Jornal Estado de Minas

COZINHA PRIMITIVA

Chefs são desafiados a cozinhar apenas com fogo por um dia

 

Nada de fogão, forno ou fritadeira. Lá não tem gás nem energia elétrica, muito menos cozinha montada. Os chefs vão ter que buscar seus instintos mais primitivos para cozinhar a céu aberto na quarta edição do festival Fuegos, marcada para o próximo sábado, no Parque da Gameleira, em Belo Horizonte. Carnes e acompanhamentos serão preparados com fogo, lenha e brasa. Ajuda, só se for de utensílios rústicos, alguns inéditos para o público da cidade.





 


Depois de dois anos de pandemia, o Fuegos está de volta com a maior edição de todos os tempos. O festival vai ocupar 15 mil metros quadrados do parque com mais de 30 estações e oito toneladas de comida.

 

“Pedi para que os assadores buscassem seus mais sensíveis instintos para cozinhar no fogo algo inédito para a cidade”, destaca o produtor cultural Marcelo Wanderley, idealizador do evento, que quer posicionar BH como destino do fogo. Pelo menos 80% das atrações são novidades.

 

Se o fogo já é hipnotizante, imagina um carrossel girando com frangos. Essa é a invenção do chef gaúcho Marcos Livi, que chama a atenção de longe. A estrutura, com quatro metros de diâmetro, será usada para grelhar, assar, saltear, defumar e finalizar os preparos com a ave. “O fogo aquece as planchas e o ar quente que sobe vai cozinhando e defumando os ingredientes”, explica.





 

O carrossel terá carcaças inteiras de frango e partes separadas, como pescoço, pé, coração, moela, fígado e asa. “Queremos incentivar o uso integral do frango, que é o que os nossos avós faziam e temos que fazer de novo. Senão ficamos só em coxa, sobrecoxa e peito.” Na hora de temperar as carnes, o chef vai usar vinadalho gaúcho (marinada com vinho e alho), dry rubs e ervas frescas locais.

 

O coquetel sólido Pinga Colada combina abacaxi grelhado na brasa com cachaça envelhecida em carvalho e páprica defumada (foto: Okinaki/Divulgação )
 

Como os tempos de preparo variam, a cada momento a “cozinha” vai oferecer um prato diferente. As pessoas ficam em volta do carrossel e podem escolher o que querem comer. Pode ser que a moela saia de um lado da estação, enquanto outro grupo já está comendo asa.

 

Para mostrar o frango e suas várias interpretações, Marcos vai trabalhar com um menu que mescla referências internacionais. Quando prepara pé na panela wok com óleo de gergelim, gengibre, shoyu, óleo de ostra, amendoim torrado e pimenta dedo-de-moça, ele se aproxima da cozinha asiática. “Quero que as pessoas saiam mordendo o pé e lambuzando as mãos”, brinca.





 

A França inspira uma das receitas com fígado, que será servido como se fosse um patê de foie gras nacional. “Vou tostar o fígado rapidamente na plancha com vinagre de cana-de-açúcar e amassá-lo por cima do pão de milho”, detalha. Um prato bem brasileiro será o espetinho de coração com farofa.


Além do frango, a estação servirá vários preparos com milho (desde a espiga inteira até polenta e pipoca) e ovo (defumado e frito). Marcos deixa o convite para veganos e vegetarianos, que também podem se divertir com o carrossel comendo os acompanhamentos.

 

Líder de uma equipe 100% feminina, Paula Labaki vai assar costela de boi no fogo de chão por 10 horas (foto: Paula Labaki/Divulgação )

Costela de fogo de chão é um clássico do churrasco brasileiro. Desta vez, a estação contará com um time só de mulheres, comandado por ninguém menos que Paula Labaki, a rainha da brasa. A chef cresceu em uma fazenda de café e leite no interior de São Paulo, em volta do fogo, e com a família aprendeu desde cedo a valorizar a gastronomia.





“Sou uma mulher que faz churrasco e já viajou para vários lugares do mundo representando o Brasil”, conta, orgulhosa por ser reconhecida em um universo ainda dominado pelos homens.


Os preparativos vão começar durante a madrugada. Paula explica que, para lidar com o fogo, não dá para ter pressa. O trabalho de assadora exige muita observação e paciência. Até o momento de começar a servir o público, vão ter se passado 10 horas. Nada demais para a chef, que curte longos preparos.

 

“Gosto de trabalhar com costela e outras partes do dianteiro para mostrar que não existe essa história de carne de primeira e carne de segunda”, comenta.


Quando já estiver bem macia, a costela será desfiada e servida em tacos. “Acabei de chegar de uma viagem aos Estados Unidos e México e estou cheia de ideias.” Para completar o recheio, salsa criolla e farofa crocante do mar (feita com casca de camarão). É para comer com as mãos.

