Os 20 anos do D'Artagnan mexeram com Marise Rache. Para a chef, quando um restaurante chega a essa idade, a responsabilidade aumenta e a expectativa do público também. O momento é de gratidão, orgulho, alegria e satisfação, mas também de recalcular a rota e planejar os próximos anos. “Temos que renovar, criar novas versões para os pratos, mas sem perder a essência. Está na hora de surpreender o cliente, e não ficar na mesmice”, aponta.
A chef abriu o restaurante sem ter nenhuma experiência em gerenciar uma cozinha, mas entendia bem de restaurante. Os pais, Lygia e Dartagnan, sempre apreciaram uma boa mesa e a levavam para comer nos mais diversos lugares, em BH e nas viagens pelo mundo. Ainda pequena, ela experimentou de steak au poivre a ostra.
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Num domingo de manhã, passando pela Rua Tomás Gonzaga, Marise e o marido, Antônio, viram uma placa de aluga-se onde era uma farmácia. Ele propôs: vamos alugar para fazer um restaurante?. Ela topou na hora e convidou sua irmã Denise, habilidosa com sobremesas e bolos, para ajudar. “A ideia do negócio era um restaurante de dia e café, mas, quando comecei a fazer o cardápio e selecionei os pratos que amava e queria servir, vi que eram para a noite. Aí mudamos da água para o vinho.”
O restaurante não chegou a ter bolo nem funcionar como café. A vitrine onde ficariam os lanches virou adega e Denise assumiu a posição de maître no salão. Um dia antes da inauguração, um amigo, dono do Splendido, A Favorita e Café Ideal, apareceu lá, conheceu a cozinha e sentiu falta do banho-maria. Totalmente inexperiente, ela disse que não teria, mas, convencida de que o equipamento seria essencial para manter os molhos aquecidos, correu para comprar.
O marido, apesar de todo o incentivo, falava para ela não criar muita expectativa, que o restaurante poderia não durar seis meses. A chef não sabe de onde tirou coragem, mas, quando assustou, já estava com as portas abertas e salão movimentado.
“Realmente, foi um ato de coragem, uma aventura. A cozinha era minúscula, no início muita coisa era feita na minha casa, alugamos um quarto no salão ao lado para fazer estoque e seguimos um caminho muito empírico. Ninguém tinha experiência.” Há cinco anos, o D'Artagnan se mudou para um imóvel próprio, na casa ao lado de onde tudo começou.
Paixão da sua vida
Quando falou com a mãe que ia abrir o restaurante, a chef ouviu: “Não estou acreditando, você estudou arquitetura, lutou para se formar e agora vai ficar dentro da cozinha?”. A resposta veio do fundo do coração: “Mãe, é o que gosto.” Marise realmente se sente grata por ter descoberto a paixão da sua vida. Mesmo encarando uma rotina exaustiva, ela diz que ama o que faz e se enche de alegria quando escuta elogios a um prato.
O pai, infelizmente, não chegou a conhecer o D'Artagnan. Mas, além de dar o nome ao restaurante, ele inspira todos os dias o trabalho das filhas. Marise diz que o bistrô tem tudo a ver com o que ele mais amava: boa mesa e bebida.
“Faço questão de estar atenta a todos os detalhes. O restaurante é um conjunto de ambiente descontraído, atendimento cordial, música boa, carta de vinhos e comida saborosa, feita com muito capricho, que levam você para as alturas, fazendo so- nhar. Acho que é tudo isso que traz uma magia, uma experiência especial”, analisa a chef, que admite ser muito centralizadora e tudo passa pelo seu crivo.
A mãe, que frequentou o D'Artagnan e inspirou muitas receitas, tinha o maior orgulho da filha. “Ela vibrava muito, ficava feliz de me ver reproduzindo um prato que comemos em viagens.” Muito do que Marise faz até hoje aprendeu com Lygia e Nadir, a cozinheira que trabalhou por anos com a família. O croquete de carne, o bolinho de arroz com casca crocante e recheio de queijo minas meia cura e crepe suzette são bons exemplos. No caso da sobremesa francesa, em vez de laranja, ela usa tangerina.
O camarão com requeijão, receita que era comum na casa da mãe, virou ícone do restaurante. É o campeão disparado de vendas e muita gente vai lá só para comer esse prato. “Se falar frutos do mar com queijo em outros países, as pessoas vão achar uma heresia, mas considero uma combinação muito maravilhosa. É um prato que dá alegria e conforto”, comenta.
Para complementar, arroz de coco, ideia que Denise trouxe da Colômbia, onde morou por um tempo, e batata chips artesanal. “Antes de abrir o restaurante, eu e Denise fomos um fim de semana para a fazenda e começamos a fritar a batata para testar. Antônio e um amigo, que tinha restaurante, falaram para eu desistir, que não ia dar certo, mas eu disse: não me subestimem, isso ainda vai dar história.” E não é que ela estava certa? A batata chips está no cardápio há 20 anos. Sucesso absoluto.
