A forma como celebramos o réveillon diz muito sobre quem somos e de onde viemos. Como toda data especial, o ano-novo leva para a mesa a cultura de um país ou de uma região, e também envolve tradições de família. Mas, seja qual for o lugar no mundo, o rito de passagem aproxima passado e futuro, fazendo pulsar toda a expectativa para o que está por vir. Convidamos chefs de origem italiana, japonesa e mineira para eleger as receitas que, para eles, simbolizam o momento da virada.
Há exatos 26 anos, réveillon é sinônimo de trabalho para o chef italiano Simone Biondi, do Est! Est!! Est!!!. Mas as memórias da data antes de se tornar cozinheiro não se apagam e continuam a ser revividas.
“Ano-novo era sempre um momento de juntar a família. As avós ficavam preparando massas artesanais e os netos faziam bagunça na cozinha com farinha”, conta.
“Ano-novo era sempre um momento de juntar a família. As avós ficavam preparando massas artesanais e os netos faziam bagunça na cozinha com farinha”, conta.
Capeletti, em especial, é o prato que mais evoca o seu réveillon na Itália. As duas avós se juntavam para produzir massa suficiente para fazer a alegria de toda a família.
Curioso, ele já demonstrava interesse em seguir os passos do bisavô e do pai, donos de restaurantes. Ficava atento à movimentação na cozinha. Como sempre fala, divertia-se com massas, e não brinquedos.
Curioso, ele já demonstrava interesse em seguir os passos do bisavô e do pai, donos de restaurantes. Ficava atento à movimentação na cozinha. Como sempre fala, divertia-se com massas, e não brinquedos.
Havia duas formas de servir a massa em formato de chapéu e com recheio clássico italiano de carnes mistas, presunto parma, mortadela, parmesão e um toque de noz-moscada.
Poderia ser com caldo de galinha (o que os italianos chamam de “in brodo”) ou com molho de tomate. Hoje é uma tia quem prepara o capeletti para a família, que já não é mais tão numerosa, mas a tradição se mantém na Itália.
Poderia ser com caldo de galinha (o que os italianos chamam de “in brodo”) ou com molho de tomate. Hoje é uma tia quem prepara o capeletti para a família, que já não é mais tão numerosa, mas a tradição se mantém na Itália.
Em BH, Simone faz questão de preservar essa história. “Continuo com o costume de fazer capeletti para homenagear as minhas avós, para que elas continuem presentes no meu dia a dia. Por isso, quando alguém não gosta da minha comida, fico super ofendido”, explica.
No momento, o capeletti não está no cardápio fixo do restaurante. Aparece de vez em quando como sugestão. Mas Simone avisa que ele vai voltar no fim de janeiro.
Ficou com vontade de sentir o sabor que marcou o réveillon do chef? Não precisa esperar até o ano que vem. A massa é vendida congelada no Est! Empório, que fica logo ao lado do restaurante.
Você ainda tem a opção de comprar os molhos prontos (caldo de galinha, de carne ou molho de tomate) e preparar, com muita praticidade, uma legítima receita italiana. Na noite da virada, inclusive.
Você ainda tem a opção de comprar os molhos prontos (caldo de galinha, de carne ou molho de tomate) e preparar, com muita praticidade, uma legítima receita italiana. Na noite da virada, inclusive.
Beleza e simbolismo
Chef do Fugu Izakaya, Gabriela Harue apresenta conservas, refogados e cozidos que serve como otoshi (petiscos do dia) em um formato tradicional no réveillon dos japoneses.
Montado em um prato de madeira quadrado, o osechi ryori chama a atenção pela beleza. A mistura de cores, formatos e texturas resulta em uma composição de encher os olhos.
Montado em um prato de madeira quadrado, o osechi ryori chama a atenção pela beleza. A mistura de cores, formatos e texturas resulta em uma composição de encher os olhos.
Nada está ali por acaso. De acordo com a cultura japonesa, cada elemento carrega um simbolismo, representando o que se deseja para o ano que está por vir.
Planta com muitas raízes, o inhame cozido em shoyu, sake e açúcar (saitomo) simboliza proteção para as crianças. Já as anchovas secas, cozidas em shoyu e açúcar (tazukuri), significam desejos de vida longa e boas colheitas.
Planta com muitas raízes, o inhame cozido em shoyu, sake e açúcar (saitomo) simboliza proteção para as crianças. Já as anchovas secas, cozidas em shoyu e açúcar (tazukuri), significam desejos de vida longa e boas colheitas.
No total, há 12 preparos no prato, feito para compartilhar. Seguindo com mais exemplos, o ovo cozido misturado com açúcar e sal (nishiki tamago) carrega votos de saúde e boa sorte. Coincidentemente, broto de bambu (takenoko) e ovas de peixe são símbolos de fertilidade. E por aí vai.
Apesar de não servir no restaurante, a chef acrescentou os camarões (ebi). Por causa de suas longas antenas e o corpo curvo (como as costas curvas dos idosos), eles representam longevidade.
Esta é a época que ela mais gosta, justamente por toda a simbologia que carrega. Nos últimos dias do ano, ela aproveita para processar tudo o que passou e planejar o futuro, listando metas, inclusive.
O ano-novo da família de Gabriela, neta de japoneses, já era abrasileirado. Tinha churrasco e salgadinho. Mas ela conta que a avó tentava ao máximo incluir tradições do seu país, entre elas colocar arroz no santuário budista como oferenda que tinha em casa.
Na mesa, sempre tinha camarão, lagosta e muitas frutas, que, de tão raras no Japão, são consideradas joias.