Porco na espada

Kiki Ferrari vai longe na ancestralidade do fogo. Sua estação terá porco assado em espadas, numa referência ao período da Idade Média. “Dizem que os túrquicos, que são os povos nômades da Ásia central, foram os primeiros a fazer carne na espada. Eles difundiram essa cultura e deram origem ao churrasco em espeto”, relata o chef, que se prepara para abrir uma taverna medieval em BH.





 

Na estação inédita de frutos do mar, polvo, lula, mexilhão e camarão serão braseados e servidos em um arroz (foto: Fabiana Rodrigues/Divulgação )

Para se manter fiel às antigas tradições, ele vai temperar a carcaça do porco (com carret, lombo, pernil, costelinha e pele) usando especiarias medievais, entre elas a poudre forte, que tem pimenta na mistura.

 

A carne tem que ficar pelo menos três horas em contato com o fogo para chegar ao ponto desejado. Tudo isso para se transformar em recheio de um sanduíche aberto com pão de centeio, grão que era muito consumido naqueles tempos, antes da chegada do trigo.


Esta será a maior edição do Fuegos em tamanho e diversidade de comida. “Vamos ter sabores tão diversos que os steaks nem devem ser as opções mais procuradas”, avalia Marcelo Wanderley, que incentivou os chefs a criar receitas inusitadas e harmonizações surpreendentes.





 

Como exemplo, a língua de boi defumada ao funghi com purê de mostarda de Paulo Vasconcellos e André de Melo (Bravo Catering) e o stinco bovino defumado com arroz cremoso de maniçoba de Edvaldo Caribé, do Pará.


Uma das novidades é a estação de frutos do mar, que ficará sob o comando de Fabiana Rodrigues. A chef confessa que não tem muita intimidade com o fogo, mas está animada com o desafio. Até porque envolve ingredientes que não podem faltar na sua cozinha, voltada para sabores mediterrâneos.


Polvo, lula, mexilhão e camarão serão braseados no fogo e servidos em um prato batizado de arroz del mar. “O público pode esperar um prato bem leve e colorido, do jeito que eu gosto, com muitas especiarias, ervas frescas e limão siciliano”, descreve Fabiana. Felipe Caputo, com quem ela trabalha em São Paulo, vem a BH para participar dessa experiência “inesquecível”.





A expectativa da organização é receber 2,5 mil pessoas em oito horas.

Diversidade no prato

Não pense que as chamas só vão se acender para as carnes. O menu do Fuegos nunca esteve tão diverso, mostrando que o fogo pode ser usado em qualquer receita. Quer um bom exemplo? O coquetel sólido que os chefs Gabriella Guimarães e Guilherme Furtado, do asiático Okinaki, vão preparar na brasa.


O nome Pinga Colada entrega que ele é uma versão do piña colada. Tem os mesmos elementos do clássico caribenho, com o acréscimo de cachaça. O abacaxi será grelhado na brasa e depois passará por uma infusão em cachaça envelhecida em barril de carvalho, rum de coco, açúcar mascavo e especiarias. Entram na finalização raspas de laranja e páprica picante defumada.

 

Para quem não come carne, uma das opções são os legumes marinados em molho de gengibre, mel e shoyu e finalizados na brasa (foto: Mateus Baranowski/Divulgação )

“A ideia é trazer o sabor da brasa com o defumado do abacaxi, a cachaça envelhecida em barril de carvalho e a páprica defumada”, destaca Guilherme. Servidos em uma cama de gelo, os cubos de abacaxi podem ser tanto entrada, para abrir o apetite, quanto sobremesa.





Boa notícia para quem gosta de pão, carne e queijo. Paulo Yoller, da CJ's, vai usar sua experiência como assador para preparar um hambúrguer. “O fogo será o nosso principal meio de trabalho e também um temperinho. Vai entrar para assar os burgers e dar aquele defumado que a gente tanto curte”, detalha o chef, que vem direto do Texas, nos Estados Unidos, onde aprendeu mais técnicas para controlar o fogo.


A carne vai dentro de um pão com leite condensado. Para acompanhar, queijo cremoso, picles de cebola roxa com pimenta de cheiro e pequi, alface e catchup.


Rafa Bocaina vai comandar a estação da feijoada. “A minha ligação com o fogo é intensa, como todo cozinheiro, mas sobretudo vem da alma caipira. É muito tradicional na cultura da nossa região interiorana e se manifesta, por exemplo, no onipresente e onipotente fogão a lenha”, comenta o chef, produtor de porcos e charcuteiro, que vive na Serra da Bocaina, interior de São Paulo.


Embora crie porcos caruncho e produza charcutaria, Rafa se diz um grande defensor do consumo local e vai cozinhar com produtos daqui. Desde a carne até o feijão crioulo. Como ele explica, será uma feijoada que interpreta os ingredientes do entorno de BH.





