Jornal Estado de Minas

FOCO NOS VEGETAIS

Florestal: Bruna Martins se desafia a provar que carne não faz falta

Abacate, salsa de tomate verde, coentro e mole negro (foto: Nani Rodrigues/Divulgação)


Abaixo ao rótulo de restaurante vegetariano. Bruna Martins faz questão de dizer que não fecha as portas para quem ama carne no Florestal, aberto há quase cinco meses no Bairro Floresta, em Belo Horizonte. Pelo contrário. Ela quer unir vegetarianos e carnívoros em um ambiente cheio de plantas. “Meu desafio é criar pratos que as pessoas comam e nem sintam falta da carne”, diz.




 
A chef levanta, sim, a bandeira do protagonismo vegetal. Verduras e legumes vão ser sempre as estrelas dos pratos, que misturam várias culturas e sabores. Essa escolha também coloca a agricultura familiar no centro da mesa, já que quase todos os insumos são de pequenos produtores, incluindo os secos, como arroz e farinha. Mas ela defende que “comida é comida” e quer servir a todos.

Cozinha sem fronteiras

Faz tempo que Bruna nutre um interesse por comida de rua do mundo. Como viaja bastante e gosta de experimentar pratos de várias nacionalidades, acumula muitas referências. Mas sempre teve pouca oportunidade de mostrá-las para o público, porque o Birosca, seu primeiro restaurante, tem um conceito muito bem definido: receitas de família com inspiração afetiva.
 
A oportunidade de cozinhar sem fronteiras surgiu com este novo projeto. Bruna explora um certo “fetiche” em torno de ícones de outros países, que geram desejo em todo lugar do mundo. São receitas que povoam o imaginário popular e, de tão conhecidas e replicadas, já são universais. Só que aqui ela quebra qualquer expectativa ao privilegiar os vegetais. “Não faço pratos vegetarianos típicos. Crio versões vegetarianas de pratos típicos com uma pegada moderna”, diferencia.




 


O quibe é de berinjela. Sem sair do contexto árabe, a chef usa como base uma espécie de babaganoush. Queima a pele da berinjela para impregná-la com um sabor defumado e depois prepara uma pasta temperada, que será misturada ao trigo.
 
Já a parmegiana se estrutura em camadas de alho-poró, acelga, manteiga, queijo parmesão e azeite. A sequência de assar, prensar, cortar, empanar e fritar faz as folhas parecerem mesmo um bife à milanesa. Mesmo sem carne, é muito Itália.
 
Os tacos mexicanos também entram na brincadeira. Ao comer a tortilha de milho crioulo, você dá bocadas em uma pimenta cambuci frita e recheada com creme de castanha fermentado.
 
Não se deixe levar pela ideia de que comida vegetariana é sem graça. Bruna mergulhou em estudos para desenvolver sabores. Diz que ficou tão obcecada pelo assunto que passava o dia combinando ingredientes na cabeça. Nesse exercício de conectar comida de rua com protagonismo vegetal, ela faz a pouco expressiva couve-flor brilhar em um dos pratos mais queridos do cardápio.





Não dá para negar que o nome couve-flor frita lambuzada já é instigante e gera muita curiosidade. Mas nenhuma especulação sobre o prato supera o que se sente no paladar.

Miscelânea no prato

A chef logo explica que ali tem uma miscelânea de conceitos e inspirações. A couve-flor assume seu lugar no universo da comida de rua ao ser servida como espetinho. Num flerte com a cozinha oriental, os pedaços são fritos em tempura e cobertos por um molho agridoce.
 
Tempura de couve-flor no espeto lambuzada com molho agridoce, coalhada de cúrcuma, romã e hortelã (foto: Nani Rodrigues/Divulgação)


“Esse molho é bem parecido com o das asinhas de frango chinesas, mas tem também um pé no buffalo wings americano”, destaca. Fica evidente a influência árabe na coalhada de cúrcuma temperada com zaatar, hortelã e romã.
 
Imagina um jiló que arranca elogios até de quem não gosta de jiló. Ponto para Bruna e seu esforço de não cair naquele conceito minimalista de colocar um vegetal grelhado no prato. A chef carrega a mão (isso no bom sentido) nos temperos e nas misturas.




 
O jiló chega à mesa inteiro. Antes disso, a equipe queimou a pele direto na boca do fogão e temperou a polpa com azeite, limão e hortelã. No fim, o polêmico ingrediente, de tão macio, desmancha como uma pasta ao ser pressionado contra o pão. Dá para combiná-lo com vários sabores, mesclando os acompanhamentos, que são cogumelos defumados, nozes e creme de castanha fermentado.
 
O restaurante tem um balcão que divide a cozinha do salão. É onde ficam expostos os frios. “Não posso deixar de trabalhar com conservas, curas, fermentados e picles. São técnicas tradicionais, diria até ancestrais, de preparo de vegetais”, justifica. Dali saem praticamente todas as proteínas animais disponíveis no cardápio. Sim, Bruna volta a dizer que não se limita com a proposta vegetariana.
 
Milanesa de acelga e alho-poró, molho de tomate, polenta com fubá de milho crioulo e couve cavolo nero (foto: Nani Rodrigues/Divulgação)


O vinagrete de polvo com cebolas, tomates, batatas e coalhada, inclusive, disputa a preferência do público nesses quase cinco meses de portas abertas.




 
A chef também fala com orgulho das manjubinhas curadas no sal, secas a baixa temperatura e reidratadas em azeite infusionado com alho. Essa técnica, segundo ela, é a mesma que se usa para fazer anchova (nome dado ao aliche em salmoura).
 
