Em um país tão amplo e diverso, o desconhecido e o exótico podem estar logo ao lado. Novidade no Bairro Belvedere, em Belo Horizonte, o restaurante Pátria Cozinha do Brasil quer apresentar o Brasil aos brasileiros. O que isso significa? Reflexo de um trabalho de garimpo de produtos “escondidos” e de valorização dos sabores locais, o menu reúne ingredientes, receitas e pratos típicos das cinco regiões.
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Gelos em formatos e tamanhos diferentes valorizam experiência com drinquesConheça a história de mulheres mineiras apaixonadas por carnes e defumaçãoCroissant: por que o pão com camadas de massa e manteiga desperta paixõesChefs são desafiados a cozinhar apenas com fogo por um diaPai e filho abrem restaurante em Nova Lima pelo prazer de receber bemMineiros buscam o ouro em concurso mundial de queijosRefrigerante que se orgulha de ser mineiro é produzido em São PauloCeviche, arepas, tequeños? Prove receitas da América Latina servidas em BHQuando surgiu uma brecha, ele convidou o chef Gabriel Trillo, que havia sido seu sócio no negócio de delivery Comidaria Belvedere, para desenvolver um novo projeto.
Ambos estavam sintonizados: queriam apostar em um conceito diferente. Daniel tem experiência com a cozinha italiana, mas não se imaginava fazendo mais do mesmo. Gabriel serve comida mineira contemporânea no seu restaurante Omilía e já pensava em ampliar as fronteiras.
“Aqui em BH tem restaurante de comida baiana, mineira, nordestina, mas ainda não existia um restaurante que englobasse as cinco regiões do país”, aponta o empresário.
Gabriel sempre admirou Alex Atala. Quando entrou para o curso de cozinheiro, aos 18 anos, o chef passou a ser sua referência gastronômica. Assim que apareceu a oportunidade de abrir um novo restaurante, o mineiro pensou em fazer em BH o que o paulista faz em São Paulo: servir comida do Brasil, de forma ampla e irrestrita.
No Omilía, ele já faz um trabalho de valorizar ingredientes e produtores locais, só que numa escala menor. Seu olhar se concentra em terras mineiras. Agora não, ele vai garimpar e buscar preciosidades em todos os cantos do país.
“O que me motiva é colocar em evidência os verdadeiros artistas da gastronomia, que muitas vezes ficam escondidos porque não estão nos grandes centros, e contar a história deles. É algo maior do que só vender comida.”
O que eles querem com isso? Despertar um sentimento de pertencimento e orgulho da nossa pátria. Mostrar que existem riquezas logo ao lado, de pessoas, produtores e sabores.
Para dar valor ao que é nosso, o chef segue dois caminhos. “Transformamos ingredientes brasileiros por meio da gastronomia contemporânea, mas também resgatamos pratos típicos que estão espalhadas pelo Brasil”, destaca.
Especialidade do Pará, o pato no tucupi é um prato ensopado servido normalmente em “paneladas” para toda a família. Gabriel faz diferente: apresenta a receita em formato de snack, para ser comido com as mãos.
Preparada com a técnica mineira de “pinga e frita”, a carne é desfiada, umedecida com caldo de tucupi, temperada com jambu desidratado e servida por cima de um suflado de sagu.
Sagu é um derivado da mandioca muito consumido no Rio Grande do Sul, de onde vem a conhecida sobremesa sagu de vinho. Mas, pelo menos neste primeiro cardápio, não espere encontrá-lo em receitas doces.
Versão crocante
O chef subverte seu uso tanto na base do pato no tucupi quanto na salada de polvo com mix de folhas, batatas e redução de cerveja de cajá (fruta típica do Nordeste). Nas duas receitas, as bolinhas unidas e fritas entregam crocância.
A lasanha de costela e pinhão é outro exemplo de como o restaurante extrapola o tradicionalismo. Gabriel utiliza a carne característica do churrasco gaúcho como recheio e transforma o pinhão em uma farofa crocante. O queijo mineiro do Serro entra na hora de gratinar.
Detalhe: este não é um prato principal. Fugindo de todas as convenções, a lasanha é uma sugestão de entrada individual.
Como se vê, os pratos unem referências e ingredientes de várias partes do Brasil. E essa é a intenção do chef quando mostra um trabalho autoral. Partindo da receita de pão de queijo de Paracatu, considerada patrimônio da cidade, ele criou algo bem diferente.
“Misturamos carne de lata na massa. Ela fica quase imperceptível, mas dá um sabor essencial.” Os palitos de pão de queijo com carne de lata ainda são servidos com geleias amazônicas, entre elas cupuaçu, taperebá e cajá.
O peixe de água doce tambaqui, muito comum nos rios do Norte, ganha a companhia do molho de acerola, arroz caldoso de cebola “queimada” e batatas com pimenta-de-cheiro.
Já o cupim assado em baixa temperatura se mistura a sabores e ingredientes que remetem ao churrasco de fogo de chão do Pantanal (daí o nome cupim do Pantanal): batata doce roxa assada na brasa e farofa de banana-da-terra.
