É como começar de novo. A 24ª edição do Festival Cultura e Gastronomia Tiradentes certamente será lembrada pela alegria de voltar a receber o público depois de todas as restrições impostas pela pandemia. Desta vez, os festins, marcados para sexta e sábado da semana que vem, serão presenciais. Dois chefs, um anfitrião e um convidado, se encontram na cozinha de restaurantes da cidade para falar de esperança e otimismo através da comida.
O diretor-geral do festival, Rodrigo Ferraz, entende que este é um ótimo recomeço. Se fosse uma corrida, é como se estivessem largando na primeira fila. “Os festins são onde temos a oportunidade de ter contato com os chefs, com a gastronomia, de trazer os produtores para perto e fazer um trabalho realmente da origem ao prato”, analisa. Neste contexto, também serão um ensaio para celebrar os 25 anos do festival, na próxima edição, de maneira intensa.
Leia Mais
Com pratos de várias regiões da Itália, Villa Celimontana muda de endereçoBanha de porco: por que quatro chefs preferem cozinhar com esta gorduraTragaluz, em Tiradentes, quer ser o melhor restaurante do interior do paísFestival em Tiradentes une pequenos produtores e chefs em receitas inéditasPraticidade: pratos saem do freezer como se tivessem sido feitos na horaPrezando por uma retomada segura, a organização optou por marcar apenas três jantares por dia. “Acho que o pior já passou, mas temos que respeitar o momento. Ainda não é hora de grandes celebrações”, comenta. Os restaurantes estão com capacidade reduzida e seguem todas as regras de distanciamento das mesas, uso de máscara, álcool em gel e medição de temperatura na porta.
Esta edição tem um sabor especial para Juliana Ferreira, do Gourmeco. Primeiro pela alegria de ver o festival voltar a acontecer presencialmente, mesmo que seja para um público restrito. Depois, porque vai dividir a cozinha com a chef do Birosca, de BH, Bruna Martins. “Sou a única chef mulher como anfitriã, vou fazer dobradinha com uma mulher e numa cozinha onde só trabalham mulheres”, comemora.
Juliana enxerga que tem muito em comum com Bruna. As duas seguem uma cozinha afetiva, que resgata memórias e fala sobre família. Por isso decidiram que não servirão nada mirabolante.
O menu, de quatro etapas, será um compilado de vivências, uma união entre as duas histórias. “Participo do festival há nove anos e esta é a primeira vez em que sinto o trabalho ser feito a quatro mãos. Conseguimos criar um cardápio que não foge da cozinha italiana, mas, ao mesmo tempo, reafirma a culinária mineira”, aponta Juliana.
Todos os pratos são inéditos. A entrada une tostada de broa de fubá, mousse de fígado de galinha e tartar de jiló com baru. Na sequência, uma massa. “Escolhemos servir o tortellini, que para mim é uma poesia em forma de comida, de tão pequeno e delicado, e pensamos em combiná-lo com ingredientes mineiros.” No recheio, abóbora e queijo azul de São Vicente. Para completar, a massa é envolvida por um caldo de defumados da região. Sobre o segundo prato, elas só revelam o nome: arroz mentiroso de suã.
A sobremesa, uma torta de mexerica, também mistura Minas e Itália. A base é de biscoito de nata, enquanto o recheio se parece com o de uma torta italiana de queijo. O creme de queijo será uma mistura de ricota de búfala de Campo Belo com outros queijos mineiros. Por cima, uma compota de mexerica, fruta muito popular em Tiradentes, associada à Festa da Santíssima Trindade, realizada em junho.
Luz no fim do túnel
Depois de um período de incertezas, Rafael Pires, do Mia, comemora a retomada dos festins presenciais. Para ele, é como enxergar uma luz no fim do túnel. “O festival sempre divulgou muito a cidade, trazendo um público que gosta de comer em bons restaurantes, o que nos possibilita buscar ingredientes novos e fazer pratos diferentes”, comenta o chef, que participa desde a primeira edição.
Neste ano, ele assina o cardápio de um dos festins com a estreante Roberta Ciasca, do Rio de Janeiro. “Acho que não só Tiradentes, mas Minas como um todo, fica no coração de todo cozinheiro”, comenta. Ainda mais no caso dela, que, há 16 anos, serve no Miam Miam o que define como confort food. Apesar de estilos diferentes de cozinha, já que o Mia representa a comida mineira contemporânea, os dois se encontram na busca pelo sabor e na mistura de referências.
O menu tem cinco etapas. Roberta abrirá o jantar com um bolinho de vatapá do Norte do Brasil. Diferentemente do baiano, não leva dendê e tem massa à base de pão hidratado no coco e castanhas, que também formam uma crosta do lado de fora. Seu outro prato é uma panelinha de rabada desfiada com purê de mandioca, fonduta de queijo canastra, creme de agrião e mix de grãos crocantes.
Já Rafael escolheu receitas que reforçam sua identidade mineira com um toque de ousadia: barriga de porco prensada com vinagrete de maçã verde e ora-pro-nóbis e casquinha de amêndoas com mousse de doce de leite e calda de tamarindo.
Um dos pratos simboliza o ponto de interseção das duas cozinhas. Rafael e Roberta pensaram juntos a receita, que combina camarão grelhado, feijão-fradinho cozido no leite de coco, farofa de biju com banana e carpaccio de moranga defumada. “Esta troca de experiências, ver o que outro chef está criando, nos estimula a querer fazer sempre diferente e melhor”, aponta o chef do Mia.
