torrado há, no máximo, 30 dias) e moer os grãos na hora. O pó deve ter uma moagem grossa, tipo farelo de pão
> Não existe uma proporção exata de café e água; a especialista indica de 50g a 100g de café para
500ml de água
> Coloque o café e a água em um pote de vidro de boca larga e esterilizado. O recipiente deve ser muito bem vedado para evitar contaminação ou cheiro de geladeira
> Misture o conteúdo antes de levar o pote para gelar
> O tempo na geladeira pode variar de 8 horas a 24 horas. Helga recomenda provar a bebida durante o processo para ver o que agrada mais ao seu paladar. Quanto menos tempo, menos amargo fica o cold brew
> Passe a mistura primeiro por uma peneira para tirar os grãos maiores e finalize com um filtro de papel, que consegue separar o pó mais fino, que fica em suspensão (os chamados micropós). Para agilizar a extração, escalde antes o filtro de papel
> Depois de pronto, o cold brew deve ser mantido em geladeira. Em média, dura uma semana, mas isso depende da qualidade da conservação. Nesse período, observe se o sabor e aspecto dele estão se mantendo. Se, ao abrir o recipiente, um gás escapar, como se fosse refrigerante, é sinal de que estragou.
Café da Figueira (Neli Pereira)
Ingredientes
50ml de rum envelhecido; 2 colheres de compota ou geleia de figo; 50ml de Nespresso Freddo Intenso
Modo de fazer
Coloque a geleia e o rum no fundo do copo. Misture com uma colher para dissolver a geleia. Leve o copo até a máquina para tirar o café Freddo Intenso. Adicione gelo. Se preferir, bata todos os ingredientes em uma coqueteleira e sirva em um copo sem gelo. Para uma versão sem álcool, retire o rum e adicione 30ml de água gelada.