O prato batizado de Vegetariano do Sertão une Minas e o Nordeste ao combinar fava rajada do Vale do Jequitinhonha com grão-de-bico, quinoa e queijo coalho tostado. Entre as sobremesas, destaque para o curau de milho verde brulée com cumaru e puxuri, especiarias que carregam sabores bem brasileiros. Uma lembra baunilha, enquanto a outra se parece com noz-moscada.
Ter um restaurante brasileiro não é tarefa fácil, principalmente pela dificuldade de encontrar ingredientes regionais. Gabriel criou o primeiro cardápio com o que conseguiu comprar em São Paulo, mas já está se organizando para negociar diretamente com os produtores.
“O nosso objetivo é alcançar insumos escondidos por aí. Todo dia chega alguma informação e estamos só começando”, avisa o chef, que embarcou com a equipe em um processo contínuo de pesquisa e desenvolvimento de receitas.
Por hora, eles estão quebrando a cabeça para descobrir o que fazer com a castanha de babaçu (Maranhão) e a conserva de vitória-régia (Amazônia).
Turista em BH
Além de inovar no uso de ingredientes tradicionais, o chef Gabriel Trillo resgata receitas típicas de todo o Brasil. Parte do cardápio, chamada de “tradições brasileiras”, reúne pratos que servem duas pessoas. É para se sentir turista em BH. “Uma das características dos restaurantes brasileiros, principalmente em cidades turísticas, é servir pratos para compartilhar”, justifica.
Dê um pulo no Norte com o “pirarucu de casaca”, clássico para paraenses e amazonenses. O peixe passa por um processo de salga, tipo o bacalhau, e se junta à farinha de mandioca Uarini (cidade do Amazonas) hidratada, conhecida como “caviar amazônico”, devido ao seu formato. Ambos são cobertos por rodelas de banana-da-terra, que remetem visualmente a escamas de peixe.
Continue o passeio dando uma volta pelo Centro-Oeste com o empadão goiano. A torta que é símbolo do Goiás tem recheio de frango desfiado, linguiça artesanal, ovo, milho verde guariroba, palmito nativo da região, como se come por lá.
Quando é para reproduzir pratos típicos, o chef segue as receitas “ao pé da letra”, para que o público viva a experiência mais original possível.
Para quem gosta de praia, um prato, em específico, representa brilhantemente o litoral brasileiro. A brisa do mar chega quando o coco verde surge enfeitado com camarões. Lá dentro não tem água, não. A fruta serve como recipiente para uma receita de camarão ao leite de coco e tomate. Ainda tem a moqueca de camarão com legumes ensopados, pirão de peixe e farofa.
Minas está muito bem representada entre as “tradições brasileiras”. Como mineiro e belo-horizontino, Gabriel não deixou de fora o frango caipira ensopado com quiabo e angu de milho fresco.
O restaurante reverencia a cultura do Brasil não só com a comida. A arte popular está inserida na decoração. Dois grandes vasos de barro de Conceição das Alagoas (MG) recepcionam os clientes ainda do lado de fora da casa.
Lá dentro, não tem como não notar o painel de Nila do Cerrado, de Florestal (MG), que exibe todo o colorido do bioma que a artista carrega no nome. Os sousplats que estão na mesa coletiva são de mulheres de Ituberá (BA) que fazem artesanato com piaçava.
A curadoria das peças é de Daphne Carvalho, responsável pela administração da casa. Os sócios planejam dar visibilidade a outras manifestações artísticas, como música e literatura.
Pato desfiado com tucupi e jambu sobre suflado de mandioca
Ingredientes
250g de sagu; 1 pato inteiro; 10 flores de jambu desidratadas; 1 litro de tucupi concentrado; cebola, alho, cenoura, pimenta-do-reino, sal, pimenta-de-cheiro, broto de coentro e salsa a gosto
Modo de fazer
Em uma panela, coloque o sagu coberto com o dobro de água para cozinhar. Em fogo médio, mexa sempre, até que o sagu cozinhe por completo e fique translúcido como uma goma. Em seguida, espalhe-o em um silpat ou tapete de silicone e desidrate em forno durante 10 horas a 70 graus. Corte-o em quadrados de aproximadamente 5cm e frite em óleo novo. Reserve. Cozinhe o pato no método “pinga e frita”, utilizando os temperos (capriche na cebola e alho). Toda vez que dourar o fundo da panela, deglace com um pouco de água para soltar o caramelizado. Não é necessário gordura, pois o pato libera sua própria gordura nesse processo. Quando o pato estiver soltando do osso, desfie, retire os ossos e cartilagens. Acrescente o tucupi e o jambu, mexendo até secar novamente. Deglace com um pouco de água, até que o sabor incorpore por completo. Monte o pato sobre o suflado de mandioca. Decore com brotos de coentro ou salsa e, se desejar, alguns legumes laminados.