Bruna enxerga o Florestal mais como bar do que como restaurante. Isso explica porque ela pensa em pratos para compartilhar (todos servem duas ou mais pessoas) e comer com as mãos.
 
O cardápio se divide em entradas frias, petiscos quentes e as “pratadas”, que seriam o equivalente a uma refeição completa, com vários itens. Cada um deles é empratado separadamente e a comida preenche toda a mesa.
 
O cardápio não é sazonal, avisa a chef. De vez em quando, vão entrar novidades, mas não está nos seus planos trocar o cardápio inteiro, seguindo as estações do ano. “Penso no Florestal como um bar que tem seu valor na tradição. O cliente gosta daquele prato e pode voltar sempre para comê-lo”, pontua.




 
Mais bar do que restaurante: a chef Bruna Martins cria pratos para compartilhar e comer com as mãos (foto: Victor Schwaner/Divulgação)


Para que tenha regularidade no abastecimento, Bruna não consegue trabalhar 100% com pequenos produtores. Quando não está na época do couve-flor, por exemplo, ela tem que fazer compras no sacolão. Mas essa lógica está perto de mudar.
 
A chef começou a plantar na roça do pai verduras e legumes, com planos de tornar o restaurante autossustentável. “Produzir o nosso próprio alimento é quase uma poesia. Acho que esse nunca deveria ter deixado de ser o modelo de sobrevivência do homem.”
 
Rúcula e alface já estão vindo de lá e, em breve, eles colherão batata e mandioca. Na lista, também estão ingredientes com os quais Bruna sempre quis trabalhar, mas não consegue ter acesso em BH, como algumas plantas alimentícias não convencionais (pancs) e tomates crioulos. Com isso, ela espera estar mais sintonizada com a terra e ter muito mais liberdade de criação.





Floresta urbana

Verde por todos os lados. Esse era o desejo de Bruna e é o que chama atenção ao entrar no restaurante. A sensação é de estar em uma floresta urbana. Há plantas do teto ao chão, cuidadas diariamente pelo funcionário que faz as vezes de jardineiro. Vasos de barro também entram na decoração e são usados como louças, desde a moringa com água da casa até copos e pratos.
 
A ideia do Florestal surgiu há mais de dois anos. Na época, Bruna procurava um ponto para abrir o seu bar de vinhos e se apaixonou por aquela esquina, onde funcionava um decadente restaurante self-service. O Gira acabou se fixando no Mercado Novo, mas o imóvel não saiu da sua cabeça.
 
Quibe de berinjela, homus de cenoura, coalhada, batata frita com zaatar e pão sírio (foto: Nani Rodrigues/Divulgação)


Quando a loja ficou desocupada, a chef foi a primeira a saber e, com as chaves em mãos, começou a desenvolver o projeto. Nesse meio tempo, ela engravidou, veio a pandemia e os planos tiveram que ser adiados. O restaurante só abriu as portas em março deste ano.




 
As plantas não estão ali só por uma questão decorativa, elas se conectam com o conceito da comida. “Queria abrir um lugar que vendesse produtos de pequenos agricultores e valorizasse a agricultura familiar. Quando você fala de agricultura familiar, está falando de agrofloresta, de diminuir a monocultura e alternar o cultivo e isso tem a ver com o nosso ambiente meio selvagem”, explica.
 
O verde do lado de dentro se integra ao verde dos jardins da calçada, onde fica o maior número de mesas. Os bancos da praça funcionam como fila de espera (sempre cheia), mas há planos de dar usos diferentes ao espaço. A chef sonha em organizar noites de cinema e de chorinho, com pratos para comer em pé, bem no estilo street food. Ela também imagina feiras de orgânicos aos fins de semana.

Jiló chamuscado e espalmado com creme de castanha fermentado, tahine e cogumelos

Ingredientes
6 jilós; 1/4 cebola roxa fatiada fina; 4 nozes; 60g de cogumelos shimeji; 40g de cogumelos shitake; 200g de castanha de caju sem torra e sem sal; 1 colher de sopa de tahine; 1 limão; 1/2 colher de chá de zaatar; folhas de hortelã; sal e pimenta-do-reino a gosto.





Modo de fazer
No dia anterior, coloque as castanhas de caju imersas em água. No dia seguinte, dispense a água e bata as castanhas no liquidificador ou processador com limão, tahine, sal e pimenta-do-reino. Se precisar, use um pouco de água mineral para dar o ponto de pasta. Reserve. Comece queimando a pele dos jilós direto no fogo, na boca do fogão. Quando a pele estiver bem escura, reserve. Espere o jiló esfriar para descansar e absorver o sabor de defumado. Retire toda a parte tostada do jiló para ele ficar despelado, com cuidado para mantê-lo íntegro e com cabo. Se for preciso, use papel toalha ou água corrente para passar na pele. Utilize um prato de apoio para amassar os jilós despelados com um garfo, sem separá-los do cabo, de forma que fiquem espalmados. Espalhe um pouco do creme de castanha de caju por toda a circunferência do prato. Disponha os jilós espalmados por cima. Finalize regando com azeite, sal, pimenta-do-reino e zaatar. Quebre as nozes e coloque por cima. Pique e refogue os cogumelos em azeite e coloque-os por cima. Finalize com cebola roxa crua e folhas de hortelã. 

Serviço

Florestal
Avenida Assis Chateaubriand, 176, Floresta
(31) 98395-3304