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Estado de Minas TRADIÇÃO REVISITADA

Felipe Rameh assume como novo chef executivo do Tragaluz, em Tiradentes

Restaurante situado na cidade histórica entra em nova fase, apresenta novas receitas mas sem abandonar a pegada tradicional do menu


29/01/2023 04:00 - atualizado 01/02/2023 22:14

Creme de baroa
Creme de baroa do chef Felipe Rameh: mousseline leva cogumelos do Campo das Vertentes e é servido na mesa (foto: magé monteiro/divulgação)


Após 20 anos de trajetória profissional, Felipe Rameh está de volta à estrada – literalmente. O chef, que já esteve à frente de casas que deixaram saudade no cenário gastronômico belo-horizontino, andava sumido do comando das panelas. Apesar de Rameh ser presença constante nas redes sociais e ultimamente até aparecer na TV – o “Coisas Daqui”, programa da Rede Globo, terá nova temporada esse ano –, a clientela andava com saudades de vê-lo entre a cozinha e o salão. Após esse hiato em que esteve envolvido ainda com cursos, consultoria e jantares particulares, o cozinheiro está de volta ao comando de um restaurante. Desta vez ele faz o retorno tendo a vista emoldurada pela deslumbrante Serra de São José, em Tiradentes, a quase 200 quilômetros da capital, onde ele assumiu como chef executivo do Tragaluz, uma das casas gastronômicas mais celebradas em Minas Gerais, em vias de completar 23 anos de existência.
 
 torresmo de barriga
"Um sonho" é o nome do prato que reúne torresmo de barriga assado, purê de banana caramelada, pancs e mini vegetais (foto: magé monteiro/divulgação)
 
 
É uma espécie de reencontro de Rameh com a cidade do Campo das Vertentes, que pulsa gastronomicamente como poucas. “Eu tenho uma relação de muitos anos com esse restaurante”, pontua o chef, ao lembrar de tempos passados com a fundadora da casa, Zenilca Navarro – há oito anos o restaurante foi adquirido pelo sobrinho dela, Pedro Navarro, e sua companheira Patrícia. “Uma vez a Zenilca contratou vagas do meu curso para inscrever os funcionários do restaurante dela, achei isso instigante”, relembra. Mesmo após o casal assumir o restaurante, o vínculo com Rameh se manteve. “Ele é a pessoa a quem a gente recorria sobre decisões operacionais e estratégicas”, diz Pedro.
 
galinha d'Angola
No prato mais requisitado do menu, o chef fez ajustes pontuais no caldo e agregou uma telha de angu, mas a galinha d'Angola confit continua com o arroz caldoso e especiarias (foto: magé monteiro/divulgação)
 
 
Com a saída de Matheus Paratella, o chef anterior, novo chamado foi feito a Rameh, mas desta vez os conselhos frutificaram em algo mais duradouro. “Tentamos seduzi-lo”, resume o dono da casa. O chamego tanto funcionou que Rameh, desde dezembro, assumiu a dólmã principal do estabelecimento, onde pretende estar presencialmente durante cinco dias ao mês para afinar arestas. “A chefia executiva envolve dar treinamento à equipe, fazer pequenos ajustes e discutir estratégias”, explica o cozinheiro. E, claro, a parte mais saborosa: remexer no cardápio e comandar jantares especiais.
 
goiabada cascão
A imbatível goiabada cascão vem prensada em castanha de caju granulada, é frita na manteiga e recebe cama de queijo cremoso. Acompanha sorvete artesanal de goiaba (foto: magé monteiro/divulgação)
 
 
Mas o Tragaluz não é uma casa onde troca-se o menu de tempos em tempos – o cardápio tem um quê de sagrado, já que o lugar é destino de comensais de todo canto do Brasil e do mundo que chegam na cidade barroca salivantes para provar as receitas queridinhas, como a galinha d’angola com arroz caldoso e a goiabada cascão frita prensada na castanha de caju. “É um dos pratos intocáveis, que não dá pra mexer, mas a gente fez ajustes na forma de fazer o caldo e finalizamos com telha de angu”, pontua o cozinheiro sobre a disputada galinha. Nada é totalmente estático para a ousadia de Felipe Rameh.
 
cubos de filé
Outra sugestão do restaurante são os cubos de filé com molho roti, banana dourada, couve, farofa crocante e ovo frito (foto: magé monteiro/divulgação)
 

ÁGUAS PROFUNDAS A valorização dos produtos que chegam do entorno do Tragaluz é o mergulho que ele diz querer continuar dando, com a nítida intenção de avançar em águas mais profundas. “Quero resgatar a conexão do restaurante com o quintal”, promete. “Esse exercício é perene para nós, não é só um discurso”, completa Pedro. O empresário faz questão de explicar que seria até mais barato trabalhar com importados, mas investir nos produtores mineiros é o cerne da identidade do negócio. Esse alinhamento entre a dupla dá vida a novos pratos do menu, como o lombo de bacalhau confitado que chega com angu de milho branco de Barbacena, minimilho tostado, broinha de canjica, cebolinha e azeite mineiro.
 
 Felipe Rameh e Pedro Navarro
Celebrando 20 anos de trajetória profissional, Felipe Rameh volta a comandar a cozinha do restaurante de Pedro Navarro (foto: magé monteiro/divulgação)
 
 
Os queijos feitos na região acompanham um dos novatos da lista de entradas. Trata-se do jilozinho tostado com molho de mostarda, quiabo com lardo mineiro e farofinha crocante de pão, coalhada de ovelha e pó de azeitona, que é servido com compotas, além dos queijos.
 