Sim aos clássicos
A cozinha do D’Artagnan sempre foi mais ligada aos clássicos. Marise acha que não tem muito o que ser inventado. “Não sou muito de inventar, mas isso não significa que não seja criativa. Pego receitas clássicas e dou o meu toque, com os melhores ingredientes que tiver à minha volta. Estudo muito, não me canso de pesquisar, e assim vou trazendo novidades”, explica.
A chef carrega todo o aprendizado de dentro de casa. Lygia e Nadir são duas grandes referências na cozinha, em especial pelo capricho no fazer. Ela também aprendeu viajando e frequentando restaurantes, primeiro com os pais, depois com o marido. Além disso, pesquisa bastante e ama ler livros de receita. “Estou aprendendo a usar equipamentos modernos, mas eu sou mais das antigas. Certos tipos de carne gosto de colocar para marinar, e micro-ondas nunca existiu no D’Artagnan.”
Vários pratos estão desde o início no cardápio. Entre eles, o bombollotti al modo mio, que disputa a preferência dos clientes com o camarão com requeijão. Algumas pessoas são assumidamente viciadas no mezzi rigatoni (mais curto) com tomate, linguiça italiana, pimenta calabresa e um pouco de creme de leite. Destaque também para a costeleta de cordeiro com cuscuz marroquino e chutney de manga.
Marise fala também do escalope de filé-mignon au poivre com tagliatelle ao creme. “Amo steak au poivre desde pequena e eu e Antônio adorávamos fazer essa receita aos domingos na casa da minha mãe, quando éramos namorados”, conta. O molho da carne foge do tradicional porque tem um toque de licor de cereja, invenção do casal. Já o segredo do creme ela não re- vela.
De sobremesa, os clássicos do restaurante são a torta morna de banana caramelizada, creme inglês, nozes, macadâmia e sorvete de baunilha e o suflê de goiabada com calda de requeijão.
Para ter sempre novidades, a chef trabalha com sugestões do dia. A entrada pode ser carne cruda com rabanete, lascas de parmesão e vinagrete de framboesa ou burrata com geleia de figos secos e raspas de limão siciliano. Recentemente, ela serviu paccheri ao ragu de polvo, espinafre e fonduta de grana padano e galinha d’angola com cogumelo shitake, vinho do Porto, tomate concassé e risoni ao pesto. Quem aparece de vez em quando é o sundae de pipoca com mousse de chocolate e pipoca ao caramelo.
Bacalhau em crosta com polenta cremosa, azeitonas pretas, alho-poró crocante e tomate confit
Ingredientes
4 pedaços de lombo de bacalhau dessalgado com aproximadamente 200g cada; azeite para grelhar; 4 colheres de sopa de manteiga; 4 colheres de sopa de panko; 1 colher de sopa de salsinha picada; sal a gosto; 2 xícaras de fubá; 2 xícaras de caldo de legumes; 1 colher de manteiga; 1 xícara de creme de leite fresco; 40g de azeitonas portuguesas pretas sem caroço e picadas em pedaços; 4 tomates maduros sem semente e cortados ao meio; 1 xícara de azeite; 4 talos de tomilho; 1 dente de alho; 1 folha de louro; sal, açúcar e pimenta-do-reino a gosto
Modo de fazer
Coloque o fubá de molho em 3 xícaras de água por alguns minutos. Leve o caldo de legumes e o creme de leite para ferver com 1 colher de manteiga e uma pitada de sal. Retire do fogo e vá acrescentando o fubá aos poucos, misturando. Retorne ao fogo e deixe cozinhar, mexendo sempre. Corte o alho-poró em rodelas, lave e seque bem. Salpique um pouco de farinha de trigo. Frite no óleo quente e depois seque no papel-toalha. Tempere com sal e pimenta-do-reino. Deixe esfriar e guarde em uma vasilha bem fechada. Tempere o tomate com sal, açúcar e pimenta-do-reino. Coloque em uma assadeira pequena e cubra com azeite, acrescentando o alho inteiro, a folha de louro e o tomilho. Leve ao forno preaquecido a 100 graus e deixe assar até ficar bem macio. Puxe com a mão a pele dos tomates e guarde com o azeite do assado. Grelhe o bacalhau e coloque por cima a crosta com manteiga, panko, salsinha e sal, apertando bem com as mãos. Leve ao forno preaquecido a 180 graus para dourar. Coloque a polenta no prato, depois o bacalhau, o tomate confit cortado em 4 partes e as azeitonas. Por último, o alho-poró.