Jornal Estado de Minas

Vermelho é a cor mais quente



Na gastronomia, é bom que se deixem as rivalidades no escanteio. Se no futebol a rixa faz parte do jogo, na cozinha a regra é outra. Influências, releituras e inspirações ajudam a dar caldo a novas criações. O nascimento do Hacienda 1979 foi assim. O mais novo rebento no cenário local de casas de carnes nasceu em dezembro do ano passado e já apresenta firmeza de adulto.




 
A trança de muçarela assada com pesto de rúcula e tomate seco artesanal (foto: Victor Schwaner/Divulgação)
 
 
No restaurante situado no Vale do Sol, em Nova Lima – a 23,8 km do centro de Belo Horizonte –, tem dado certo a fusão entre as culinárias da Argentina e da Itália. Estar dentro do tradicional Chevals Centro Hípico concede ao requintado restaurante uma aura ainda mais especial de paixão por cavalos, hábito também comum entre os argentinos. A partir do interesse em abrir uma casa inspirada no país da parrilla, os donos foram percebendo a penetração da cultura italiana no país sul-americano, onde passaram uma semana visitando casas especializadas, além de um ano de planejamento no Brasil. “A influência italiana é um traço forte na gastronomia argentina”, explica Vinicius Veloso, um dos sócios do empreendimento.
 
Cheesecakes, bolos, tarteletes e trufas marmorizadas são exibidas na ilha de sobremesas (foto: Victor Schwaner/Divulgação)
 
 
O casamento ítalo-argentino vingou e resultou em um menu enxuto e eficiente, que concentra as atenções em carnes e massas. “Ter cardápio grande é um desserviço”, pontua Vinicius, com a expertise de quem integra o Grupo Chalezinho, com 43 anos de história. Treze casas estão sob a gestão da empresa, entre elas o Cozinha de Fogo Wäls, O Italiano e Vila Chalezinho. Com toda essa bagagem, a gestão conseguiu criar um menu de mira certeira que abre espaço também para bons acompanhamentos, como batatas, saladas e arrozes – a farofa ajuda a dar um acento brasileiro ao cardápio -, mas todos os holofotes da casa estão voltados ao manuseio da parrilla.
 
Empanadas e arancini: entre as opções de entrada (foto: Victor Schwaner/Divulgação)
 
 
Na cozinha, portanto, não há páreo para as carnes. Todos os cortes são black angus Carapreta. Com fazendas situadas no Norte de Minas Gerais, a marca é queridinha de nove entre dez churrasqueiros. Admirador dessa produção, Vinicius optou por dar exclusividade total à Carapreta no menu do novo restaurante. Foi necessária uma negociação específica para garantir que o produtor de carnes de grife desse conta do recado. “Ajuda muito o fato de termos bons fornecedores, que superam inclusive a qualidade das carnes argentinas”, provoca.




 
Carnes, massas e saladas: menu enxuto, mas diverso (foto: Victor Schwaner/Divulgação)
 

PERÍCIA Entre as mais de três toneladas de carne vendidas por mês, em porções que partem de 280 gramas a 1,2 quilos, o tapa de cuadril é um dos cortes mais pedidos. O motivo? Trata-se da nossa picanha. “É a preferência do público mineiro”, diz o empresário. Já os argentinos preferem ojo de bife (ancho). Costelas dianteiras, denver steak, bife de paleta e fraldinha estão entre as outras opções, que chegam à mesa após um minucioso manejo das zonas de temperatura e controle da incidência de calor na parrilla. “Esse trabalho envolve a medição da quantidade de lenha, a altura do fogo, o tempo de preparo de cada corte, e isso varia de acordo com a parte do boi”, explica Vinicius. “É uma arte”, completa.
 
A imponente adega do restaurante, que abriga 800 rótulos fica no centro do salão principal (foto: Victor Schwaner/Divulgação)
 
 
Essa sintonia fina confere uma suculência particular às carnes. Os cortes prezam pela qualidade e complexidade de texturas. Outra preocupação é não deixar que a brasa comprometa o delicado marmoreio, que é a gordura no entremeio dos bifes. Mas nem só de carnes vermelhas vive essa parrilla. Da cozinha saem pedidas como camarões, pescados e galetos. As saladas são bem frescas e vão bem de guarnição. Entre elas, destaque para a feita com rúcula, aspargos grelhados, batata tostada na brasa, pepino e creme de queijo fresco, acompanhada por ovos cozidos.
 
A possibilidade de variar entre refeições para apetites menores a pratos mais substanciosos existe graças à presença também de pratos mais leves, como o hongos. A receita consiste em cogumelos grelhados na parrilla acompanhados por uma sutil fonduta de queijo e torradas de focaccia. É um dos campeões de pedidos, segundo Kaique Soares, o chef da casa. Ele é um dos responsáveis pelo cardápio, juntamente de Lígia Karazawa, a assadora que é presença constante em grandes eventos de carne do país, como Churrascada e Fuegos Festival.