Na mesa, sempre tinha camarão, lagosta e muitas frutas, que, de tão raras no Japão, são consideradas joias.
A escolha de um mineiro
Para Guilherme Melo, do restaurante Nuúu, revéillon combina com comida “de gala”. A pompa a que ele se refere tem a ver receitas, especialmente pensadas para o momento, que exigem preparos mais complexos.
O chef sugere para a data um prato que representa muito bem a cozinha mineira: leitão desossado com molho roti de doce de leite e lobozó da Serra da Canastra.
O chef sugere para a data um prato que representa muito bem a cozinha mineira: leitão desossado com molho roti de doce de leite e lobozó da Serra da Canastra.
“Acho que o leitão à pururuca é um preparo muito presente em Minas Gerais, normalmente reservado para ocasiões especiais”, justifica.
Esta receita de leitão, que foge um pouco da tradicional por ser desossada, ele aprendeu com um grande amigo português, o chef Luis Américo Teixeira, que tem cinco restaurantes no Porto.
A escolha é até uma forma de lembrar como a cozinha mineira e a de Portugal são parecidas. Aqui temos o leitão à pururuca e lá existe a tradição do leitão à Bairrada.
A escolha é até uma forma de lembrar como a cozinha mineira e a de Portugal são parecidas. Aqui temos o leitão à pururuca e lá existe a tradição do leitão à Bairrada.
No lugar dos temperos da Bairrada, que são basicamente sal e “muita” pimenta-do-reino, Guilherme buscou sabores mineiros com sal e cheiro verde. Depois, ele saboriza o molho de carne com doce de leite para criar um inusitado roti, que será usado na finalização.
O acompanhamento deixa o prato ainda mais regional. Apesar de ter um nome diferente, o lobozó, típico da Serra da Canastra, não causa estranhamento ao paladar. Pode ser comparado com mexido, virado ou farofa, mas com uma identidade própria. A base é de farinha flocada de milho, que envolve pedaços de jiló, abobrinha, ovo e queijo da região.
Quando assumiu o Nuúu, que fica dentro de um hotel, Guilherme decidiu criar um cardápio que apresentasse a cozinha mineira contemporânea. Para ele, é um orgulho mostrar os sabores do seu estado.
O prato sugerido para o revéillon o encanta pela combinação de sabores e texturas. Tem a crocância da pele do leitão, o adocicado do molho roti, o amargo do jiló e o salgadinho do queijo.
“Isso faz o prato ficar bem interessante. Se os orientais sempre pensam em misturar todos os sabores no prato, nós, mineiros, sabemos fazer isso muito bem.”
“Isso faz o prato ficar bem interessante. Se os orientais sempre pensam em misturar todos os sabores no prato, nós, mineiros, sabemos fazer isso muito bem.”
Este ano o restaurante vai funcionar só até as 23h do dia 31 para que todos os funcionários possam celebrar a virada com a família e amigos.
“Revéillon para mim significa recomeço, renascimento, renovação, novas oportunidades, perdão e acho muito importante estar com quem se ama”, comenta o chef, esperançoso de que o próximo ano seja mais leve.
“Revéillon para mim significa recomeço, renascimento, renovação, novas oportunidades, perdão e acho muito importante estar com quem se ama”, comenta o chef, esperançoso de que o próximo ano seja mais leve.
Leitão desossado com roti de doce de leite e lobozó da Canastra (Guilherme Melo - Nuúu Restaurante)
Ingredientes
1 leitão pequeno (5kg aproximadamente); 100g de sal grosso; 20g de pimenta preta em grão; 50g de alho; 10g de salsinha; 10g de cebolinha; 150ml de vinho branco seco; banha para confitar; 1,2l de molho roti; 150g de doce de leite; flor de sal a gosto; 400g de farinha de milho flocada; 60g de cebola; 10g de alho; 500g de jiló; 350g de abobrinha; 150g de manteiga; 10 ovos; 200g de queijo da Serra da Canastra; salsinha a gosto; sal a gosto
Modo de fazer
Triture o sal e a pimenta em um processador de alimentos. Junte o alho e triture novamente. Acrescente o vinho branco, a salsinha e a cebolinha repicadas e misture bem. Coloque a marinada no leitão, espalhando por dentro e por fora e perfurando um pouco a carne nos pedaços mais grossos para o sabor entranhar melhor. Deixe marinar por 8 horas. Confite em banha a 95 ºC durante 5 horas. Retire com cuidado e desosse ainda morno. Retire a carne das pernas e coloque sobre o vão das costelas. Enrole com película e prense de modo a obter um retângulo espalmado. Coloque o molho roti em uma panela e leve ao fogo, deixando reduzir à metade do volume. Acrescente o doce de leite e misture bem. Tempere com flor de sal no momento da montagem do prato. Para o lobozó da Canastra, repique a cebola, o alho e a salsinha e reserve. Corte o jiló e a abobrinha em discos. Corte o queijo da Serra da Canastra em cubos de 2cm. Em uma frigideira, refogue a cebola e o alho com manteiga. Depois de 2 minutos, acrescente a abobrinha e o jiló. Refogue por 2 minutos e coloque os ovos, deixando que cozinhem um pouco, sem mexer. Adicione a farinha de milho aos poucos e, em seguida, os cubos de queijo, deixando até que derreta. Evite mexer muito o lobozó para que o ovo fique em pedaços pequenos. Tempere com sal, pimenta-do-reino e adicione a salsinha. Misture. Use uma frigideira anti-aderente para finalizar o leitão com a pele virada para baixo. Termine no forno e retire quando a pele estiver tostada.
Serviço
(31) 2526-5852
(31) 97234-6461
(31) 3311-9410