“Mais que autoral, é natural.” Assim Rodolfo Mayer define sua cozinha no Angatu. Quando abriu o primeiro negócio, em Tiradentes, ele tinha acabado de se formar e, com pouca experiência, construiu a identidade dos pratos com o que gostava e sabia fazer. O restaurante, que completa 10 anos em abril, segue com a mesma proposta: servir comida brasileira valorizando ingredientes locais. Depois da sorveteria e do bar, o chef se prepara para inaugurar uma confeitaria na cidade histórica.
Rodolfo é de Juiz de Fora e ia muito a Tiradentes com a família. Em uma dessas viagens, ele e o tio resolveram abrir um restaurante. Até então, sua única experiência tinha sido um mês de estágio em um self-service na sua cidade. Com pouca prática, ficou na praça de saladas, cortando legumes, e lavou pratos algumas vezes. Apesar de ter sido pouco tempo, diz que aprendeu tudo o que se passa em uma cozinha.
A abertura do Angatu não se baseou em plano de negócios ou pesquisa de público. Rodolfo seguiu desejos e sentimentos. Ele mesmo desenhou o projeto, decidiu não usar toalha nas mesas e deu destaque a elementos naturais, como madeira, ferro, pedra e barro (por isso, optou por usar louça de cerâmica desde o início, quando ainda não era moda).
Na cozinha, o chef foi criando pratos que faziam sentido para ele. Reproduzia o que comia em casa, usava o que encontrava no mercado. Sem saber, já buscava uma cozinha genuinamente brasileira, que, no seu caso, valoriza o terroir mineiro. “Como não tinha tanta bagagem, foi muito fácil ser autoral. O Angatu é o que sei fazer, ninguém me influenciou. Faço o que gosto, de forma muito natural”, analisa.
Hoje, em retrospectiva, ele associa suas escolhas ao movimento do chef Alex Atala, de São Paulo, que redescobriu ingredientes nacionais e ajudou a construir a identidade da cozinha brasileira. Rodolfo sempre acreditou que não tem como fazer cozinha de qualidade sem usar produtos que estão do seu lado. “Além de valorizar o produtor, quero servir qualidade, é isso o que me importa.”
O chef foi um dos primeiros a usar broto de beterraba da Colônia do Giarola, em São João del-Rei, que reúne produtores rurais descendentes de italianos. Isso marcou a história do Angatu. Ele usa as folhinhas verdes com cabo rosa em quase tudo, incluindo sobremesas.
Simples, mas complexa
Um prato foi pensado para deixar brilhar o pastrami da fazenda Catauá, que fica perto do restaurante. O embutido se junta a repolho assado, molho roti de legumes e pistache. Receita simples, mas que impressiona pela complexidade de sabores e texturas. “Pistache não é um ingrediente brasileiro, mas o que seria do Brasil sem a globalização, sem essa mistura de povos e sabores?”
Para Rodolfo, criar pratos é como resolver uma equação matemática. Tanto na forma de pensar a combinação de ingredientes, quanto na montagem dos elementos no prato. “Falo que é como se fosse uma balança. Não que os dois lados tenham que ficar iguais, mas tenho que encontrar o equilíbrio.” Ele não costuma fazer testes. Segue a intuição e se permite não ser perfeccionista. Acha que variações são plausíveis, dentro de um padrão, e que isso aproxima o restaurante do público.
Discreto e avesso ao glamour que hoje envolve a profissão, o chef não quer ficar famoso e nem está preocupado em mostrar o seu trabalho nas redes sociais. “A minha satisfação é servir comida boa e quente.” Seu objetivo é que as pessoas saiam felizes do restaurante e, não por acaso, escolheu o nome Angatu. A palavra, que vem do tupi-guarani, significa bem-estar e felicidade.
A agilidade no serviço é essencial para isso. Lá, o cliente não fica esperando mais de uma hora por um prato, o que considera ser “amadorismo ou falta de profissionalismo”. Nem quando a casa está lotada. Rodolfo até brinca com os garçons: se demorar para levar o vinho, o nhoque vai chegar antes.
Rodolfo é da opinião de que o sucesso de um restaurante não depende só da comida. Reflete também a habilidade de montar a equipe, pensar o cardápio para não sobrecarregar nenhuma praça e fazer tudo funcionar em harmonia. “Ser chef para mim é isso, é ter visão e feeling. Existe um hiato, que as pessoas não enxergam, entre cozinhar bem e ser chef de restaurante, e isso para mim faz toda a diferença.”
Evolução da cozinha
A lógica de restaurante em cidade turística é diferente. Não dá mudar o cardápio sempre, porque as pessoas voltam querendo comer o mesmo prato. Rodolfo não serve pato há seis anos, mas até hoje tem gente que o procura. A beterraba assada que acompanhava o pato já virou entrada e agora é servida com o arroz de cogumelos. “Me sinto bem fazendo isso, não abandonando totalmente os pratos. Vou mudando, melhorando, trazendo algo novo. Isso mostra a evolução da minha cozinha.”
O prato mais antigo do cardápio é a truta com molho ácido de manteiga, batata-doce, farofa de amendoim e abobrinha. “Faço o peixe de uma forma dife- rente. Grelho no char broiler (espécie de churrasqueira), então a gordura derrete, ele fica com textura macia e muito saboroso”, descreve, justificando por que o prato não pode sair do cardápio. Além disso, ele destaca o molho instigante: é muito ácido, propositalmente desequilibrado, para combinar com a farofa.