Além dos festins, a Mercearia Fartura voltou a ser presencial. Está no Largo das Forras e este ano destaca produtos da Serra da Mantiqueira. Todas as outras atividades que poderiam gerar aglomeração permanecem no on-line, como shows e aulas de gastronomia.
Estreia como anfitrião
Matheus Paratella, que assumiu este ano a cozinha do Tragaluz, vai participar pela primeira vez dos festins como anfitrião. Ao lado dele estará a chef Bel Coelho, de São Paulo, que comanda o Restaurante Clandestino e o Cuia Café.
Logo de cara, o público será surpreendido por um curioso aperitivo. Imagine um macarrão parafuso cozido por horas, desidratado, empanado em queijo canastra ralado e frito. Esta invenção do chef é chamada de pururuca italiana. Bel vem logo em seguida com uma salada de beterraba assada, coalhada, laranja, folhas e vinagrete de mel de abelha nativa.
O menu tem mais três tempos. No primeiro prato, Matheus homenageia Tiradentes e os tiradentinos, unindo ingredientes que os moradores gostam de comer e as cores das casas da cidade. “Uso a minha base italiana, valorizando esta terra que estou adorando e que me acolheu tão bem.”
O resultado tem beleza e poesia. Cinco raviólis, cada um com um recheio e cor diferentes, vão se juntar no prato. O vermelho é de suã com farofa de torresmo, enquanto o marrom tem tutu, paio, laranja e couve. A massa amarela combina pamonha, queijo canastra e pipoca de milho de canjiquinha. Já o ravióli verde contém galinha-d’angola e caviar de quiabo. Por último, o branco é de abóbora com cocada.
Decidido a dar visibilidade aos produtos locais, o chef dá sequência ao jantar com rabada de boi braseada, polenta de fubá branco de Barbacena e gremolata mineira. Para finalizar, brotos de agrião, limão capeta e pimenta-rosa do cerrado. De sobremesa, a clássica goiabada Tragaluz.
Inspiração na Ásia
As cozinhas tailandesa e coreana vão estar juntas no festim do Restaurante UaiThai, que há seis anos participa do festival. Ricardo Martins, conhecido por misturar Tailândia com Minas, receberá Paulo Shin, do Komah, de São Paulo, que faz releituras contemporâneas de clássicos da Coreia. Os chefs não se conhecem pessoalmente, mas já se sentem próximos porque buscam inspiração na Ásia.
Uma seleção de petiscos dará início ao jantar. Ricardo escolheu servir camarão empanado na massa de yakisoba, envolto em alga nori e frito com iogurte e molho tarê; rolinho primavera de pato, pesto de couve com torresmo, melaço de cana e farofa de tâmaras, e o thai ceviche, com camarão, linguado e lichia. Já Paulo traz bolinho de arroz de kimchi, guioza no vapor e pancetta glaceada.
Na sequência, o público terá a oportunidade de experimentar a rabada servida por Paulo no Komah. O segundo prato, que logo depois do festival vai entrar no cardápio do UaiThai, combina polvo macio por dentro e crocante por fora, purê de cenoura, laranja e gengibre, mexilhões, cebola roxa em pétalas e molho tarê de cachaça.
A sobremesa, inédita, reconstrói uma receita tailandesa. “A khao neeo mamuang é um arroz-doce com manga, muito tradicional, principalmente na região de Bangcoc. Sempre quis ter no meu cardápio, mas não conseguia chegar ao que queria.” Até que Ricardo provou a mangada que aparece por cima das bolinhas de arroz de jasmim com melaço de cana, flor de sal, lâminas de coco e broto de coentro.
Tortellini de abóbora com queijo azul em brodo de defumados mineiros (Juliana Ferreira e Bruna Martins)
Ingredientes
160g de farinha 00; 40g de sêmola; 2 ovos caipira; 180g de abóbora limpa; 2 ramos de tomilho; 50g de queijo azul; 25g de queijo parmesão; noz-moscada, sal e pimenta a gosto; azeite; 50g de costelinha defumada; 50g de lombo defumado; 50g de guanciale; 50g de alho-poró; 50g de cenoura; 50g de salsão; 1 cebola; 1/2 alho
Modo de fazer
Para a massa fresca, misture a farinha, a sêmola e os ovos até obter uma massa firme e homogênea. Para o recheio, asse a abóbora no forno a 180 graus por 40 minutos com o tomilho e um fio de azeite. Quando estiver macia, amasse com um garfo. Adicione o parmesão ralado e o queijo azul também amassados. Para o brodo de defumados, aqueça o azeite e deixe dourar os legumes. Acrescente os defumados e 2 litros de água. Tampe e deixe cozinhar em fogo baixo até que soltem todos os aromas. Coe para servir. Cozinhe os tortellinis no brodo por 4 minutos.
Programe-se para os festins
Dia 24/09 (sexta-feira)
» Rafael Pires (Mia) recebe Roberta Ciasca (Miam Miam)
» Felipe Oliveira (Ora) recebe Jorge Ferreira (Olívia)
» Ricardo Martins (UaiThai) recebe Paulo Shin (Komah)
Dia 25/09 (sábado)
» Juliana Ferreira (Gourmeco) recebe Bruna Martins (Birosca)
» Matheus Paratella (Tragaluz) recebe Bel Coelho (Clandestino e Cuia Café)
» Gustavo Baccarini (Pacco & Bacco) recebe Kátia Barbosa (Aconchego Carioca) e Ronie Peterson (Senac MG)