Ainda na lista de novidades do chef, o preparo chamado “um sonho” consiste em um torresmo de barriga servido no osso, acompanhado por purê de banana caramelada, minivegetais tostados e roti de porco.
 
Entre as mexidas, há espaço para retornar com propostas que já frequentaram o cardápio em tempos idos, como o uso do purê de cará com gema confitada simulando um ovo. Em nova roupagem, o pato confit entra como protagonista da receita, acompanhado pelo falso ovo, que triunfa junto ao molho roti com jabuticaba e pimenta verde.

RAÍZES CULINÁRIAS Há tempos o restaurante investe na equação que envolve harmonizar técnicas atuais com o vigor das raízes culinárias, e a missão segue agora nas mãos de Rameh. “A comida precisa ter técnicas e ingredientes bons, talvez uma pitada de contemporaneidade, mas o importante é valorizar o que está à nossa volta”, pontua Pedro. Cada vez mais interessado em questões humanas, o chef complementa. “O conceito de contemporaneidade mudou ao longo dos anos, então ser contemporâneo é olhar para o quintal, ter gestão humanizada, trabalhar com respeito, dar boa remuneração, ter escuta com o time”, reflete.
 
Em nova fase, as ambições do Tragaluz ultrapassam até mesmo os limites da cozinha. A casa tem envolvimento em projetos sociais e culturais, e agora a intenção é poder engrossar o caldo do fomento turístico tiradentino. “A cidade é um fenômeno turístico, mas ainda aquém do que pode ser. Queremos formar mais gente e tornar o turismo ainda mais próximo”, finaliza o chef executivo.
 

Cozinha de impacto 

 
“Estou indo atrás de quê?” Felipe Rameh faz essa pergunta constantemente. Ao receber o convite para assumir a chefia do Tragaluz, um negócio que envolve uma logística espartana – o restaurante possui 130 lugares e cerca de 40 colaboradores -, algo que estava do lado de fora do imóvel pesou a favor do sim. Rameh continua achando que gastronomia é muito mais do que o domínio de técnicas apuradas e o caos controlado de uma cozinha de alta performance. Para ele, restaurante é apenas uma das possibilidades de exercer a profissão. “Minha geração ficou muito condicionada a se formar em gastronomia e ir trabalhar em restaurante, mas teve prazo de validade no meu caso”.
 
Entre essa gama de possibilidades, a gastronomia pode servir como ativo para impactar vidas, algo que Rameh tem se interessado nos últimos anos. Desta forma, o trabalho social feito em regiões carentes de Tiradentes por Pedro Navarro e seu restaurante Tragaluz ajudou a convencer o cozinheiro de que valia a pena ele voltar a chefiar uma equipe de cozinheiros e assistentes. “Tiradentes está no mapa da fome, é uma contradição, uma loucura”, questiona Rameh.
 
O Instituto Tragaluz atua no combate à desnutrição infantil na cidade que exibe igrejas banhadas a ouro. A entidade envia suplementação proteica à base de ovo caipira para crianças de até 5 anos com quadro de desnutrição. “Cada criança recebe 2 ovos caipiras por dia e cada familiar recebe mais um ovo”, explica Pedro Navarro, que é médico. Uma nutricionista realiza visitas semanais e exames clínicos são realizados mensalmente. Ao todo, a iniciativa atende 25 famílias, mas existe a intenção de ampliar a atuação para outros territórios da região.
 
Felipe Rameh continua morando em Belo Horizonte. As idas e vindas a Tiradentes agora serão constantes, mas ele fala com entusiasmo sobre outro projeto em que está imerso. O chef acabou transformando a casa onde mora com sua companheira, a artista Nath Rodrigues, em um espaço de trabalho. “Não é um restaurante, é a casa onde eu vivo”, adianta. No local, chamado Casa Floresta, eles pretendem promover confrarias gastronômicas que agreguem outras manifestações culturais. Uma das vontades é receber exposições de artistas pretos. “O que me deixa feliz é seguir sendo curioso e ir experimentando coisas novas”, reflete o chef. 
 
 

Creme de baroa com cogumelos, castanha e brotos


Ingredientes

200g de baroa; 120ml de creme de leite fresco; 50g de manteiga; 20g de farofa de pão de mel com especiarias; 10ml de redução de aceto balsâmico; 
2 unidades de castanha de caju; 2 unidades de castanha de baru; 1 unidade de castanha do Pará; 
1 unidade de castanha de pequi; 2 unidades de avelã; 4 unidades de cogumelo-de-paris; 4 unidades de cogumelo portobello; 2 buquês de cogumelo shimeji; 1 unidade de cogumelo eryngui; 2 unidades de minivegetais; brotos e ervas frescas a gosto.

Modo de fazer

 Cozinhe a baroa no vapor até que fique bem macia. Ferva o creme de leite com metade da manteiga. Ainda quente, processe, no liquidificador, a baroa 
e o creme de leite com manteiga até formar um creme bem liso. Acerte o sal e reserve. Doure os cogumelos numa frigideira com manteiga e reserve. Cozinhe os vegetais no vapor. Esfarele o pão de mel com especiarias e toste numa frigideira até ficar crocante. Disponha em um prato os vegetais, os cogumelos que foram na frigideira e algumas lâminas cruas, castanhas, brotos, a 
farofa de pão e gotas de aceto reduzido. Aqueça bem o creme, coloque-o numa jarra e despeje delicadamente sobre o prato montado e decorado. 
 
Tragaluz
Rua Direita, 52, Centro Histórico, 
Tiradentes, (32) 3355-1424 
e (32) 99968-4837 

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