 

A sobremesa criada para o Fuegos combina broa de fubá com queijo canastra e doce de leite (foto: Mia Confeitaria/Divulgação)

Quem gosta de comida de buteco vai se deliciar com a ilustre presença de uma dupla que representa bem a boemia belo-horizontina: Eliza Fonseca (Bar da Lora) e Leonardo Ribeiro (Bolota's Bar). Juntos, eles vão servir costelinha assada com angu e ora-pro-nóbis. O chef Ivo Faria seguirá a mesma proposta com pé de porco e dobradinha.


Destaque também para o varal de queijos canastra na estação de Américo Piacenza, da Cantina Piacenza, que serão usados na receita de macarrão com molho alfredo. Já Carol Fadel, da Matula Cozinha, ficará responsável pelos vegetais orgânicos (abóbora, tomate, abobrinha, alface e beterraba) marinados em molho de gengibre, mel e shoyu e finalizados na brasa.


O estreante Rafael Pires, do Mia, em Tiradentes, tem um grande desafio pela frente: mostrar o seu lado confeiteiro fazendo uma sobremesa no fogo. “Sempre gostei do fogo. Tenho duas churrasqueiras no meu restaurante, onde costumo inventar pratos defumados, mas agora é diferente”, comenta.





A sobremesa criada para o Fuegos combina broa de fubá com queijo canastra e doce de leite. Onde o fogo entra? O chef vai fazer o que chamou de rabanada de churrasco. A broa será mergulhada em um creme de ovos e finalizada na parrilla. Já o doce de leite será defumado no tacho. Por cima, uma farofa doce feita com gordura do bacon, no lugar da manteiga, para reforçar o sabor defumado.

Serviço

Festival Fuegos – 4ª edição
sábado, das 14h às 22h
Parque da Gameleira (Avenida Amazonas, 6020, Gameleira)
Ingressos a partir de R$ 390
Vendas pelo site

Arroz del mar (Fabiana Rodrigues)

Ingredientes
1 polvo médio de 1,5kg limpo (sem cabeça); 1 cebola cortada em cubos médios; 1 cenoura cortada em cubos médios; 2 dentes de alho inteiros; 1 alho-poró cortado em cubos médios; 2 folhas de louro; 1 colher de chá de páprica doce; 1 colher de chá de páprica picante; 1 colher de chá de páprica defumada; 2 ramos de tomilho fresco; 2 ramos de alecrim fresco; 1 xícara de vinho branco seco; talo de salsinha, sal, pimenta-do-reino e azeite extravirgem a gosto; 150g de camarão médio limpo; 150g de mexilhões limpos (sem casca); 150g de anéis de lula; 1 xícara de vinho branco seco; 3 colheres de sopa de manteiga; salsinha, sal, pimenta-do-reino e azeite extravirgem a gosto; 350g de arroz parboilizado; ½ lata de tomate pelado; 10 azeitonas pretas tipo azapa (sem caroço) despedaçadas; 1 colher de chá de alcaparras; 10 mini tomates italianos cortados ao meio; 2 dentes de alho picados; 1 cebola cortada em cubos pequenos; raspas de 1 limão siciliano; salsinha, folhas de manjericão, azeite extravirgem, sal e pimenta-do-reino a gosto


Modo de fazer
Adicione um fio de azeite em uma panela de pressão, em fogo médio. Quando estiver quente, acrescente cebola, alho, cenoura, alho-poró, uma pitada de sal e refogue até começar a dourar. Adicione tomilho, alecrim, folha de louro, talo de salsinha e misture. Acrescente o polvo, as pápricas, sal e pimenta-do-reino e refogue. Adicione o vinho e tampe a panela. Quando pegar pressão, deixe cozinhar por 8 a10 minutos. Desligue e tire a pressão. Retire o polvo do caldo, separe os tentáculos e corte-os em cubos médios. Reserve. Coe o caldo e reserve para usar no cozimento do arroz. Tempere a lula, os camarões e os mexilhões com um fio de azeite, sal, pimenta-do-reino, vinho branco e salsinha. Em uma frigideira bem quente, adicione 1 colher de sopa de manteiga e acrescente os camarões. Salteie dos dois lados por aproximadamente 2 minutos. Retire e reserve. Na mesma panela, adicione mais 1 colher de sopa de manteiga e salteie os anéis de lula por 2 a 3 minutos. Retire e reserve. Faça o mesmo com os mexilhões. Para o arroz, em uma panela larga e funda, adicione um fio de azeite, cebola, alho, uma pitada de sal e refogue até começar a dourar. Acrescente o arroz e refogue, misturando por 3 minutos. Acrescente o tomate pelado e uma concha do caldo do cozimento do polvo e misture. Adicione o caldo aos poucos, misturando por aproximadamente 5 minutos. Acrescente as alcaparras, azeitonas, salsinha, os frutos do mar e misture. Acerte o sal e a pimenta. Quando o arroz estiver ao dente, desligue. Finalize com folhas de manjericão, mini tomates e raspas de limão.