Por outro lado, um prato recente, que o chef acredita ser um dos mais saborosos que já fez, é o jembê (termo africano que se refere a refogado) de grão-de-bico. Os grãos são salteados com pétalas de cebola assada, macadâmia, figo turco seco e caldo de legumes. Para acompanhar, purê de berinjela defumada, picles de cenoura e folhas crocantes de ora-pro-nóbis. “Os nossos pratos têm muitos elementos, e isso é legal, conseguir harmonizar tudo.”
Quando pensa sobre a contribuição do Angatu para a gastronomia nacional, Rodolfo resume a fazer um trabalho genuíno, original e sem rodeios. “Usamos ingredientes brasileiros do cotidiano, encontrados em qualquer feira, e todo mundo pode ter acesso. Quase todos os clientes já comeram aqueles ingredientes, mas, na maioria das vezes, se surpreendem porque servimos de um jeito diferente.”
Como exemplo, o quiabo, que é desidratado e processado até virar pó. Com sabor concentrado, o pó de quiabo está tanto na couve-flor com caramelo de alho-poró, que é uma entrada, quanto em um dos pratos principais, o peito bovino braseado com molho de tamarindo. Ainda é usado para finalizar uma das sobremesas, que combina mousse de queijo de cabra defumado, creme de azeite e limão capeta, merengue de especiarias (páprica, zaatar e curry) e gel de amora.
Construindo o futuro
Aos 34 anos, Rodolfo não está mais na cozinha todos os dias. Inquieto, começou a enxergar outras oportunidades de negócios e hoje se dedica à expansão do grupo. “Gosto de criar coisas novas e não paro de pensar no futuro. Isso me deixa feliz”, diz o chef, que tem como sócios a esposa, Angela Marini, responsável pelo administrativo, e o tio Marco Antônio Delgado.
A ideia da Gelatos da Vila surgiu quando ele se deu conta de que não havia sorvete artesanal na cidade. Fez curso em Penedo (RJ) e aprendeu a criar receitas do zero. “Faço os gelatos como os da Itália, totalmente artesanais. Uso leite de saquinho e as frutas são frescas”, destaca. Os sabores mais diferentes, e que valorizam ingredientes mineiros, são castanha-de-baru e iogurte com calda de goiabada.
Nos próximos meses, o espaço, que atualmente tem atendimento apenas no balcão, será ampliado para receber a confeitaria e um café. A ideia é oferecer mais sabores de sorvetes e outros tipos de doces, como entremets, mantendo a proposta de trabalhar com produtos brasileiros. Lá também será a cozinha de produção das sobremesas do grupo.
Inaugurado no pós-pandemia, o Angabar tem uma cozinha ainda mais livre. É onde Rodolfo coloca toda a sua criatividade e altas doses de inovação. Observe a complexidade da tilápia “fumada”. Primeiro o peixe cru ganha sabor e aroma com fumaça de macieira. Depois se mistura a uma pasta de baru, alga nori e shrub. “Quando provei o shrub, uma mistura de vinagre branco, açúcar e gengibre, usada nos drinques, quis logo criar um prato”, conta.
Para que seja possível conhecer várias invenções do chef, a casa oferece menu degustação de petiscos. Vale a pena provar a sua versão de fígado com jiló: samantilha (massa tipo bomba, muito comum nas padarias de São João del-Rei) grelhada na manteiga com patê de fígado de boi e jiló glaçado no tamarindo. Peça também a croqueta de peito de boi com pistache, maionese defumada e creme de pequi, e a língua glaçada com alho-poró e amendoim.
No balcão, você será recebido pelo chef de bar Pedro Resende, que elaborou uma carta com vários drinques autorais. Entre eles, o Mineiro Mule, com duas cachaças (amburana e carvalho), xarope de gengibre e espuma de capim-limão, e o Romeu Bêbado, com cachaça de amburana, goiabada e pimenta-macaco. Até a tônica usada nas misturas ele faz artesanalmente.
Pescada amarela, creme de baroa, beterrabas secas e azeite de carvão
Ingredientes
400g de filé de pescada amarela; 300g de batata-baroa; 80g de cebola; 150ml de caldo de legumes; 100ml de creme de leite fresco, 100g de beterraba; carvão vegetal; 150ml de azeite; 80g de manteiga; 50ml de óleo de milho; sal e pimenta-do-reino a gosto; 1 carga de N2O (para sifão)
Modo de fazer
Cozinhe a batata-baroa, escorra e reserve o caldo. Refogue a cebola na manteiga e volte com a baroa, acrescentando um pouco do caldo da baroa e o caldo de legumes. Acerte o sal e a pimenta-do-reino. Bata com um mixer manual até ficar bem liso. Acrescente o creme de leite e emulsione com a batata usando o mixer. Coloque no sifão, feche e injete a carga de N2O. Reserve. Grelhe o peixe no azeite, dividido em 4 partes iguais, temperados com sal e pimenta, até que chegue ao ponto. Coloque fogo no carvão até que fique em brasa e depois mergulhe-o no azeite dentro de um pote com tampa, para que segure toda a fumaça, por 20 minutos. Corte as beterrabas em gomos e regue com óleo de milho. Leve ao forno médio até que fiquem com a textura bem “seca”, como a de um tomate seco. Coloque o peixe no centro do prato e preencha com o creme de baroa do sifão. Acrescente o azeite de carvão sobre o peixe e algumas gotas sobre o creme. Finalize com algumas beterrabas secas ao lado do peixe.