Jornal Estado de Minas

Deliciosa conexão entre dois mundos


Foi na leitura de um caudaloso romance policial ambientado na Suécia, que me saltaram aos olhos duas passagens: uma festa dedicada a Santa Luzia e outra aos pãezinhos de Santa Luzia, servidos, em lanches e refeições em dezembro, mês comemorativo da padroeira da visão. Natural da tricentenária Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e devoto da Virgem de Siracusa, fiquei surpreso e vivamente interessado na receita, pois há alguns anos estive no país escandinavo e provei do bom e do melhor! Deixou saudade...




 
Já sabia que Santa Luzia, festejada em 13 de dezembro, é amplamente venerada na Suécia e países vizinhos, a exemplo da nórdica Finlândia. Meu amigo Luiz Gabrich, que trabalhou por duas décadas num restaurante em Nova York de propriedade de europeus, havia me falado sobre a fé e comemorações, quando meninas usam coroas com velas acesas. Eu me lembrei até de um filme com Glenn Close, “A esposa”, passado em Estocolmo, com uma cena referente à celebração.
 
Goiabada cascão tem consistência cremosa (foto: Luisa Carnevali/DIVULGAÇÃO)
 
 
Disposto a provar dos tais pãezinhos, comecei a primeira busca: uma receita. O próprio Luiz se encarregou de encontrá-la, e foi aí que pedi à amiga Marinês Araújo (ambos são ‘fregueses’ aqui do Degusta, com várias participações especiais) para dar forma à lista de ingredientes e ao modo de preparar. Para surpresa da dupla, os pãezinhos se tornaram biscoitinhos bem apetitosos, ótimos para tomar com café.
 
Depois de ver a massa enrolada na assadeira, fiquei impressionado, afinal, os pãezinhos se parecem com os olhos que Santa Luzia carrega no prato, e representam seu martírio. Vale saber que a santa nasceu em Siracusa, na Sicília, no ano 304. De família rica, recusou-se a casar com um jovem pagão, sendo supliciada e tendo os olhos arrancados. Assim, é representada com a “palma da vitória” na mão direita, e um pratinho com seus olhos, na esquerda.





Suécia  O leitor pode até pensar que, por ser a Suécia um país tão distante do Brasil, a receita dos pãezinhos de Santa Luzia demanda ingredientes diferentes ou difíceis de encontrar. Nada disso. Tem até o conhecido açafrão, que dá uma cor bem bonita, e a uva-passa, usada para formar os olhinhos. Um detalhe importante, conforme ressalta Marinês, é o formato, que é tipo uma “cobrinha” ou a letra “S”. E vai a dica: “Na hora de fazer a massa, se for preciso, adicione mais um pouco de farinha de trigo até ficar no ponto de soltar das mãos”.


 
Na Suécia, os pãezinhos ou bolinhos de Santa Luzia são tão admirados em 13 de dezembro, que as crianças, para fazer bonito e manter a tradição, levam ao quarto dos pais, no café da manhã. E, na escola, presenteiam os professores com a quitanda caseira. Nota 10 para eles!
 
Se a culinária é um dos prazeres de uma viagem, vamos aqui conhecer mais sobre os hábitos alimentares da Suécia. Lá, os pães são preferência nacional, com oferta de grande variedade: dos macios aos crocantes, principalmente os de centeio e também os feitos com farinha de trigo e cevada, de massa escura ou clara, usando muitas vezes farinha integral. Também são muito apreciados os bolos e biscoitos.
 
No geral, a culinária da Suécia se baseia nas carnes, laticínios, peixe e frutos silvestres, a exemplo do mirtilo e arando vermelho, usados para compotas que, muitas vezes, acompanham as refeições. Cozidas ou em purê, as batatas são o acompanhamento usual da comida sueca, com destaque também para os vegetais, entre eles o pepino.




 

Para “comer de joelhos”

Indo de um canto a outro do mundo, o Degusta chega agora a Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que vai celebrar, em 13 de dezembro, o jubileu da padroeira, cujo altar fica no Santuário de Santa Luzia, no Centro Histórico. O templo barroco está comemorando 278 anos, e é um dos tesouros de Minas, erguido em área tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).
 
À frente das festividades e movido pelo entusiasmo, está o pároco e reitor do santuário, padre Felipe Lemos de Queirós, que dá início, a partir de amanhã (28) à Trezena de Santa Luzia. À venda na lojinha da matriz, há dois modelos de imagens da padroeira, uma reproduzindo a que se encontra no altar-mor, e a outra a do altar lateral, com réplica perfeita, em 3D, da peça encontrada no Rio das Velhas, no século 18.
 
