Uma polêmica dominou o mundo culinário de Belo Horizonte nos últimos dias: a falta de sal na receita tradicional do angu mineiro. “Vocês tão ligados que tem uma briga histórica que foi São Paulo que inventou a cozinha mineira, né? Não compro a briga, mas o paulista pelo menos aprendeu a temperar a polenta. Por que o mineiro não bota sal no angu? Inacreditável, para um povo que cozinha tão bem”, escreveu um perfil no Twitter, que pautou o debate nas redes sociais.
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O Estado de Minas conversou com o pesquisador de História da Alimentação e historiador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) José Newton Meneses e a chef Juliana Duarte, do restaurante Cozinha Santo Antônio, para entender as origens do nosso angu e esclarecer a polêmica.
Afinal, o angu mineiro tem ou não tem sal?
Há 300 anos, quando Minas começou a se formar como estado, o sal era muito caro – por ser importado – e usado em pequenas quantidades em alimentos específicos. Assim, comidas mais cotidianas, como o angu, não levavam o tempero. “Então, foi-se construindo esse gosto pelo angu sem sal”, explica o historiador.
Outro ponto é que os acompanhamentos do angu, como os molhos das carnes, eram feitos com sal. Assim, na mistura final do prato, o angu entra como uma espécie de base, mais neutra, que permite que os outros ingredientes sejam ressaltados.
Meneses completa que tradição é “transmissão no tempo” e guarda e perde valores, ou seja, há uma mudança. Por isso, atualmente, o uso do sal no angu é opcional – bota quem quer.
Também há mineiros que inovam com outras técnicas, como usar manteiga no preparo. A chef Juliana Duarte não vê essa evolução como algo negativo, já que, hoje, o sal não é um alimento caro e de difícil acesso. Na cozinha que ela comanda, por exemplo, o angu leva sal, sim.
‘Angu é uma comida democrática’
Já a provocação no post sobre a origem paulista da culinária mineira é uma discussão ultrapassada, afirma José Newton Meneses. "Essa competição já 'saiu de moda', porque há uma complementaridade entre as culinárias dos estados brasileiros", ressalta.
A comida mineira, ao contrário do muita gente diz, não nasce da carência, aponta ele. "Nasce de um diálogo intercultural entre povos originários, africanos e europeus, e da oferta natural bem aproveitada que dá pratos riquíssimos”, explica.
Ele conta que o angu não era consumido somente por escravizados, apesar da lenda popular que criou-se ao redor do alimento. “Minhas pesquisas me levaram a ver documentos de que famílias de uma categoria social mais endinheirada e uma elite social comiam angu cotidianamente”.
“Aliás, isso é muito comum em Minas até hoje: as mais diferentes classes sociais comem angu cotidianamente, principalmente associado com carnes, como frango com quiabo. É uma comida democrática, vamos dizer assim”, complementa.
É isso, inclusive, que define o que é a culinária mineira para a chef Juliana Duarte. “A gente olha para a comida como um todo, e esse conjunto de coisas é que caracteriza a comida mineira. É combinar, por exemplo, costelinha usando aquela técnica do 'pinga e frita' e servir com ora-pro-nóbis. Então, isso é uma coisa que eu olho e eu acho que é um prato mineiro”, detalha.
A chef pontua que outros estados, como São Paulo, também comem alguns pratos similares com os mineiros, além do angu, mas esses detalhes diferenciam as culturas. “Por exemplo, servir frango com um angu e o quiabo e uma couve cortada fininha. Isso também é outra coisa que você bate o olho e vê que é uma mineira. Não quer dizer que não tem outros lugares, né? Essa combinação de fazer um frango e servir um frango com angu. Mas e o jeito que a gente olha para isso é o jeito que a gente é”, conclui.
Como fazer um angu mineiro perfeito
A base do angu é o fubá. A principal dica da chef Juliana é encontrar um bom fubá para fazer o prato.
A "ciência" é misturar o fubá com água, até formar uma pasta - mais endurecida ou menos, conforme o gosto ou a receita. Prepare o braço para mexer - e muito! - a massa na panela.
Juliana explica que misturar os produtos na panela é muito importante, principalmente depois que se forma aquela “crosta” no fundo.