Quitanda para Lorena Braga tem sabor de aconchego. Nas férias, quando ia visitar a avó e as tias em Bonfim, no interior de Minas, a confeiteira era recebida com uma mesa bolos, biscoitos, pães, doces preparados no fogão a lenha. A curiosidade de aprender a fazer as receitas evoluiu para o sonho de documentar histórias e saberes da família. No e-book “Receitas e memórias – Quitandas de Bonfim (MG)”, disponível para download gratuito, ela apresenta 10 receitas que marcaram sua infância.
Formada em teatro, Lorena se inscreveu no curso de gastronomia interessada em aprender sobre doces. Logo ela percebeu que, apesar de muito rica em ingredientes e história, a confeitaria brasileira não está devidamente registrada. “Muito da nossa confeitaria não está documentado, principalmente em relação às quitandeiras. Um ofício que envolve tanto saber, tanta ciência, mas que não é valorizado.”
De imediato, ela se lembrou de cenas da infância em Bonfim, cidade da família da sua mãe. Desde pequena, Lorena gosta de fazer e comer quitandas e doces. Na casa da avó e das tias, ficava grudada no fogão a lenha querendo aprender as receitas. “Cresci em BH, mas passava as férias no interior. Não sei se por ser mulher, mas sempre fui muito próxima da cozinha e gostava de participar de tudo”, conta.
Era antiga a vontade de Lorena de documentar o ofício das mulheres da família, que corre o sério risco de desaparecer. Ela é a única neta que tenta manter a tradição da avó, dona Geralda, e das tias Maria de Lourdes, a Lourdinha, e Ana. Em casa, faz pão de queijo, broa de fubá com queijo, biscoito de polvilho frito e outras receitas que aprendeu com elas.
“Esse conhecimento era passado de pai para filho, mas os filhos que hoje têm oportunidade de estudar não querem dar continuidade”, comenta. Lorena dá o exemplo da tia Lourdinha, que faz quitandas para vender. Os filhos, um engenheiro químico e uma advogada, não gostam nem de cozinhar.
Nos últimos meses, a confeiteira trocou mensagens e conversou por telefone com a avó e as tias. Também passou um dia em Bonfim (depois de fazer teste de COVID-19) para entender todos os detalhes das receitas e conseguir sistematizá-las.
“Na confeitaria, tudo é muito exato, desde pesos a processos, só que as quitandeiras fazem tudo no olho, vão sentindo para ver se deu o ponto, usam um prato fundo para medir, mas nem sabem o tamanho do prato”, observa. “A tia Lourdinha, por exemplo, usa como medidor um potinho e quantifica a farinha de trigo ou o fubá por pacote.”
Medidas exatas
Lorena usou uma balança para descobrir as medidas exatas em gramas ou quilos. Mas, para não fugir muito do saber popular, também lista os ingredientes em xícaras ou colheres. Assim, ninguém precisa de uma balança em casa para fazer as receitas.
Usando um termômetro, a confeiteira conseguiu precisar o momento de adicionar os ovos na massa de pão de queijo. Lorena explica que ela deve estar morna, ou seja, abaixo dos 40 graus. O tempo de descanso da rosca e do pão recheado também está detalhado, lembrando que o clima interfere diretamente no crescimento da massa. O tempo de forno também é aproximado, já que fazer no fogão a lenha (como elas) é diferente de fazer no forno convencional (como Lorena).
“Sem nunca ter estudado física, minha tia coloca o biscoito em cima primeiro para crescer e depois embaixo para secar. Ela não sabe ler nem escrever, e isso tem um simbolismo muito grande: ter tanto conhecimento, apesar de não ser letrada”, comenta.
Com o e-book, Lorena, que trabalha com chocolate (já passou pela fábrica da Ambar e agora está na Kalapa), quer incentivar as pessoas da cidade a fazerem as receitas em casa e, assim, preservar a tradição. Seu objetivo também é mostrar o valor das quitandas, as pessoas que estão por trás, as histórias e lembrar que todos são produtos artesanais.
Um dos seus planos é documentar o saber de quitandeiras de Congonhas, na Região Central do estado, que está perto de se tornar patrimônio imaterial.
Serviço
Para baixar o e-book, acesse linktr.ee/receitasememorias