 
Já o domínio italiano aparece na parte do cardápio dedicada às massas, que são feitas na casa, como o pappardelle verde que acompanha fonduta de aspargos e cogumelos salteados. “Trouxemos a massa como prato principal e não como primeiro prato, como se faz na Itália”, explica Vinicius.

CRIAÇÃO DE PÚBLICO Uma casa que nasce de uma inspiração tão umbilical em outras culturas não poderia deixar de ser ousada ao apresentar ao cliente brasileiro receitas nem tão conhecidas por aqui. É mais um acerto do restaurante que já tem surtido efeito positivo. Em vez de somente a picanha reinar sozinha, Vinicius até se demonstra surpreso com a abertura do cliente para alguns cortes que o paladar local supostamente não estaria tão habituado. Caso do skirt steak, chamado na Argentina de entraña. “É o diafragma do boi, suculento e bastante tradicional na Argentina e pouco encontrado aqui”, diz. Nem mesmo a morcilla intimidou. O embutido feito à base de sangue de porco e especiarias foi incluído no menu do restaurante. “Ela está em todos os menus argentinos, é algo indispensável para eles”, informa o dono da casa.
 
Requinte com cara de fazenda 
 
Tanto capricho presente na operação do Hacienda 1979 poderia resultar em certo didatismo exagerado na feitura das carnes, mas isso também não ocorre por ali. Vinicius Veloso garante que o cliente é soberano na escolha do ponto dos cortes, que são temperados somente com sal na hora de serem colocados sobre a grade. “Usamos um sal temperado próprio para parrilla, desenvolvido na nossa cozinha”, explica Kaique.




 
O mesmo cuidado é percebido na ambientação da casa, que tem projeto arquitetônico assinado por Beth Nejm. A paisagem é inspiradora, com vista para o haras, e a decoração interna é rústica e elegante, com flores secas espalhadas pelo ambiente. Como o nome entrega, a inspiração veio de casas de fazendas argentinas.
 
No salão principal, uma imponente adega atrai os olhares. No local repousam cerca de 800 rótulos de vinhos vindos principalmente dos dois países homenageados pelo estabelecimento. A carta foi elaborada pelo sommelier Rodrigo China e apresenta mais de cem rótulos, como espumantes, brancos, rosés, tintos e vinhos laranjas. Há várias opções de bom custo-benefício, como o tinto argentino Guanaco Ruble, de corpo médio e agradável no paladar, que custa R$ 125. Um diferencial da carta é a parceria exclusiva com vinhos da Família Mastrantonio. “É de um italiano que produz vinhos na Argentina, tem tudo a ver com o nosso conceito”, diz Vinicius Veloso, um dos sócios.

EXPANSÃO A agenda de novidades do grupo Chalezinho continua com a chama acesa. Mal inauguraram o Hacienda 1979, os sócios já estão envolvidos na abertura de um novo negócio. “Em junho vamos inaugurar uma casa em Gramado”, adianta Vinicius. A cidade do Rio Grande do Sul com intensa atividade turística vai receber uma unidade do restaurante Era uma vez um Chalezinho, que fez fama em Minas Gerais. “É um retorno às nossas origens, pois Gramado foi a inspiração para a criação da primeira de nossas casas”, celebra o empresário. 




 
Hacienda 1979
Rua Atlas, 464, Vale do Sol, Nova Lima, (31) 99286-0042
 
Cogumelos grelhados na parrilla com 
fonduta de queijo, acompanhados 
de tostadas de focaccia

Ingredientes

200ml de creme de leite; 400g de parmesão; 100g de farinha de trigo;100g 
de manteiga; 100ml de vinho branco; sal e pimenta. 50g de cogumelo shitake; 50g de cogumelo de Paris; 50g de cogumelo shimeji; 20g de bacon; 20g de croutons; 2 fatias de focaccia; 5ml de azeite de trufa; 5ml de azeite de 
oliva; 1g de salsa; 5g de brotos.

Modo de fazer

Coloque a manteiga e a farinha em uma panela e misture em fogo baixo. Adicione o creme de leite e deixe engrossar. Após reduzir, adicione o vinho branco e deixe evaporar um pouco do álcool. Em seguida, coloque o parmesão e desligue o fogo. Leve ao liquidificador até obter uma consistência lisa e homogênea. Tempere com sal e pimenta. Reserve. Em uma frigideira, coloque o azeite de oliva e os cogumelos laminados em fatias mais grossas, sal e pimenta a gosto. Frite o bacon em cubos pequenos e leve os pães à frigideira quente para dar uma dourada. Para a montagem, coloque o molho em um prato fundo. Em seguida, inclua os cogumelos, a salsinha, o bacon e os croutons. Repouse as fatias do pão em um dos lados do prato e use o azeite trufado e os brotos para finalizar.