Tão bom quanto conhecer a história é saborear os doces e salgados, e a tricentenária cidade de Santa Luzia é pródiga nesse aspecto, tanto que vai sediar o Museu da Cozinha Mineira. Em cada casa, há sempre alguém com a mão na massa, assando um bolo, testando uma receita, preparando um quitute, subvertendo receitas para achar o ponto ideal e dar ao prato toda personalidade.



Na localidade do Córrego Frio, às margens do Rio das Velhas, Cristina Gonzaga aproveita a safra de goiabas para fazer o doce em barra, nas variedades normal e cascão, que já correram o mundo. “Levaram até para a França”, orgulha-se a mãe de Jefferson, Roberson e Ana Cecília e agora vovó coruja, ao lado do marido José Luiz Gonzaga, de Larissa e Bernardo. O telefone de Cristina é (031) 98698-8967.
 
No velho estilo do fogão a lenha, Cristina faz goiabadas, doces de figo e de laranja-da-terra com clientela cativa. São famosos também os bolos decorados para festas, os bombons de vários sabores, incluindo o de morango, biscoitinhos de nata e toda sorte de salgados. Quem já provou do empadão de frango, independentemente da religião, sabe que é para comer “de joelhos” tal a gostosura.
 
Quem une o útil ao agradável é a Maria Sabina Santos, viúva, craque também nas rosquinhas de nata e salgados, tudo bem caseiro. Ela começou a aprender o ofício, aos 18 anos, quando trabalhou numa padaria. “Depois, fui aprimorando. Fazer esse trabalho é uma terapia”, conta Sabina. O telefone dela é (31)99488-5836.




 
“Terra de lendas e evocações”, como escreveu o poeta Tibúrcio de Oliveira, os moradores de Santa Luzia guardam na memória, com ‘açúcar e com afeto’, os doces feitos pelas irmãs Gema Galgani Braga e Piedade Margarida, a Pequetita, ambas falecidas. Artistas da cozinha, faziam uma bala delícia que ficou na história, além de cocadinhas, frutas cristalizadas, pé de moleque, doce de leite e os canudinhos presenteados à princesa Diana. Ao provar o primeiro, Lady Di teria comentado: “São os dedinhos doces das crianças do Brasil”.
 
Seguindo a trilha das duas doceiras, o sobrinho-neto de dona Gema, Rafael Silva Braga, de 35 anos, mantém a tradição familiar. “Desde criança frequentava a cozinha. Aprendi vendo, ouvindo e prestando atenção. É importante manter os produtos e o jeito de fazer”, afirma Rafael, que, em tempos digitais, pode atingir mais pessoas, via Instagram (@deliciasdagema). O telefone é (31) 99210-6563.
 
O presidente da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, Adalberto Andrade Mateus, ressalta a histórica relação da cidade com os doces: “Em 1824, o barão alemão Georg von Langsdorff registrou uma mesa com 120 travessas e pratos de doces feitos no antigo recolhimento de Macaúbas, e o interessante é que fez questão de anotar o uso de 12 arrobas de açúcar para toda a produção”. Adalberto destaca que as recepções promovidas pelos barões de Santa Luzia, Manoel e Maria Alexandrina Vianna, em que o momento do “dessert” (sobremesa) era aguardado e elogiado.




 

Pãezinhos de Santa Luzia

Ingredientes
  • 300g de farinha de trigo
  • 150ml de leite
  • 1 colher de sopa e meia de manteiga
  • 5 colheres de sopa bem cheias de açúcar
  • 20g de fermento de padeiro
  • Meio pacotinho de açafrão
  • 1 pitada de sal
  • 1 ovo
  • uvas-passas (para decorar)

Modo de fazer

Em uma panela, aquecer o leite com o açúcar e o açafrão, mexendo um pouco. Retirar antes de começar a ferver e reservar. Em outro recipiente, colocar a farinha e o sal, misturar e juntar o fermento.

Misturar a manteiga derretida e continuar a mexer. Em seguida, acrescentar a mistura de leite à farinha e mexer com uma colher de pau até obter uma massa que não grude nos dedos. Tampar o recipiente, deixar repousar em lugar aquecido durante uma hora ou até dobrar de volume. Passado esse tempo, trabalhar ligeiramente a massa e formar um rolo.

Com uma faca, cortar em porções mais ou menos iguais e dar uma forma redonda – assim será mais fácil esticá-las para formar tiras de cerca de uns 30 centímetros de comprimento. Enrolar as pontas: uma para um lado, outra para outro, formando a letra S.

Em seguida, colocar todos os pedaços formados, espaçados, em um tabuleiro e pincelar, muito bem, com ovo batido. Por cima de cada espiral, colocar uma uva-passa. Assar em forno preaquecido a 180 graus por 25 minutos. 
A receita rende 35 unidades.